A inserção do acordo coletivo de propósito específico no direito do trabalho brasileiro como instrumento de flexibilização das relações laborais

AutorTácio Oliveira Paes
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela FACIPE e Bacharel em História pela UFPE. Servidor do Tribunal Regional do Trabalho da 6a Região.
Páginas149-159

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Introdução

O presente trabalho estudará o confronto entre os prinO cípios do Direito do Trabalho e a Constituição Federal vigente com o anteprojeto do Acordo Coletivo com Propósito Específico (ACE).

Para tanto, em sede de contextualização, considera-se que a estabilidade financeira advinda com a conquista de um bom emprego reflete-se em toda a família do trabalhador/ empregado. Por outro lado, as dificuldades próprias de uma relação precária de trabalho/emprego perpassam a esfera jurídica individual do (mal) empregado e atinge toda sua família, que experimenta as vicissitudes e provações características de tal situação.

Épocas de desenvolvimento econômico tendem a facilitar não apenas a inserção dos cidadãos no mercado de trabalho e emprego, mas também a conquista de direitos, vantagens, e melhorias nas condições do exercício do labor. Assim ocorreu, por exemplo, com importantes conquistas dos metalúrgicos nos idos da década de 1980.

Por outro lado, em tempos de crise, observa-se tendência ao retrocesso em garantias e benefícios conquistados, sob o argumento principal de que para a manutenção dos empregos é necessária a redução de custos para que o empregador mantenha-se no mercado. Como exemplo, tem-se a Lei n. 9.601/98, que trata da contratação de trabalhador por tempo determinado e a Medida Provisória n. 2.164-41 de 24.8.2001, que, ao alterar o § 2º do art. 59 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), instituiu o banco de horas e criou o vínculo empregatício conhecido como part time, ou seja, trabalho por tempo parcial.

A globalização das economias nacionais amplia consideravelmente a complexidade das relações trabalhistas no que concerne às conquistas e cessão de direitos, pois crescimento e crise econômicos dependem não apenas de políticas internas de cada país, mas também do contexto mundial.

Não é de estranhar, portanto, que neste momento em que as principais economias passam por uma crise que remonta, em grandiosidade e alcance, à de 1929, haja ampliação do pleito dos detentores do capital no sentido de reduzir custos com o barateamento da mão de obra.

Foi nesse contexto que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista apresentou o anteprojeto de lei objeto de estudo deste artigo.

Assim, serão estudados os princípios do direito do trabalho e sua aplicação no ordenamento pátrio, confrontando-os com as propostas contidas no ACE.

Princípios aplicados ao Direito do Trabalho

Diante do novo paradigma que a Revolução Francesa e a Revolução Industrial propuseram ao mundo moderno nos séculos XVIII e XIX, respectivamente, promovendo a reordenação da organização social, os trabalhadores foram, de uma forma ou de outra, se mobilizando e galgando conquistas no campo das relações laborais. Mais na frente, já no século XX, o Estado do Bem-Estar Social amparou tais conquistas de forma mais sólida e robusta ao alimentar os Ordenamentos nacionais com esta filosofia. Assim é que se consolidaram os princípios do Direito do Trabalho.

Princípios, para Francisco Amaral, "são pensamentos diretores de uma regulamentação jurídica, critérios para a ação e para a constituição de normas e de institutos jurídicos".1

Já Miguel Reale, afirmando que os princípios se inserem na experiência jurídica e por isso são elementos componentes do direito e destacando que alguns deles são tão importantes que o legislador lhes confere força de lei, como, por exemplo, os princípios da isonomia e da irretroatividade, assim os define:

[...] os princípios são "verdades fundantes" de um sistema de conhecimento, como tais admitidos, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.2

Destaca Saeguza que a CF/88 dispõe em seu art. 5º, § 2º que os direitos e garantias expressos no texto constitucional

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não excluem outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados.3 No mesmo sentido, Miguel Reale destaca que os princípios são definidos pela Lei de Introdução ao Código Civil, art. 4º, e Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em seu art. 8º, como fontes do direito.4

Dos princípios constitucionais aplicados ao Direito do Trabalho

Arnaldo Süssekind destaca como sendo princípios constitucionais gerais que se aplicam ao Direito do Trabalho a dignidade humana e valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, III e IV, CF/88); o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, desde que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; a plena liberdade de associação para fins lícitos, vedando-se a de caráter paramilitar; e que ninguém pode ser compelido a associar-se ou manter-se associado (art. 5º, incisos XIII, XVII e XX, respectivamente).5

Além dos já mencionados, destaca o autor o art. 170, CF/88, caput e incisos II e III; que determinam a valorização do trabalho humano e a busca pela justiça social, além de estabelecer a função social da propriedade e a busca do pleno emprego.

Dentre os princípios acima mencionados, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, que para Ingo Wolfgang é qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida. Por ser inerente ao Ser Humano, não pode ser criada, nem concedida ou retirada, podendo ser, entretanto, violada. Independe de reconhecimento pelo Direito, embora, quando o faça, exerça papel fundamental em sua promoção e proteção. Sua inserção no art. 1º, inciso III da CF/88 indica não apenas seu enquadramento como princípio e regra fundamental, mas também como fundamento de posições jurídico-subjetivas, ou seja, norma que define direitos e garantias e, ao mesmo tempo, também define deveres fundamentais.6

Outrossim, compõem o rol dos princípios constitucionais aplicados ao direito do trabalho: 1) o da não discriminação, que proíbe que haja diferentes critérios para admissão, exercício de funções e salários por razão de sexo, idade, cor ou estado civil, ou ainda em razão de deficiência física (art. 7º, incisos XXX, XXXI e XXXII, da CF/88); 2) da continuidade da relação de emprego, o qual não é absoluto e emana das normas sobre indenização por demissão arbitrária, independente de levantamento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) (art. 7º, incisos I e XXI); 3) liberdade sindical, que é relativo, uma vez que a própria Constituição Federal impõe a unicidade sindical7 e institui cobrança de imposto sindical.8

Princípio da proteção do trabalhador

É princípio ligado à origem do Direito do Trabalho, sendo que em seu surgimento histórico desempenhou papel de inibir a exploração do trabalho pelo capital.9

Destaca Arnaldo Süssekind que a proteção social dos trabalhadores constitui a raiz sociológica do próprio Direito do Trabalho, sendo o mais importante e fundamental à construção, interpretação e aplicação desse ramo do Direito.10

Daniela Muradas, relacionando-o com a noção de progresso e de não retrocesso social, assim o qualifica:

O princípio da proteção ao trabalhador, como se sabe, grava a originalidade do Direito do Trabalho, enunciando o seu sentido teleológico. Com lastro na dignidade da pessoa humana e no valor ínsito ao trabalho humano, o princípio tutelar enuncia ser a missão deste ramo jurídico a proteção do trabalhador, com a retificação jurídica da desigualdade socioeconômica inerente à relação entre capital e trabalho.11

No mesmo sentido, Américo Plá Rodrigues destaca que:

O princípio de proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade,

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responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.12

Ressalta, assim, que a igualdade entre os contratantes (empregador e empregado) deixa de ser um ponto de partida, como defendido pela teoria da vontade, e passa a ser uma meta, uma aspiração da Ordem Jurídica.

Ainda conforme o mesmo autor, esse princípio se justifica pela dependência que o trabalhador tem tanto no âmbito pessoal (advinda da subordinação às ordens do empregador) quanto econômico (pois o meio de subsistência do obreiro é a venda de sua força de trabalho), de forma que esse princípio não se liga a concepções ideológicas ou políticas.

Já Alice Monteiro, pontuando que o princípio da proteção encontra albergue na parte final do art. 7º da CF/88, por adotar uma técnica legislativa direcionada para o princípio da tutela, destaca que o princípio da proteção se consubstancia na norma e na condição mais favorável ao obreiro.13

Como desdobramento do princípio de proteção, há ainda o in dubio pro operario, o qual indica que, quando for possível a extração de mais de um sentido para a mesma norma jurídica, deve-se optar pela que favoreça ao trabalhador.14

Partindo da tese que o Direito do Trabalho legitima para a classe trabalhadora a exploração de sua força de trabalho ao mesmo tempo em que, por outro lado, legitima as lutas e as vantagens obtidas, Luis Monereo defende não apenas que tal Direito possibilita a reprodução do modelo capitalista, como também tem dupla função, quais sejam, proteger o trabalhador e conservar a ordem social existente: "[...] la mejora de las condiciones de trabajo encuentra um limite objetivo: no puede anular la capacidade de funcionamento y por consiguiente la supervivência del propio modo de producción capitalista".15

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