Inércia Legislativa e Ativismo Judicial: A Dinâmica da Separação dos Poderes na Ordem Constitucional Brasileira

AutorGlauco Salomão Leite
CargoUniversidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa-PB, Brasil
Páginas10-31
Direito, Estado e Sociedade n.45 p. 10 a 31 jul/dez 2014
Inércia Legislativa e Ativismo Judicial:
A Dinâmica da Separação dos Poderes
na Ordem Constitucional Brasileira
Glauco Salomão Leite*
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa-PB, Brasil
1. Considerações iniciais: entre o décit democrático da política e a
expansão da jurisdição constitucional
Há mais de dois séculos, foi introduzido o controle de constitucionalidade
no sistema político estadunidense, transformando-o na peça-chave dos
debates constitucionais. Em vários países da Europa e da América Lati-
na, esta delicada competência da jurisdição constitucional só se tornou
uma realidade concreta ao longo da segunda metade do século passado.
Desde então, tem sido desenhado um esquema complexo de separação
de poderes, em que se permite a um órgão supostamente neutro, munido
de técnicas jurídicas sof‌isticadas e não legitimado diretamente pelas urnas,
invalidar as opções políticas daqueles que foram eleitos para conduzir as
instituições majoritárias.
O passo adiante foi não apenas a af‌irmação de Cortes Constitucionais e
Supremas Cortes com poderes contramajoritários, senão como órgãos que
passaram cada vez mais a lidar com questões políticas controvertidas numa
comunidade. Não obstante, o projeto de um “guardião da Constituição”,
* Doutor em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Mestre em Direito
Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de são Paulo (PUC/SP). Prof. de Direito Constitucional
da Universidade Federal da Paraíba (UFPB); da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e da
Faculdade Damas de Instrução Cristã. glaucosalomao@uol.com.br.
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preso a um modelo de “legislador negativo”, mostrava-se ainda tímido e
vinculado ao esquema do Estado de Direito Liberal, pois atribuía um papel
limitado ao Tribunal Constitucional na f‌iscalização das leis e na proteção
dos direitos fundamentais. De fato, não obstante Hans Kelsen1 ter desta-
cado a importância do Tribunal na proteção das minorias, ponderou que
as Cortes Constitucionais deveriam evitar fundamentar suas decisões em
princípios jurídicos, dado o seu conteúdo indeterminado, pois, do contrá-
rio, haveria o risco de um deslocamento de poder da esfera parlamentar
para a judicial. A área de incerteza, portanto, deveria pertencer ao legisla-
dor democrático.
Entretanto, a desconf‌iança nas instâncias políticas majoritárias, a cen-
tralidade dos direitos fundamentais no sistema jurídico e o reconheci-
mento da força normativa das Constituições contemporâneas e de seus
princípios impulsionaram uma atuação mais intensa por parte dos órgãos
judiciais, afastando-se da ortodoxia do “legislador negativo”, o que tem
dado ensejo a um intenso debate sobre o protagonismo judicial e sua ade-
quação ao regime democrático. É tendo em conta esse cenário que se pas-
sou a discutir o fenômeno da judicialização da política, os fatores que a
impulsionam e suas consequências no regime democrático. Na literatura
sobre o tema, adota-se como ponto de partida a recente proeminência dos
Tribunais Constitucionais e Cortes Supremas, como o Supremo Tribunal
Federal (STF), nos processos político-decisórios2.
No Brasil, a Constituição de 1988 promoveu substanciais alterações
no modelo de jurisdição constitucional, resultando em um nítido fortale-
cimento do STF, erguido à condição de seu guardião precípuo. Gradativa-
mente, o STF passou a ser chamado a se pronunciar sobre as mais variadas
e complexas questões, compreendendo assuntos de elevada carga política,
moral, econômica, religiosa e social. De um mero desconhecido, a Corte se
transformou em um novo espaço público de deliberação, onde importan-
tes controvérsias da agenda nacional têm sido decididas.
Ocorre que quando as instituições políticas majoritárias se mostram in-
capazes de responder satisfatoriamente às demandas sociais, há uma maior
propensão para buscar apoio no Poder Judiciário. Verif‌ica-se, desse modo,
1 KELSEN, 2003, p. 181.
2 TATE, 1995, p. 27; HIRSCHL, 2004, p. 169; CASTRO, 1997, p. 2; VERONESE, 2009, p. 255; VIEIRA,
2008, p. 441.
Inércia Legislativa e Ativismo Judicial: A Dinâmica da Separação
dos Poderes na Ordem Constitucional Brasileira

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