Política Industrial de Apoio ao Desenvolvimento da Indústria Brasileira de Semicondutores

AutorMilton Abreu Campanario - Marcello Muniz da Silva - Tiago Ribeiro Costa
CargoPós-Doutor pela International Development Center of Japan. - Mestrado em Engenharia Naval e Oceânica pela POLI/USP. - Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo e Pós-graduado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT.
Páginas69-101
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Revista de Ciências da Administração • v. 11, n. 24, p. 41-68, maio/ago 2009
Prática e Conteúdo Estratégico em Redes de Empresas: estudo no APL de metais sanitários de Loanda/PR.
Política Industrial de Apoio ao Desenvolvimento
da Indústria Brasileira de Semicondutores
Milton de Abreu Campanario1
Marcello Muniz da Silva2
Tiago Ribeiro Costa3
Resumo
A conquista da estabilidade macroeconômica tende a aumentar a discussão em
torno de formas de intervenção nos planos microeconômico e setorial. A Política
Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), lançada no início de 2004,
sinalizou nessa direção, elegendo quatro setores considerados prioritários:
fármacos, bens de capital, software e semicondutores. O presente artigo procura
analisar a indústria de semicondutores nos contextos nacional e internacional e
focaliza o papel da política industrial seletiva na dinamização de seu
desenvolvimento. A partir da caracterização dessa indústria, é feito um
benchmarking das políticas adotadas pela Coreia do Sul – país que apresentou,
em certas fases de seu desenvolvimento industrial, características semelhantes ao
brasileiro, mas que despontou como grande produtor e exportador de tecnologia
de ponta. O texto indica que as políticas orientadas ao desenvolvimento da
indústria de semicondutores, na PITCE, geram condições para a maturidade do
setor. Contudo, essa maturidade enfatiza a fase de “imitação” (ligada ao processo
de engenharia reversa) e de internalização (por meio do incremento dos processos
de aprendizado e produção interna), mas pouca ênfase seria alcançada na fase
de criação (obtenção de tecnologia própria) e de desenvolvimento de tecnologia
nacional. Com esses percalços, em 2008, o governo atrelou o padrão da TV Digital
(High Definition TV – HDT) à construção de uma fábrica de semicondutores no
Brasil, buscando uma saída para implantar tal indústria por uma empresa
transnacional.
Palavras-chave: Política Industrial. Tecnologia, Complexo Eletrônico. Semicondutores,
PITCE.
1 Pós-Doutor pela International Development Center of Japan. Professor e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Administração da
Universidade Nove de Julho – UNINOVE e Professor de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo – USP. Endereço: Av. Francisco
Matarazzo 612 2 Prédio C, Água Branca, CEP 05001-100 – São Paulo, SP. E-mail: campanario@uninove.br.
2 Mestrado em Engenharia Naval e Oceânica pela POLI/USP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da UNINOVE, Doutorando
em Engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Endereço: Av. Francisco Matarazzo 612 – Prédio C, Água Branca, CEP
05001-100 – São Paulo, SP. E-mail: marcello@ipt.br.
3 Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo e Pós-graduado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT. Endereço: Av.
Francisco Matarazzo 612 - Prédio C Água Branca CEP 05001-100 - Sao Paulo, SP. E-mail: tiago@ipt.br. Artigo recebido em: 30/10/2006. Aceito
em: 04/05/2007. Membro do Corpo Editorial Científico responsável pelo processo editorial: João Nilo Linhares.
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1 Introdução
A rápida e irresistível difusão dos equipamentos eletrônicos deu-se em
meio à constante substituição e incremento desses aparelhos com uma inten-
sidade tecnológica e leque de aplicações cada vez maior. Certamente aqui
está presente a “destruição criadora” identificada por Schumpeter (1982),
acompanhada da substituição e consequente desaparecimento de inúmeros
equipamentos analógicos. Verifica-se a crescente participação nos equipa-
mentos eletrônicos de um tipo especial de componente: os semicondutores.
Por sua grande capacidade de armazenamento e velocidade de
processamento, esses superam amplamente outros tipos de componentes em
termos tecnológicos. Em meio a um intenso debate sobre o futuro dos siste-
mas eletrônicos nos anos 1960 e 1970, Gordon Moore, então presidente da
Intel, criou o que seria conhecido mundialmente como Lei de Moore: a cada
18 meses a capacidade de processamento dos semicondutores seria dobra-
da. De fato, até o momento, a Lei de Moore permanece como um dos maio-
res dogmas da indústria, pois a realidade tem se comportado exatamente
como o previsto.
O resultado imediato da crescente necessidade de incorporação de equi-
pamentos eletrônicos nos diversos equipamentos é o impacto de mudanças
na estrutura industrial – que no último quartel do Século XX caminhou em
direção ao paradigma eletroeletrônico. Além das indústrias de informática e
telecomunicações, que utilizam componentes eletrônicos em larga escala,
outras, apesar de características distintas – como as indústrias automotiva e
agropecuária –, devido à versatilidade de seu uso, incorporam esses compo-
nentes em diversos de seus produtos e/ou estrutura de produção. Em vista
disso, o comércio mundial de semicondutores está em contínua expansão,
sendo que seu mercado mais dinâmico, o de circuitos integrados, atingiu US$
$248.6 bilhões em 2008, de acordo com os dados da Semiconductor Industry
Association – SIA (2009).
A viabilidade da produção de componentes eletrônicos, em especial os
semicondutores, como estratégica industrial brasileira está presente desde
2004 com a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior – PITCE.
O argumento é que esta produção doméstica, mesmo que com tecnologia
estrangeira, amplia a competitividade da indústria instalada, possibilita o
desenvolvimento de novas tecnologias, gera conhecimento e inovação para
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todo o complexo eletrônico4, e diminui a dependência externa, haja vista o
crescente déficit na balança comercial do complexo eletrônico (TAVARES,
2001; SICSÚ, 2002).
O caráter protecionista do modelo de substituição de importações, vi-
gente entre os anos 1930 e 1980, fez a indústria nacional operar com baixa
produtividade e tecnologia mais atrasada (NOGUEIRA; MEDEIROS; PEIXE,
2005). Com a abertura comercial dos anos 90, intensificou-se a defesa da
inserção do país numa estrutura industrial mais competitiva frente ao merca-
do mundial (BONELLI, 1996). As doutrinas liberalizantes, aliadas à política
de privatizações, em meio ao choque tecnológico trazido pela microeletrônica,
sustentavam que o livre funcionamento dos mercados atrairia investimentos
maciços, com consequente transferência de tecnologia, desenvolvimento e
reestruturação do parque produtivo nacional. De fato, observou-se avanço
em diversas áreas, como o desenvolvimento do setor de telecomunicações,
que teve um grande crescimento nas taxas de digitalização e universalização5.
Entretanto, as políticas liberalizantes não foram suficientes para impulsionar
a inovação de forma mais generalizada – haja vista o salto na importação de
bens com alto conteúdo de tecnologia embarcada. Mais especificamente, não
foi criado um ambiente produtivo e institucional favorável à consolidação de
um Sistema Nacional de Inovação (SNI),6 o que fez com que, apesar da conquis-
ta da estabilização macroeconômica, o país continuasse na dependência exter-
na da aquisição de diversos insumos e tecnologias de produto e processo.
O Brasil apresenta um saldo total da balança comercial positivo a partir
do início deste século. A responsabilidade desse fato é atribuída principal-
mente ao bom desempenho do setor agropecuário, e, em menor escala, aos
setores intensivos em trabalho e de baixa intensidade tecnológica. O proces-
so de abertura econômica do início dos anos 90 provocou um aumento da
participação dos segmentos de média e alta intensidade tecnológica nas ex-
portações. Entretanto, o aumento das importações nesses segmentos ocorreu
de forma mais intensa, justificando o grande déficit comercial do período,
como apresentado no Quadro 1.
4 O complexo eletrônico engloba setores de mesma base tecnológica, a microeletrônica. Geralmente são considerados como formadores do complexo
eletrônico os setores de eletrônica de consumo, de informática, de equipamentos de telecomunicação e automação e de componentes eletrônicos.
5 Para dados, consultar o relatório da Anatel no site .anatel.gov.br>.
6 A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE define o Sistema Nacional de Inovação como uma interação de
instituições públicas e privadas, cujas ações modificam e difundem novas tecnologias, visando à produção e ao desenvolvimento de C&T dentro da
fronteira nacional.

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