A ineficácia parcial do aval prestado sem outorga conjugal

AutorJean Carlos Fernandes
Páginas221-239

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RE 1.163.074-PB (2009/0210157-8) Relator: Ministro Massami Uyeda

Recorrente: Edlúcia Medeiros Marques Dardenne

Advogado: Fernando Antônio Bezerra Cavalcanti Madruga Filho

Recorrido: Banco Itaú S/A

Advogados: Lídia de F. S. Albuquerque e outro(s)

j. 15.12.2009 DJ 4.2.2010

Ementa: Recurso Especial - Ação anulatória de aval - Outorga conjugal para cônjuges casados sob o regime da separação obrigatória de bens - Necessidade - Recurso provido.

  1. É necessária a vênia conjugal para a prestação de aval por pessoa casada sob o regime da separação obrigatória de bens, à luz do art. 1.647, III, do Código Civil.

  2. A exigência de outorga uxória ou marital para os negócios jurídicos de (presumida-mente) maior expressão econômica previstos no ar. 1.647 do Código Civil (como a prestação de aval ou a alienação de imóveis) decorre da necessidade de garantir a ambos os cônjuges meio de controle da gestão patrimonial, tendo em vista que, em eventual dissolução do vín-culo matrimonial, os consortes terão interesse na partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento.

  3. Nas hipóteses de casamento sob o regime da separação legal, os consortes, por força da Súmula n. 377/STF, possuem o interesse pelos bens adquiridos onerosamente ao longo do casamento, razão por que é de rigor garantir-lhes o mecanismo de controle de outorga uxó-ria/marital para os negócios jurídicos previstos no art. 1.647 da lei civil.

  4. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJRS), Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJBA) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 15 de dezembro de 2009 (data do julgamento).

Ministro Massami Uyeda, Relator.

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RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por Edlúcia Medeiros Marques Darden-ne com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal em que se alega violação dos arts. 1.647, III, e 1.649 do Código Civil.

Da análise detida dos autos, verifica-se que Edlúcia Medeiros Marques Dardenne, recorrente, ajuizou ação de anulação de aval com pedido de antecipação dos efeitos da tutela contra o Banco Itaú S/A, recorrido, alegando, para tanto, que seu cônjuge, o Sr. Marco Antonio Magalhães Dardenne, avalizou uma cédula de crédito bancário (n. 40118171-4), emitida pela sociedade empresária Marpesa Pneus Peças e Serviços Ltda. em favor da instituição financeira ora recorrida (Banco Itaú S/A), no valor de R$ 335.000,00 (trezentos e trinta e cinco mil reais), a qual já é objeto de ação de execução em trâmite na 10a Vara Cível da Comarca de João Pessoa.

Na ocasião, a recorrente (Edlúcia Medeiros Marques Dardenne) sustentou a nulidade da garantia, na espécie, do aval, ao argumento de que fora levado a efeito sem a necessária outorga uxória. Ao final do petitório inicial re-quereu, além da citação do réu, ora recorrido (Banco Itaú S/A), o seguinte: i) "deferir o pedido de tutela antecipada parcial, no sentido de determinara impenhorabilidade dos bens pessoais que estiverem no nome do avalista, marido da autora, em face da execução da cédula de crédito bancário n. 40118171-4, promovida pelo banco, em trâmite naDouta 10a Vara Cível de João Pessoa, processo n. 202006022468-6, ante a comprovação do bom direito da autora e da possibilidade de dano irreparável, consoante fortemente demonstrado tópico 3" (fl. 6) e, ii) "no mérito, a anulação do aval prestado pelo cônjuge da autora na cédula de crédito bancário n. 40118171-4" (fl. 6).

Em primeira instância, o MM. Juiz de Direito da 17a Vara Cível da Comarca de João Pessoa, Estado da Paraíba, julgou o pedido improcedente, ao argumento de que: "A norma de regência atual do Código Civil, dispõe que: 'art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: (...). III -prestarfiança ou aval.

(...)'. Por sua vez, o art. 1.648 do mesmo Código estabelece caso de suprimento de outorga quando a mesma é negada injustamente. (...). No entanto, e em que pese opinião contrária, o mencionado art. 1.647, na parte final de seu 'caput' dispõe sobre a ausência de necessidade de outorga quando entre os cônjuges vige o sistema de separação absoluta. Pelo que se verifica da certidão de casamento juntada pela autora, em seu casamento foi adotado 'o regime obrigatório da separação de bens, nos termos do art. 258, parágrafo único e número I, do Código Civil brasileiro, regime não alterado pela superveniência do novo Código Civil (...)" (fl. 81).

O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, ao julgar o recurso de apelação, manteve a sentença. O acórdão recorrido restou assim ementado:

"Processo Civil. Apelação Cível. Ação anulatória de aval. Ausência de outorga uxória. Regime obrigatório de separação de bens. Aplicação do art. 1.647, III, do novo Código Civil. Manutenção da decisão. Desprovimen-to do recurso. 'Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: III - prestar fiança ou aval'. Verifica-se, portanto, que o novo Código Civil introduziu mudança em relação a esta matéria, consentindo a fiança ou aval prestada apenas por um dos cônjuges, no regime de separação absoluta de bens, o que, para o caso dos autos é relevante, já que a apelante é casada sob o regime obrigatório da separação de bens".

Busca Edlúcia Medeiros Marques Dardenne a reforma do v. acórdão, argumentando, em síntese, que casou com o seu marido sob o regime de separação obrigatória de bens e, nesta medida, sua outorga era essencial à higi-dez do aval dado na cédula de crédito bancário em questão. Assevera, ainda, que a desnecessidade da anuência do cônjuge só se aplica aos casamentos que tenham adotado o regime de separação consensual de bens e não àqueles em que a separação dos bens tenha decorrido de expressa disposição legal, como na espécie.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Ministro Massami Uyeda (Relator): A irresignação merece prosperar. Com efeito.

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Na realidade, veja-se que é incontroverso dos autos que o regime de bens adotado pela recorrente (Edlúcia Medeiros Marques Dar-denne) e seu marido é o da separação obrigatória de bens, regime este que não foi alterado, ainda no entender da Corte estadual, com o advento da novel lei civil.

A propósito, confira-se o seguinte excerto colhido no voto do eminente Desembargador Relator que, por ocasião do julgamento do recurso de apelação, assim consignou: "No caso dos autos é fácil observar que a recorrente e o recorrido abriram mão do permissivo legal previsto no § ¥ do art. 1.639 do novo Código Civil, permanecendo o regime obrigatório da separação de bens" (fl. 131).

Tais as circunstâncias, as quais, diga-se, não podem ser alteradas nesta Instância especial em razão da impossibilidade de se promover o reexame de fatos e provas, é de reconhecer-se que a tese jurídica que subjaz à insurgência consiste em saber a abrangência do conteúdo normativo previsto no art. 1.647, III, do Código Civil (“Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: III - prestar fiança ou aval").

Prefacialmente, observa-se que a relação marital, a par de obrigações pessoais, encerra um plexo de relações econômicas (produção de riquezas, aquisição de bens de consumo, poupança, dentre outras) as quais, diga-se, não são um fim em si mesmas, mas apenas um meio para a satisfação de objetivos em comum do casal. Daí, portanto, a importância de se proceder a uma análise econômica do casamento (Paulo Nader, Curso de Direito Civil, vol. 5, 3a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 349).

Neste sentido, como bem pondera Caio Mário da Silva Pereira, o substrato das relações economicamente apreciáveis que se estabelece entre os partícipes da relação conjugal repousa suas raízes na análise do regime de bens (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. 5, 17a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2009, p. 189). Em verdade, o regime patrimonial, a propósito do casamento, ora decorre da livre manifestação de vontade, ora de imposição legal.

Bem de ver, na espécie, que o art. 1.639 da lei civil possibilita aos nubentes a livre es-colha, quanto aos bens, daquilo que bem entenderem, in verbis: "É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver".

Conquanto o regime de bens tenha sido, em regra, relegado para o âmbito da disponibilidade, é possível, em determinadas hipóteses, que haja a obrigação no sentido de se adotar um regime em especial. Assim, o art. 1.640, caput, do Código Civil institui o regime da comunhão parcial nos casos tais em que os nubentes optarem por não exercer o direito que lhes assiste de escolher livremente o regime patrimonial e o art. 1.641 também da lei civil prevê que, diante de determinadas situações, o regime será o da separação obrigatória de bens.

Sucede, todavia, que é lícito aos nubentes, em pacto antenupcial, conservar, cada qual, os bens que possuíam com exclusividade antes do casamento bem assim aqueloutros que adquirirem na constância da vigência da relação marital.

É dizer, portanto, que o regime da separação de bens pode decorrer de livre pactua-ção, devendo ser observado, contudo, em...

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