O Dano Moral Indireto e a Legitimidade Processual em Caso de Morte do Trabalhador Decorrente de Acidente de Trabalho

AutorFrancisco Ferreira Jorge Neto - Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante - Letícia Costa Mota
CargoDesembargador Federal do Trabalho (TRT 2a. Região) - Professor da Faculdade de Direito Mackenzie - Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho (Centro Universitário Salesiano de São Paulo)
Páginas6-6

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1. Introdução

O objetivo deste artigo é contribuir para a discussão que envolve os legitimados para a percepção do dano moral em caso de morte do trabalhador em decorrência de acidente de trabalho.

  1. Legitimidade

Legitimidade de agir é a pertinência subjetiva da ação, isto é, a regularidade do poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado objeto. A cada um de nós não é permitido opor ações sobre todas as lides que ocorrem no mundo. Em regra, somente podem demandar aqueles que foram sujeitos da relação jurídica de direito material trazida a juízo (legitimação ordinária). Cada um deve propor as ações relativas aos seus direitos.

O autor estará legitimado para agir em relação ao objeto da demanda e deve ele propô-la contra o outro polo da relação jurídica discutida, ou seja, o réu deve ser aquele que, por força da ordem jurídica material, deve adequadamente suportar as consequências da demanda.

Há casos, porém, em que o texto expresso da lei autoriza alguém que não seja o sujeito da relação jurídica de direito material a demandar. Nesses casos, diz-se que a legitimação é extraordinária (art. 6º, CPC).

A legitimação é uma das condições da ação, sendo que o legislador brasileiro adotou a teoria do trinômio no que tange às condições da ação: interesse processual, legitimidade para agir e possibilidade jurídica do pedido (arts. , 295, 267, VI, CPC).

3. Dano moral Conceito e espécies

Wilson Melo da Silva1 considera morais as "lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico".

Nos ensinamentos de Maria Helena Diniz2: "O dano moral vem a ser lesão de interesse não patrimonial de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo."

Assim, concluímos que são danos morais aqueles que se qualificam em razão da esfera da sub-

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jetividade ou plano valorativo da pessoa na sociedade, havendo, necessariamente, que atingir o foro íntimo da pessoa humana ou o da própria valoração pessoal no meio em que vive, atua ou que possa de alguma forma repercutir.

Quanto à pessoa atingida, o dano moral pode ser: "Dano moral direto - é aquele que atinge a própria pessoa, a sua honra subjetiva (autoestima) ou objetiva (repercussão social da honra)".

"Dano moral indireto ou dano moral em ricochete - é aquele que atinge a pessoa de forma reflexa, como nos casos de morte de uma pessoa da família (art. 948, caput, CC), lesão à personalidade do morto (art. 12, parágrafo único, CC) e perda de um objeto de estima, caso de um animal de estimação (art. 952, CC). Em suma, o dano atinge uma pessoa ou coisa e repercute em outra pessoa, como uma bala que ricocheteia."3

Logo, atualmente, o dano moral em ricochete é aquele que não atinge a própria vítima, mas, reflexamente, terceiros.

4. A legislação aplicável diante da morte do trabalhador para fins de legitimação

Quanto à legislação aplicável, diante da morte do trabalhador em decorrência do acidente de trabalho, para fins de legitimação, devemos indicar o art. 1º da Lei 6.858/804 e o disposto no art. 1.8295 do Código Civil.

Aparentemente, há um conflito entre as duas normas.

Com efeito, a entrada em vigor da Lei 10.406/02 (novo Código Civil) não impede a aplicação da Lei 6.858/80, que dispõe sobre o "pagamento, aos dependentes ou sucessores, de valores não recebidos em vida pelos respectivos titulares", visto que a alegada antinomia jurídica entre os dois diplomas é solucionada pelo critério da especialidade, o que implica a aplicação da norma especial e não da geral, pois se presume maior precisão do legislador na elaboração de uma norma especial, com tratamento específico da matéria.

Quanto a este aparente conflito de normas, o TST entende que deve ser aplicada a Lei 6.858/806.

No processo trabalhista, a legitimidade para reclamar os créditos do empregado, no caso de sua morte, é conferida aos dependentes habilitados na Previdência Social.

Cumpre destacar que a prevalência da regra especial sobre as normas gerais em contrário, que regulam o direito das sucessões, não representa qualquer afronta ao direito hereditário, uma vez que, em primeiro lugar, são devidos os créditos do empregado falecido ao dependente previdenciário e, na ausência deste, aos sucessores previstos na lei civil.

Mauro Schiavi7 ensina: "A jurisprudência trabalhista tem admitido a habilitação dos sucessores do credor trabalhista por meio de certidão de dependentes junto à Previdência Social (art. 1º, da Lei n. 6.858/1980), ou de alvará judicial, obtido na Justiça Comum.

Não obstante, se houver dúvidas sobre a legitimidade dos sucessores, deverá o Juiz do Trabalho aguardar o desfecho do inventário na Justiça Comum."

Renato Saraiva8 arremata:

"Vale destacar que, na maioria das vezes, em face da insuficiência econômica do obreiro e consequente inexistência de bens, não há inventário do empregado falecido.

Nessa hipótese, haverá a habilitação incidente no processo diretamente pelos dependentes habilitados perante a Previdência Social (Lei 6.858/80, art. 1º). Caso não haja dependentes inscritos perante a Previdência Social, os sucessores é que serão habilitados. (...)

Todavia, havendo a necessidade de inventário, em face da existência de bens do falecido ou de filhos menores, não haverá habilitação incidente imediata, devendo o processo laboral ser suspenso até a nomeação do inventariante."

A jurisprudência do TST é no sentido de que, no caso de morte do trabalhador, a legitimidade ativa para pleitear créditos decorrentes do contrato de trabalho é dos seus dependentes habilitados junto ao INSS9.

5. Dano moral da vítima

Diante do acidente de trabalho, se houver a violação à constituição física ou psíquica do trabalhador, é inarredável o seu direito à percepção de dano moral. Trata-se de dano moral direto.

Contudo, se o trabalhador vier a falecer antes do ajuizamento ou no curso da demanda trabalhista, diante da sucessão processual, é flagrante a legitimação para os créditos do empregado falecido ao dependente previdenciário e, na ausência deste, aos sucessores previstos na lei civil (art. 943, CC c/c o art. 43, CPC).

José de Aguiar Dias10 leciona que não há princípio algum que se oponha à transmissibilidade da ação de reparação de danos, porquanto "a ação de indenização se transmite como qualquer outra ação ou direito aos sucessores da vítima. Não se distingue, tampouco, se a ação se funda em dano moral ou patrimonial. A ação que se transmite aos sucessores supõe o prejuízo causado em vida da vítima".

De forma idêntica, Sergio Cavalieri Filho11 ensina que o dano moral não se transmite, contudo, é perfeitamente admissível a trans

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missibilidade da indenização ao dano moral: "Perpetrado o dano (moral ou material, não importa) contra a vítima quando ainda viva, o direito à indenização correspondente não se extingue com sua morte. E assim é porque a obrigação de indenizar o dano moral nasce no mesmo momento em que nasce a obrigação de indenizar o dano patrimonial - no momento em que o agente inicia a prática do ato ilícito e o bem juridicamente tutelado sofre a lesão. Neste aspecto não há distinção alguma entre o dano moral e o patrimonial.

Nesse mesmo momento, também, o correlativo direito à indenização, que tem natureza patrimonial, passa a integrar o patrimônio da vítima e, assim, se transmite aos herdeiros dos titulares da indenização."

A matéria tem respaldo na jurisprudência do STJ12 e do TST113.

6. Dano moral em ricochete e a legitimação

É controversa a questão da legitimidade para pleitear dano próprio sofrido em face da morte do trabalhador, os chamados danos morais indiretos ou em ricochete, pois a lei não indica as pessoas titulares desse direito de indenização.

A doutrina discorre: "Com efeito, os danos causados pelo óbito atingem reflexamente outros parentes ou mesmo terceiros que compartilhavam da convivência do acidentado. São os chamados danos morais indiretos ou em ricochete, decorrentes do ato ilícito."

"Se é verdade que todos os que se sentiram lesados são, potencialmente, titulares do direito à reparação dos danos morais e, ainda, que a morte projeta repercussões diretas e indiretas sobre um grande número de pessoas, como identificar, dentre aquelas atingidas, quem ou quais têm legitimidade para receber indenização?"

"A resposta não é tão simples, sobretudo em razão da ausência de previsão legal a respeito. Vejam que a morte poderá causar sofrimento intenso, conforme as circunstâncias, para o cônjuge, filhos, pais, netos, avós, sobrinhos, tios, genros, noras, primos etc. Sem falar nas situações decorrentes da união estável, ligações homossexuais duradouras, noivos, afilhados, amigos íntimos, excônjuge e inúmeras situações que poderão surgir na apreciação do caso concreto."14

A doutrina tem fixado o entendimento de que a legitimação pertence às pessoas que integram o núcleo familiar básico.

Trata-se da combinação da inteligência dos artigos 948, II, 12 e 20 do Código Civil.

Por regra, os legitimados para o dano moral em ricochete (indireto) são os que possuem estreita relação afetiva com a vítima: o cônjuge, os filhos e os pais da vítima15.

Para eles, haveria uma presunção juris tantum para os danos morais.

Vale dizer, não haveria a obrigação quanto à prova do dano moral.

Quanto aos demais legitimados, como parentes do falecido, temse a obrigação quanto à prova do dano moral sofrido.

Sergio Cavalieri Filho16 pondera:

"A regra do seu art. 948, II, entretanto, embora pertinente ao dano material, pode ser aplicada analogicamente para limitar a indenização pelo dano moral àqueles que estavam em estreita relação com a vítima, como o cônjuge, filhos e pais. A...

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