Incidente de Recursos de Revista Repetitivos

AutorCláudio Brandão
Ocupação do AutorMinistro do Tribunal Superior do Trabalho. Mestre em Direito (UFBA)
Páginas148-184

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Indiscutivelmente, a novidade mais marcante diz respeito à introdução, no processo do trabalho, da sistemática de julgamento referente aos Recursos de Revista Repetitivos, que provocará grandes repercussões na atividade do TST, dos TRTs e dos magistrados de primeiro grau, na comunidade jurídica em geral e na própria sociedade.

Na essência, aplica-se ao processo do trabalho realidade já vivenciada no STF, com a repercussão geral para o recurso extraordinário, e no STJ, nos recursos especiais repetitivos, o que poderá servir de parâmetro, especialmente no caso deste último, para a construção da jurisprudência trabalhista.

Trata-se de novidade sem igual, na medida em que introduz a força obrigatória do precedente judicial e modifica, substancialmente, o procedimento de julgamento dos recursos nos quais vier a ser suscitado o incidente, que passarão a fixar a tese jurídica ou o precedente judicial que, doravante, servirá de paradigma obrigatório no âmbito da respectiva jurisdição.

Ademais, a inovação busca contemplar solução de massa para as demandas igualmente de massa, característica marcante da sociedade contemporânea. Some-se a busca pela segurança jurídica e preservação do princípio da igualdade, valorizados pela sistematização de identidade de teses jurídicas aplicáveis a casos semelhantes.

A teoria do respeito aos precedentes judiciais baseia-se nas ideias de segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade, desestímulo à litigância excessiva, confiança, igualdade perante a jurisdição, coerência, respeito à hierarquia,

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imparcialidade, favorecimento de acordos, economia processual e maior eficiência, como dizem José Miguel Garcia Medina, Alexandre Freire e Alonso Reis Freire.

A esse respeito, alertam os mencionados autores:

A preocupação com a coerência e a uniformidade dos pronunciamentos judiciais no Brasil é algo indiscutivelmente presente no fórum e na academia. A necessidade de estabilização e uniformização da interpretação das normas que compõem o direito brasileiro é inegável, assim como é inegável o fato de que não alcançaremos jamais a plenitude dessas duas verdadeiras virtudes tão desejadas por qualquer sistema jurídico. Nada obstante, exigir respeito aos precedentes judiciais, no Brasil, é, na verdade, e nos dias atuais, uma medida completamente necessária para conferir segurança, igualdade e previsibilidade no Direito, dentre outros inegáveis motivos que a justificam.75

Anteriormente, porém, deixaram claro que a nova sistemática não elimina a possibilidade de ocorrerem divergências, nem retira do magistrado a liber-dade de decidir, desde que não alcance o posicionamento já pacificado pelos tribunais. Veja-se:

O sistema de precedentes judiciais jamais eliminará a contradição e a divergência. Ele apenas reduz sua ocorrência, conferindo-lhe maior integridade sistêmica. Nem mesmo significa a perda do livre convencimento do juiz — desde que por livre convencimento se entenda a possibilidade de os juízes demonstrarem que, em determinado caso, os fatos e a situação são distintos o bastante daqueles em que se firmou o precedente judicial prima facie obrigatório, de tal modo que seguir o precedente iria contra as próprias razões de existir do stare decisis.76

Ao analisar a legitimidade dos precedentes e a universalidade das decisões do STJ, Paula Pessoa Pereira destaca o papel dos juízes em face da complexi-dade da atuação do Direito e enumera os valores do Estado de Direito a serem por eles tutelados77:

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Se aos juízes compete a tarefa de devolver à sociedade a definição de direitos, porque sobre esses recai o dever de decidir todas as disputas jurídicas que lhe sejam submetidas, não sendo, portanto, o exercício de uma faculdade judicial (o que consubstancia a inevitabilidade da decisão), deve o processo de tomada de decisão judicial se desenvolver em conformidade com os valores jurídicos que restaram frustrados no primeiro momento de aplicação do ideal do Estado de Direito.

Prossegue, enumerando esses valores em palavras que resumo78:

  1. previsibilidade jurídica: com respaldo nas lições de Humberto D´Ávila e Aulis Aarnio, assinala que a segurança jurídica é um princípio jurídico que exige do Poder Judiciário a adoção de comportamento que contribua para a existência, em benefício dos cidadãos e desde sua perspectiva, de um Estado de confiabilidade e calculabilidade do Direito e conclui que a indeterminação factual das decisões judiciais gera um estado de incerteza que se verifica no plano da prática do Direito, na medida em que não se sabe como juízes e tribunais irão decidir, o que não autorizaria um decisionismo por parte dos juízes;

  2. igualdade diante da norma jurídica e não igualdade diante da lei: é o dever de cumprimento do ideal de igualdade, como direito fundamental incidente sobre o responsável pela aplicação das normas, cuja tarefa hoje consiste na retomada da unificação e coerência do direito, quando a resolução dos problemas jurídicos;

  3. imparcialidade: reside como verdadeira norma de julgamento ao impor o dever (e favorecer o controle) de evitar o uso arbitrário das razões na aplicação do Direito, indo além da mera vedação das hipóteses de suspeição e impedimento e impondo ao juiz o dever de atuar sem arbitrariedade, fundamentando as suas decisões com argumentação racional, segundo os critérios normativos vigentes no sistema e as concepções gerais de justiça consolidadas na coletividade.

    Em trabalho ainda inédito, no qual comentam a Nova Lei, Fredie Didier Jr. e Lucas Buril de Macêdo, com apoio em sólida doutrina, explicam a natureza do precedente judicial:

    O precedente judicial pode ser tido como a própria norma aplicada pela corte, compreendida especialmente a partir da fundamentação,

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    que se afigura indispensável para resolver o caso. É importante perceber que há diferenças entre a decisão, e até mesmo sua fundamentação, e o precedente em sentido estrito, que constitui uma norma compreendida a partir de toda a decisão, por um processo construtivo próprio, e a ela não se limita. Esse seria o conceito estrito de precedente, que se confunde com o de ratio decidendi ou norma da decisão. É nesse sentido que se fala, por exemplo, em “aplicação do precedente”: o que se está a aplicar, a rigor, é a norma que se constrói a partir do precedente.79

    Retornando à lição de José Miguel Garcia Medina, Alexandre Freire e Alonso Reis Freire, após se valerem da lição de julgado da Corte de Apelações da Terceira Região dos Estados Unidos, afirmam que:

    [...] o precedente judicial, portanto, é uma decisão estabelecida em um caso jurídico anterior que seja vinculante ou persuasiva para o mesmo órgão judicial ou para outro ao decidir casos semelhantes com questões jurídicas ou fatos similares.80

    Os mesmos autores os classificam em dois grupos81:

  4. precedente persuasivo ou precedente com autoridade persuasiva (persuasive autority): são decisões

    [...] que não vinculam um órgão judicial, mas que, por terem resolvido uma questão ainda não analisada pelos órgãos judiciais que os analisam ou por terem declinado importantes razões para não aplicarem um precedente vinculante oriundo de um órgão judicial superior, merecem consideração cuidadosa por órgãos inferiores ou superiores que, todavia, estão livres para segui-los ou não.

  5. precedente vinculante ou precedente com autoridade vinculante (binding autority): como o próprio nome diz, são as decisões que possuem força capaz de obrigar as demais instâncias inferiores a segui-lo, baseadas na premissa de que

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    “decisões judiciais, a fim de serem justas e previsíveis, devem ser consistentes com outras decisões proferidas anteriormente”, em virtude da “força gravitacional” dos precedentes de órgãos judicias superiores.

    Mas, não será uma tarefa fácil a implantação e solidificação desses novos conceitos e todas as mudanças que representarão na estrutura consolidada há mais de setenta anos, muito embora não se possa dizer que é algo inteiramente novo, pois muito já existe dessa teoria, sobretudo se for considerada a força persuasiva das decisões do TST, consolidadas, mais tarde, em súmulas e orientações jurisprudenciais que barram recursos de decisões proferidas em conformidade com as teses nelas fixadas ou autorizam julgamentos de mérito, muito embora — e esse é o grande diferencial — não fossem capazes de “barrar” novas decisões em sentido contrário às teses por ele fixadas. Isso sem se falar na força vinculante atribuída às súmulas do STF, editadas com tal atributo.

    Originariamente, o projeto contemplava o caput do artigo, mas, ainda na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, foi acrescido dos parágrafos que integram o texto final aprovado e detalham o procedimento:

    Art. 896-B. Aplicam-se ao recurso de revista, no que couber, as normas da Lei n.
    5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), relativas ao julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

    Art. 896-C. Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal.

    § 1º O Presidente da Turma ou da Seção Especializada, por indicação dos relatores, afetará um ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento pela Seção Especializada em Dissídios Individuais ou pelo Tribunal Pleno, sob o rito dos recursos repetitivos.

    §...

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