Inclusão social no capitalismo e na democracia: o papel dos direitos sociais trabalhistas e previdenciários

AutorÉrica Fernandes Teixeira
Ocupação do AutorDoutora e mestre em Direito do Trabalho pela PUC Minas
Páginas17-43

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2.1. O capitalismo como sistema desigual e excludente: traços históricos

A utilização do trabalho humano pelo capitalismo foi marcada por situações

de mando e submissão, destacando-se casos de abuso sexual, exploração da mão de obra de crianças e mulheres, jornadas de trabalho excessivas, inexistência de descanso remunerado, falta de higiene nos locais de labor, dentre outros. (DELGADO, Gabriela, 2006, p. 150).

A grande concorrência travada entre as empresas indicava a necessidade de um mercado livre de restrições e com a mínima intervenção estatal, a fim de obter o máximo lucro. A produção massiva de mercadorias, aliada à mão de obra barata, reduziu o consumo, causando acúmulo de produtos, indicando uma forte crise do sistema capitalista, experimentada a partir de 1970. Vários trabalhadores foram demitidos, ficando às margens da sociedade. "O desemprego já não faz apenas pobres - mas excluídos." (VIANA, 1999, p. 890). Na busca por maiores lucros, os capitalistas absorveram as tendências Toyotistas, executadas inicialmente nas indústrias nos anos de 1970, e passaram a exigir jornadas maiores e trabalhadores aptos a operar novas tecnologias e com funções concentradas, surgindo o conceito de trabalhador flexível e multifuncional. Ademais, no lugar dos grandes blocos empresariais - as chamadas empresas verticais -, o Toyotismo propôs a contratação de pequenas empresas, "a fim de delegar a estas tarefas instrumentais ao produto final da empresa-polo." (DELGADO, 2005, p. 48).

Sobre a descentralização do sistema produtivo Toyotista e suas consequências, expõe Delgado:

Embora tal estratagema não reduza, forçosamente, o número global de postos de trabalho naquele segmento econômico envolvido, ele tende a diminuir, de modo drástico, o valor econômico desse mesmo trabalho, por ser, de maneira geral, muito mais modesto o padrão de pactuação trabalhista observado por tais entes subcontratados. (DELGADO, 2005, p. 48).

A fórmula Toyotista mostrou-se, então, excludente e contrária aos pilares da justiça social, pois a diminuição dos custos da empresa principal era derivada precipuamente do barateamento da mão de obra e de sua exploração por empresas subcontratadas.

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As tendências do sistema capitalista estão expressas nos ensinamentos de Viana:

Como um animal sempre faminto, o sistema capitalista depende de porções crescentes de alimento. Seu verbo é acumular. Toda empresa quer crescer, dominar o vizinho, controlar o mercado. A concorrência parece buscar o monopólio. Mas os lucros nascem da mais-valia, diferença entre o que se paga para que a força-trabalho se reproduza e o que se ganha com a venda do que ela cria. E essa diferença depende, em boa parte, do controle da mesma força. Isso implica não só reduzir espaços de resistência, como trocar, em grau crescente, o trabalho vivo pelo trabalho morto, ou seja, o homem pela máquina. (VIANA, 1999, p. 886).

O trabalho humano no sistema capitalista atua como essencial instrumento de subsistência do cidadão, destacando a relação de emprego como o principal meio de afirmação socioeconômica da grande maioria dos indivíduos que compõem esta sociedade, sendo um dos mais relevantes instrumentos de afirmação da Democracia na vida social (DELGADO, 2005)1. Paradoxalmente, é inegável constatar que o sistema torna-se opressor e tenta fazer desse trabalho humano uma mercadoria destinada a produzir novas mercadorias e valorizar o capital (ANTUNES, 2004). O sistema capitalista agregou ao trabalho características degradantes, estranhas à sua finalidade originária de promover a dignificação do obreiro e a inclusão do cidadão.

Viana detalha a exploração da classe operária nesse sistema:

Ao invés de se organizar verticalmente, como fazia antes, a empresa moderna passa a se horizontalizar, jogando para as parceiras várias etapas de seu ciclo produtivo. Algumas chegam a externalizar toda a linha de produção, tornando-se simples gerenciadoras. E a mesma técnica é utilizada pelas contratadas, que também subcontratam tudo o que podem. Naturalmente, esses terremotos não aconteceram por acaso. À exceção, talvez, dos choques do petróleo, foram todos desejados e produzidos pelo próprio sistema capitalista, que se ajusta à nova realidade do consumo para recuperar suas taxas de dominação e lucro. Na verdade, até o desemprego serve para isso, na medida em que achata os salários dos que estão empregados e inibe os movimentos de resistência. E a própria economia informal se articula com a formal, integrando à grande empresa pequenas oficinas de fundo de quintal. Em geral, a empresa-mãe submete cada parceira a rígidas diretrizes. E, enquanto se une em fusões e oligopólios, externaliza para ela o jogo da concorrência. Naturalmente, quanto mais baixos são os salários pagos pela parceira, mais fácil lhe será conseguir o contrato com a grande. Isso a induz a violar os direitos de seus empregados,

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tarefa facilitada pela sua pequena visibilidade. No fim da linha, quem ganha com isso é ainda a grande empresa. (VIANA, 1997, p. 136).

Certo é que o primado do trabalho e do emprego na sociedade capitalista iniciou sua estruturação na segunda metade do século XIX nos países ocidentais, resultando na mais eficiente forma de promover igualdade de oportunidades. A justiça social inerente ao Estado de Bem-Estar Social, aprofundada no século XX,

[...] vai permeando não só a atuação do Estado, por meio de políticas públicas garantidoras e/ou redistributivistas (as políticas previdenciárias e assistenciais são claro exemplo disso), como também vai permeando as relações sociais, por meio, principalmente, do Direito do Trabalho, com seu caráter distributivo de renda e poder. (DELGADO; PORTO, 2007, p. 23).

A Constituição Federal de 1988 impôs os novos marcos do sistema capitalista, atribuindo-lhe uma função social, imprescindível para propiciar a valorização do ser humano. Por essa razão, os tradicionais traços excludentes inerentes ao capitalismo acabam sendo atenuados, principalmente, por efetivos instrumentos inclusivos do cidadão no estado democrático. Necessário, pois, identificar e incentivar a generalização de tais instrumentos a fim de obtermos uma sociedade realmente democrática, nos moldes constitucionais.

Apesar de todas as características aqui expostas inerentes ao sistema capitalista, imperioso ressaltar sua necessária relação com o Estado de Bem-Estar Social (EBES) para alcance de uma sociedade mais livre, justa e moldada em padrões de dignidade. Isso importa em atribuir uma finalidade social - de grande valor para a sociedade - ao desigual sistema capitalista.

O que é curioso no EBES, em suas diversas formulações concretas, é que ele se mostrou plenamente compatível com as necessidades estritamente econômicas do sistema capitalista. Muito além disso, ele se mostrou funcional ao desenvolvimento econômico mais sólido, duradouro e criativo desse sistema. Gerando um mercado interno forte para as respectivas economias (que se mostra também poderoso consumidor para o mercado mundial); valorizando a pessoa física do trabalhador e seu emprego, dando, com isso, melhores condições para a criação e avanço tecnológicos, assegurando maior coesão e estabilidade sociais, o EBES torna os respectivos países e economias mais bem preparados para enfrentar o assédio das pressões internacionais e para conquistar os mercados mundiais. (DELGADO; PORTO, 2007, p. 24).

2.2. A emergência dos ramos sociais do direito e da democracia no sistema capitalista: a deflagração do processo de inclusão econômico-social

O surgimento dos direitos sociais na ordem jurídica marca o início do processo de inclusão dos indivíduos.

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Verifica-se que tal concepção se perfaz através da proteção do cidadão que despende força laborativa para prover uma melhor qualidade de vida, atrelada, pois, ao princípio da Dignidade da Pessoa Humana e à própria definição subjetiva do Direito do Trabalho. (DELGADO, 2012).

José Afonso da Silva afirma:

Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade. (SILVA, 2006, p. 229).

O estado social é aquele que efetiva os direitos trabalhistas e previdenciários do cidadão, além de promover educação e saúde com qualidade, distribuir riquezas, efetivar políticas públicas sociais, dentre outras ações. Consoante Bonavides, a partir do momento em que o Estado:

[...] coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional e fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrenta crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os...

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