Inimputabilidade penal: emoção, paixão e embriaguez

AutorRita de Cássia Lopes da Silva
CargoMestranda em Direito Penal pela Universidade Estadual de Maringá - PR. Docente de Direito Penal I e II no Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), Arapongas (PR). Docente de Direito Penal II no Curso de Ciências Jurídicas do Centro de Ensino Superior de Maringá (CESUMAR). Advogada Criminalista do Serviço de Assistência Judiciária
Páginas153-165

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Introdução

Busca-se aqui estudar emoção e paixão, bem como a embriaguez, com análise de suas consequências, dentro do ordenamento jurídico. São situações que não excluem a imputabilidade, desde que não sejam situações patológicas.

O estudo jurídico da matéria é feito dentro das causas de exclusão de imputabilidade que, por sua vez, é elemento da culpabilidade. Esta é a reprovabilidade da conduta ilícita do agente que só poderá ser considerado responsável pelo seu ato se em sua ação pudermos constatar a presença de três elementos que são: imputabilidade, potencial conhecimento de ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. A emoção e a paixão são estados de consciência que influenciam na formação do ato de vontade. A embriaguez, por outro lado, é um dos maiores problemas socais e, como tal, não poderia ficar ausente a um tratamento pelo legislador.

A Imputabilidade como Elemento da Culpabilidade

Antes de qualquer definição sobre imputabilidade, é imprescindível situá-la dentro da teoria geral do delito. É ela um dos elementos da culpabilidade juntamente com o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

No entanto, esse entendimento não é ponto pacífico na doutrina. Assis Toledo, por exemplo, entende que a imputabilidade é pressuposto necessário da culpabilidade, não seu elemento. Explica o doutrinador que sempre que o agente for imputável, será penalmente responsável, em certa medida; e se for responsável/deverá prestar contas pelo fato-crime a que der causa, sofrendo, na proporção direta de sua culpabilidade, as consequências jurídico-penais previstas em lei. Assim, conclui ele, o

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conceito da culpabilidade apóia-se sobre o princípio da responsabilidade, e o princípio da responsabilidade penal apóia-se na imputabilidade do agente (Toledo, 1994, p. 105).

Paulo José da Costa Júnior manifesta-se no mesmo sentido. Assevera que a imputabilidade é um pressuposto, enquanto a responsabilidade é uma consequência. Sendo o agente imputável - dotado de capacidade de culpabilidade - poderá ser responsabilizado por seus atos (Costa Júnior, 1986, p. 209).

Não restam dúvidas de que a doutrina finalista trouxe como significativo avanço a retirada da culpabilidade dos elementos subjetivos que a integram, nascendo daí uma concepção normativa "pura" da culpabilidade (cf. Bitencourt, 1990, p. 264).

Retirando-se o dolo e a culpa da culpabilidade, e nesta ficando apenas as circunstâncias que condicionam a responsabilidade da conduta contrária ao Direito, o dolo e a culpa passam a ser elementos do injusto e a culpabilidade passa a ser composta por três elementos: imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Para Welzel (apudBitencourt, 1990, p. 265), a culpabilidade é reprovabilidade do fato antijurídico individual e o que se reprova "é a resolução de vontade antijurídica em relação com o fato individual".

Assim, conclusivamente afirma Cézar Roberto Bitencourt (1990, p. 265) que "o conteúdo material da culpabilidade finalista tem como base a capacidade de livre autodeterminação de acordo com o sentido do autor. Em outras palavras, o poder ou faculdade de atuar de modo distinto de como atuou. Disto depende, pois, a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade".

Culpabilidade

Para se estudar o assunto proposto é necessário entender o que vem a ser culpabilidade dentro da teoria do delito. Tem-se várias teorias explicativas do conceito de culpabilidade. Dentre as mais expressivas, podemos citar a teoria psicológica; a teoria psicológica-normativa e a teoria normativa pura.

Para a teoria psicológica, culpabilidade teria um conceito puramente naturalístico, desprovido de valor, esgotando-se no dolo e na culpa stristo sensu (Fragoso, 1987, p. 201). Para a teoria psicológica-normativa - adotada pela maioria dos doutrinadores nacionais -, a culpabilidade é explicada através da aceitação de um vínculo psicológico acrescido da reprovabilidade por ausência de causas de inexigibilidade de outra conduta. Crê-se numa relação subjetiva ou psíquica entre o autor e o fato (cf. Prado & Bitencourt, 1995, p. 100).

Das duas teorias acima apontadas, pode-se verificar que tratam-se de teorias que fazem parte do conceito causal de injusto. Tanto uma como a outra trazem como elementos da culpabilidade o dolo ou a culpa, além da imputabilidade e, exclusivamente para a segunda, a exigibilidade de conduta diversa. Por fim, na análise das teorias explicativas do conceito de culpabilidade, temos a teoria normativa pura. Aqui, por culpabilidade, deve-se entender o juízo de reprovabilidade que recai sobre a pessoa do agente em relação à conduta típica (cf. Prado & Bitencourt, 1990, p. 100).

Na verdade, a culpabilidade nada mais é que a reprovabilidade da conduta típica ilícita. Não mais se vê o dolo e a culpa como seus elementos, que são, exclusivamente, a imputabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

Na construção desta teoria podemos verificar que a culpabilidade "não se esgota nessa relação de desconformidade entre a ação e a ordem jurídica, mas, ao contrário, a reprovação pessoal contra o agente do fato fundamenta-se na não-omissão da ação contrária ao Direito ainda e quando podia havê-lo feito. A essência da culpabilidade radica nesse poder em lugar de [... ] do agente referentemente à representação de sua vontade antijurídica, e é exatamente aí onde se encontra o fundamento da reprovação pessoal que se levanta contra o autor por sua conduta contrária, ao Direito" (Bitencourt, 1995, p. 119).

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Para Wessels, no campo da culpabilidade, deve ser analisado se o fato antijurídico deve ser censurado pessoalmente ao autor. A culpabilidade, assim, busca analisar a capacidade do homem de decidir livremente entre o que é direito e o que é injusto. Esta liberdade de decisão é que determinará a possibilidade de censura de culpabilidade contra o agente (1997, p. 82 et seq.).

Por outro lado, não se poderia deixar à margem ãjunção motivadora da norma penal mencionada por Munhoz Conde (1988, p. 130). Direcionada a norma penal aos indivíduos, só se pode considerar a existência de uma relação completa - norma/indivíduo - se existir a capacidade de sentir-se por ela motivado, conhecendo o seu conteúdo ou encontrando-se numa situação na qual possa por ela ser regido.

Observa-se que é de fundamental importância para a análise da culpabilidade o comportamento do indivíduo frente à norma penal. Busca-se verificar a influência exercida por ela - com seus mandamentos e proibições - sobre o indivíduo, impulsionando-o a abster-se de realizar uma das várias ações possíveis proibidas pela norma, com a ameaça de uma pena.

Quem realiza dolosamente um tipo penal, atua, em geral, com conhecimento da ilicitude de sua ação. Parte-se da premissa de que o agente possa conhecer o conteúdo da norma; se ele não a conhece, não pode concluir que o seu atuar é proibido, não tendo motivo para deixar de realizar a sua ação. Este é, em brevíssimas pinceladas, o que vem a ser o potencial conhecimento da ilicitude como elemento da culpabilidade. Ausente este elemento estaremos frente a um caso de erro de proibição, desde que inevitável (art.21,CP).

Quanto à exigibilidade de conduta diversa, pode-se dizer que analisa a possibilidade do agente poder e dever agir de acordo com o ordenamento jurídico. No entanto, deve ser visto como problema individual, cujo agente, no caso concreto, tem que se comportar de um modo ou de outro. Quando a obediência da norma coloca o sujeito fora dos limites da exigibilidade, faltará esse elemento e, com ele, a culpabilidade (cf. Munoz Conde, 1988, p. 132).

Por fim, tem-se, ainda, como elemento da culpabilidade a imputabilidade. Como nascedouro da imputabilidade, pode-se apontar a necessidade de limitação da responsabilidade penal daquelas pessoas que tinham as faculdades psíquicas mínimas para participar da vida social. Passou-se a verificar que determinados grupos de pessoas não poderiam ser tratados como normais, ou seja, como adultos ou como os aparentemente sãos mentais. Criou-se, para eles, em substituição à pena, medidas como os reformatórios e os manicômios, que, na prática, tinham o mesmo caráter de controle social da pena, mas, teoricamente, não tinham o mesmo sentido punitivo (Munoz Conde, 1988, p. 137).

Destarte, busca-se como fundamento da exclusão desse grupo de pessoas, a liberdade de vontade, fundada na capacidade de entender e querer o que se está fazendo. Sem essa liberdade, não se atua livremente e, por isso, não se pode considerar culpado quem o faz.

Inimputabilidade

Dentro de nossa legislação penal, tem-se a indicação de quem seja inimputável permitindo-nos concluir, por via indireta, quem seja imputável.

Por imputabilidade entende-se a capacidade de entender e querer do agente. De regra, tem-se que "é o conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento" (Bruno, 1984, p. 44).

Na verdade, o conceito de imputabilidade revela a capacidade prática do agente de entender o ilícito do seu ato e de determinar segundo esse entendimento, fazendo com que seu comportamento contrário ao dever seja juridicamente reprovável.

Pois bem, imputar é atribuir algo a alguém. Juridicamente, imputar algo a alguém é admitir que este alguém é responsável pelo fato e, consequentemente, passível de sofrer os efeitos decorrentes...

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