Incidência da Multa Prevista no Art. 467 da CLT em Desfavor dos Entes Públicos Internos: Lei 10.272/01

AutorGabriel Borasque de Paula
Páginas38-42
Doutrina
38 Revista Bonijuris | Novembro 2015 | Ano XXVII, n. 624 | V. 27, n. 11 | www.bonijuris.com.br
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INCIDÊNCIA
DAMULTA
PREVISTANO
ART.467DACLT
EMDESFAVORDOS
ENTESPÚBLICOS
INTERNOS:
LEI10.272/01
GabrielBorasquedePaula
|
gabrielpaula@trt9.jus.br
AssistentedegabinetedodesembargadorUbirajaraCarlosMendesnoTRTda9ªRegião
MBAemDireitoEmpresarial‒FGV/SP
EspecialistaemProcessoCivil‒UNESPFrancaeemDireitoeProcessodoTrabalho‒FDDJ/SP
Excertos
Os entes enumerados no
parágrafo único do art. 467,
ao contratarem empregados
públicos, mediante regime
celetista, equiparam-se, em
termos de obrigações gerais,
ao empregador comum”
“O legislador presidencial,
curiosamente, em certa época,
buscou excluir da incidência da
penalidade do art. 467 da CLT
os entes estatais, antes da
modif‌i cação trazida pela Lei
10.272, de setembro de 2001”
“Respeitados os entendimentos
dissonantes, parece indene de
dúvidas que, a partir da vigência
da Lei 10.272/01, ou seja, desde
6 de setembro de 2001, não mais
subsiste, no ordenamento jurídico
brasileiro, fundamento legal hábil
a isentar a administração pública
direta, autárquica e fundacional
da multa prevista no art. 467 do
diploma consolidado”
“O mundo jurídico se torna
uma babel. A multidão de leis
afoga o jurista, esmaga
o advogado, estonteia
o cidadão, desnorteia o juiz.
A fronteira entre o lícito
e o ilícito f‌i ca incerta.
A segurança
das relações sociais,
principal mérito do direito
escrito, se evapora.”1
1.Aspectosintrodutórios
O
presente estudo trata,
em síntese, da multa
prevista no art. 467 da
CLT e a sua aplicação aos entes
de direito público interno (União,
estados, Distrito Federal e municí-
pios, bem como suas autarquias e
fundações públicas).
Observa-se, em diversas de-
mandas trabalhistas, a invocação
quase automática da excludente
prevista no parágrafo único do dis-
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positivo em comento, que, a priori,
isentaria a administração pública
direta, autárquica e fundacional da
penalidade aventada.
Todavia, uma análise detida do
histórico de modif‌i cações legisla-
tivas atinentes à norma em apre-
ço revela que o referido parágrafo
único se encontra revogado desde
6 de setembro de 2001, data de pu-
blicação (e início de vigência) da
Veja-se: o fundamento para
aplicação da multa do art. 467 da
CLT também aos entes de direito
público interno – revogação da ex-
cludente até então prevista em seu
parágrafo único – é peremptório.
Entretanto, o raciocínio não é tão
simples (tanto que a lei revogadora
data de quase quinze anos atrás e,
ainda hoje, muitos autores defen-
dem a permanência do parágrafo
único no ordenamento jurídico pá-
trio), o que exige uma breve digres-
são histórica.
2.Amultadoart.467daCLT
A redação originária do art. 467
da Consolidação das Leis do Tra-
balho assim determinava:
Em caso de rescisão do contrato
de trabalho, motivada pelo empre-
gador ou pelo empregado, e haven-
do controvérsia sobre parte da im-
portância dos salários, o primeiro é
obrigado a pagar a este, à data do seu
comparecimento ao tribunal de tra-
balho, a parte incontroversa dos mes-
mos salários, sob pena de ser, quanto
a essa parte, condenado a pagá-la em
dobro.
Como se vê, a f‌i nalidade da
norma era tutelar os “salários in-
controversos” devidos ao obreiro e
eventualmente não quitados quan-
do da ruptura contratual, de modo
que cabia ao empregador pagá-los
por ocasião de seu comparecimen-
to ao “tribunal de trabalho” (audi-
ência inaugural), sob pena de ser
condenado ao pagamento em do-
bro da rubrica.
O dispositivo em comento so-
freu duas alterações relevantes.
3.Brevehistóricode
alteraçõeslegislativas
3.1Inclusãodoparágrafoúnico
aoart.467daCLT
A primeira modif‌i cação, inclu-
sive em termos cronológicos, foi o
acréscimo do parágrafo único, com
os seguintes dizeres:
O disposto no caput não se aplica
à União, aos Estados, ao Distrito Fe-
deral, aos Municípios e as suas autar-
quias e fundações públicas.
Cuidou-se de típico privilégio
de tratamento concedido à Fazen-
da Pública, eis que se objetivou
isentar as pessoas jurídicas ali ar-
roladas da multa equivalente ao
“pagamento em dobro dos salários
incontroversos”.
A norma em comento foi
acrescida ao texto consolidado
pela Medida Provisória 1984-
16, de 6 de abril de 2000 (art.
), sendo objeto de reedição pe-
las seguintes medidas provisó-
rias: MP 1984-17, de 04.05.2000;
MP 1984-18, de 1º.06.2000; MP
1984-19, de 29.06.2000; MP
1984-20, de 28.07.2000; MP
1984-21, de 28.08.2000; MP
1984-22, de 27.09.2000; MP
1984-23, de 26.10.2000; MP
1984-24, de 23.11.2000; MP 1984-
25, de 21.12.2000; MP 2102-
26, de 27.12.2000; MP 2102-27,
de 26.01.2001; MP 2102-28,
de 23.02.2001; MP 2102-29, de
27.03.2001; MP 2102-30, de
26.04.2001; MP 2102-31, de
24.05.2001; MP 2102-32, de
21.06.2001; MP 2180-33, de
28.06.2001; MP 2180-34, de
27.07.2001 e MP 2180-35, de
24.08.2001.
A priori, seria possível susten-
tar até mesmo a inconstitucionali-
dade da norma, porquanto não pre-
enchidos os requisitos de urgência
e relevância exigidos pela carta
republicana de 1988.
É importante ter bem clara a
natureza excepcional da medida
provisória, consoante magistério
de Michel Temer:
As medidas provisórias estão pre-
vistas no art. 62 da Constituição.
É exceção ao princípio de que ao
Legislativo incumbe editar atos que
obriguem. A medida provisória não é
lei, é ato que tem a “força da lei”. Por
que não é lei? Lei é ato nascido no Poder
Legislativo que se submete a um regi-
me jurídico predeterminado na Consti-
tuição, capaz de inovar originariamente
a ordem jurídica, ou seja, criar direitos
e deveres. Notem a primeira af‌i rmação:
“é ato nascido no Poder Legislativo”,
capaz de criar direitos e obrigações. A
medida provisória também cria direitos
e obrigações, também obriga, porque o
constituinte permitiu exceção ao prin-
cípio doutrinário segundo o qual legis-
lar incumbe ao Legislativo. Não é lei,
porque não nasce no Legislativo. Tem
a força de lei, embora emane de uma
única pessoa, é unipessoal, não é fruto
de representação popular, estabelecida
no art. 1º, parágrafo único (todo poder
emana do povo). Medida provisória
não é lei.2
Ademais, respeitados enten-
dimentos em sentido contrário,
a excludente insculpida no pará-
grafo único não ostenta discrimen
razoável, vez que não tutela inte-
resse público típico ou primário,
preocupando-se tão somente com
interesse público secundário (me-
ramente pecuniário) da Fazenda,
criando distinção de questionável
legitimidade.
É dizer: os entes enumerados
no parágrafo único do art. 467, ao
contratarem empregados públicos,
mediante regime celetista, equipa-
ram-se, em termos de obrigações
gerais, ao empregador comum, de
modo que as disposições da CLT
devem ser aplicadas tanto ao em-
pregador privado quanto ao empre-
gador público, especialmente em se
tratando de penalidade por ausência
de pagamento de salários incontro-
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versos no momento oportuno (cará-
ter de essencialidade do salário).
Nessa trilha, os dizeres de
Mauricio Godinho Delgado:
O legislador presidencial, curio-
samente, em certa época, buscou
excluir da incidência da penalidade
do art. 467 da CLT os entes estatais,
antes da modif‌i cação trazida pela Lei
nº 10.272, de setembro de 2001. De
fato, por meio de repetidas medidas
provisórias, desde a de n. 2102-26,
de 27.12.2000, procurou inserir pará-
grafo único no art. 467, estabelecen-
do que a pena rescisória estipulada no
caput do respectivo artigo celetista “...
não se aplica à União, aos Estados, ao
Distrito Federal, aos Municípios, e às
suas autarquias e fundações públicas”.
A regra, contudo, era f‌l agrante-
mente inválida, inef‌i caz, por, a um só
tempo, instituir injustif‌i cável privilégio
para as entidades públicas e grosseira
discriminação em desfavor de seus em-
pregados. Tudo isso sem qualquer res-
paldo em texto constitucional; ao con-
trário, em direta afronta a princípios e
regras inerentes à Constituição.
[...]
A par de ser extremado e despro-
porcional o privilégio instituído, o
preceito é francamente discriminató-
rio dos empregados públicos, em com-
paração com os empregados privados.
Não há prazos especiais para cum-
primento do contrato de trabalho em
favor dos empregadores públicos; há
somente prazos processuais especiais
em seu favor, que não se confundem
com prazos de cumprimento contratu-
al. A Constituição de 1988 não criou
um regime empregatício especial para
o Poder Público; o regime regula-
do pela CLT é exatamente o mesmo,
qualquer que seja a natureza jurídica
do sujeito de direito que assume o polo
passivo do contrato de trabalho.3
No entanto, a discussão relativa
à (in)constitucionalidade do pará-
grafo único, hoje, mostra-se despi-
cienda.
Com efeito, a partir da Medida
Provisória 2180-35, de 24 de agos-
to de 2001, publicada no DOU em
27 de agosto de 2001, não houve
mais reedições relativas à matéria.
Registre-se, por lealdade ao de-
bate, que parcela considerável dos
estudiosos entende que o parágrafo
único (que afasta a incidência da
multa prevista no caput do art. 467
da CLT para a administração públi-
ca direta, autárquica e fundacional)
permanece em vigor, ante o teor
do art. 2º da Emenda Constitucio-
nal 32, de 11 de setembro de 2001,
publicada no DOU em 12.09.2001,
que dispõe:
Art. 2º As medidas provisórias edi-
tadas em data anterior à da publicação
desta emenda continuam em vigor até
que medida provisória ulterior as re-
vogue explicitamente ou até delibera-
ção def‌i nitiva do Congresso Nacional.
De fato, a simples ausência de
reedição da MP 2180-35 não seria
argumento suf‌i ciente para susten-
tar a revogação do parágrafo único,
mormente quando o poder consti-
tuinte derivado, por meio da EC
32/2001, estabeleceu a vigência
das medidas provisórias anterio-
res a 12 de setembro de 2001 até
posterior e explícita revogação por
outra MP ou até deliberação def‌i ni-
tiva do Congresso Nacional.
Contudo, o art. 467 da CLT
sofreu uma segunda modif‌i cação
substancial, neste interregno, que
afetou diretamente a conclusão su-
pra consignada.
3.2Alteraçãodaredaçãodoart.
467pelaLei10.272/01
de 2001, publicada em 6 de setem-
bro de 2001, conferiu nova redação
ao art. 467 da CLT, consoante se
observa de seu inteiro teor, inclu-
sive sua ementa:
Altera a redação do art. 467 da Con-
solidação das Leis do Trabalho – CLT,
que dispõe sobre o pagamento de ver-
bas rescisórias em juízo.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional
decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
das Leis do Trabalho, aprovada pelo
Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de
1943, passa a vigorar com a seguinte
redação:
Art. 467. Em caso de rescisão de
contrato de trabalho, havendo contro-
vérsia sobre o montante das verbas
rescisórias, o empregador é obrigado a
pagar ao trabalhador, à data do compa-
recimento à Justiça do Trabalho, a parte
incontroversa dessas verbas, sob pena
de pagá-las acrescidas de cinquenta por
cento”. (NR)
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na
data de sua publicação. (grifou-se)
Nota-se, assim, que a Lei
10.272, publicada e com vigência
a partir de 6 de setembro de 2001,
revogou o disposto na MP 2180-
35, que lhe é anterior, pois datada
de 24 de agosto de 2001 e publica-
da em 27 de agosto de 2001.
Em outras palavras: a lei ordi-
nária, ao conferir nova redação ao
artigo 467 da CLT (em sua inteire-
za, e não apenas ao caput), regulou
por completo a matéria (alterando,
inclusive, o percentual da multa e a
sua base de cálculo), sendo poste-
rior à MP, cuja vigência perdurou
tão somente de 27 de agosto de
2001 a 5 de setembro de 2001, ou
seja, exatos dez dias.
Frise-se, nesse particular, que
não há óbice algum para que a lei
ordinária revogue medida provisó-
ria.
Por expressa determinação
constitucional, a medida provisó-
ria tem força de lei (art. 62, caput,
da CF). A bem da verdade, por in-
terpretação sistêmica do art. 62, §
1º, III, da carta magna, é possível
equiparar a MP à lei ordinária, uma
vez que é vedada a edição de medi-
da provisória sobre matéria reser-
vada à lei complementar.
Dessarte, f‌i gura plenamente vá-
lida a revogação da MP 2180-35
(equiparada a lei ordinária) pela
Lei (ordinária) 10.272/01, pois: a)
esta última regulou inteiramente
a matéria de que tratava a ante-
rior; b) a lei é posterior à MP; e
c) cuida-se de normas de mesma
hierarquia – tudo em conformida-
de com as disposições da Lei de
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A COMPLEXIDADE
DO PROCESSO
LEGISLATIVO
REDUNDA EM
CONFLITOS
NORMATIVOS QUE
EXIGEM ESFORÇO
ADICIONAL DO
HERMENEUTA
NA TAREFA DE
INTERPRETAR E
APLICAR O DIREITO
Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (Decreto-lei 4.657/42),
especialmente seu art. 2º, § 1º.
A complexidade (subjetiva e
objetiva) do processo legislativo
brasileiro redunda, frequentemen-
te, em conf‌l itos normativos que
exigem esforço adicional do her-
meneuta na tarefa de interpretar e
aplicar o direito posto.
Nessa toada, percucientes os
ensinamentos de Maria Helena
Diniz:
É inegável a existência de conf‌l i-
tos normativos, porque a realidade
demonstra que essa rigorosa coerência
lógica não é requisito essencial do di-
reito, mas do sistema jurídico. Deve-
ras, não há como negar a possibilidade
de os órgãos jurídicos estabelecerem
normas que entrem em conf‌l ito umas
com as outras. Em razão da impossibi-
lidade do legislador conhecer todas as
normas que existem no ordenamento
jurídico, é plausível a edição de nor-
mas antinômicas, de sorte que a anti-
nomia, diante da dinamicidade do di-
reito, poderá ser encarada pelo jurista
como decorrência da própria estrutura
do sistema jurídico que, além de dinâ-
mico, é aberto e prospectivo.
[...]
A antinomia aparente se dará se
os critérios para solucioná-lo forem
normas integrantes do ordenamento
jurídico. Realmente, os critérios hie-
rárquico, cronológico e da especiali-
dade são critérios normativos, princí-
pios jurídico-positivos pressupostos
implícita ou explicitamente pela lei,
apesar de se aproximarem muito das
presunções. Sendo solucionado o con-
f‌l ito normativo na subsunção por um
daqueles critérios, ter-se-á uma sim-
ples antinomia aparente.4
Na hipótese em exame, tem-se
verdadeira “antinomia aparente”,
porquanto o critério cronológico
revela-se suf‌i ciente para solucionar
o conf‌l ito, de maneira que a nor-
ma anterior sucumbe à posterior
(lex posterior derogat legi priori),
notadamente quando esta regula a
matéria por inteiro.
Reitere-se, nesse particular,
que a Lei 10.272/01 expressa-
mente consignou: o art. 467 da
Consolidação das Leis do Tra-
balho [...] passa a vigorar com a
seguinte redação”. Portanto, não
alterou simplesmente a cabeça,
mas a inteireza do dispositivo,
conferindo-lhe nova redação (in-
terpretação gramatical ou literal
da norma).
Gustavo Filipe Barbosa Gar-
cia, um dos poucos autores a abor-
dar a questão sob este
viés, sustenta posição
similar à ora defendi-
da, verbis:
A já mencionada
Lei 10.272, que alterou
a redação do art. 467 da
CLT, entrou em vigor
em 6 de setembro de
2001, data de sua pu-
blicação no DOU, nos
termos do seu art. 2º.
Antes de sua vigência,
o mencionado disposi-
tivo tinha o parágrafo
único, acrescentado
por Medida Provisória.
Portanto, antes da vi-
gência da Lei 10.272,
assim se encontrava a
CLT:
Art. 467. omissis.
Parágrafo único. omissis” (pará-
grafo acrescentado pela Medida Pro-
visória 2.180-35, de 24 de agosto de
2001, publicada no Diário Of‌i cial da
União de 27.08.2001).
A referida Lei 10.272, em seu art.
, estabeleceu:
Leis do Trabalho, aprovada pelo De-
creto-lei 5.452, de 1º de maio de 1943,
passa a vigorar com a seguinte reda-
ção:
‘Art. 467. Omissis.’ (NR)”.
Como é visível, a Lei
10.
272/2001, ao conferir esta nova
redação, estabeleceu que o art. 467
da CLT não é integrado por qualquer
parágrafo único. O que existia, in-
troduzido por medida provisória,
acabou sendo revogado. Isso fica
ainda mais claro quando se observa
que a lei mencionada, após alterar o
Art. 467”, não fez constar qualquer
sinal gráfico (“...”), em seguida à
redação determinada, que pudesse
indicar a manutenção do parágrafo
único anteriormente existente.
Frise-se que esta lei vigorou a
partir de 06.09.2001, data posterior
ao início da vigência da última edi-
ção da medida provisória em questão
(27.08.2001).
Para que não pairem dúvidas, bas-
ta lembrar que a lei, ao grafar com
“...”, embora esteja alterando a nor-
ma, mantém o que vem em seguida,
na forma disposta antes da altera-
ção, no caso, o parágrafo. Com a Lei
10.272, no entanto,
reitere-se, isso não
ocorreu, de modo que
esta lei posterior não
manteve em vigência
o parágrafo único,
acrescido por medida
provisória anterior.
No caso, ocor-
reu a revogação do
mencionado parágra-
fo por lei posterior,
nos termos da Lei de
Introdução às Nor-
mas do Direito Bra-
sileiro (Decreto-lei
caput e § 1º. Mais es-
pecif‌i camente, a Lei
10.272/2001, ao dar
nova redação ao art.
467 da CLT, regulou inteiramente a
matéria de que tratava este dispositivo
em sua redação anterior. Aliás, enten-
do que a revogação foi evidente, pois
a lei posterior excluiu o parágrafo, na
medida em que não previu a sua exis-
tência.
É importante realçar ser irrelevan-
te se isso era ou não o desejo do le-
gislador: no Estado (Democrático) de
Direito, estamos sob o império da lei,
e não dos homens, nem mesmo da-
queles a quem foi atribuído o poder-
-dever de formular normas jurídicas.
Trata-se do princípio, fundamental, da
legalidade, e que representa garantia
de estatura constitucional (arts. 1º e
5º, inciso II, da CF/1988).
De qualquer modo, o que a medi-
da provisória em questão excluía (no
tocante à União, aos Estados, ao Dis-
trito Federal, aos Municípios e às suas
autarquias e fundações públicas) era o
dever jurídico de, uma vez extinto o
contrato de trabalho, pagar os salários
incontroversos até a data do compa-
recimento à Justiça do Trabalho, sob
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10.272/01, na esteira, ainda, das
disposições da Lei de Introdução
(Decreto-lei 4.657/42), especial-
mente seu art. 2º, § 1º.
Convém destacar, nesse pas-
so, que o sítio of‌i cial do Planalto
corrobora as conclusões aqui con-
signadas, ao considerar revogado
o parágrafo único que integrava,
até 6 de setembro de 2001, o art.
467 celetário, consoante se apre-
ende em: http://www.planalto.gov.
br/ccivil _03/decreto-lei/del5452.
htm.
Assim, respeitados os entendi-
mentos dissonantes, parece indene
de dúvidas que, a partir da vigência
da Lei 10.272/01, ou seja, desde
6 de setembro de 2001, não mais
subsiste, no ordenamento jurídico
brasileiro, fundamento legal hábil
a isentar a administração pública
direta, autárquica e fundacional da
multa prevista no art. 467 do diplo-
ma consolidado.
Nesse diapasão, independen-
temente da natureza jurídica do
empregador (pessoa jurídica de
direito privado ou pessoa jurídi-
ca de direito público), e uma vez
preenchidos os requisitos do art.
467 da CLT (existência de verbas
rescisórias incontroversas não pa-
gas aliada à ausência de quitação
no momento processual oportu-
no – “data do comparecimento à
Justiça do Trabalho”), é de rigor a
incidência da penalidade em tela,
em favor do trabalhador, inexistin-
do qualquer distinção legal, neste
ponto, entre os empregados públi-
cos e privados.
Notas
1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.
Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Sarai-
va, 2012, p. 35.
2 TEMER, Michel. Elementos de direito
constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
1998, p. 151.
3 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso
de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr,
2012. p. 1.160-1.
pena de seu pagamento em dobro, ou
seja, o que dispunha a antiga redação
do art. 467 da CLT. Tendo sido altera-
do o comando normativo desse dispo-
sitivo da CLT, não se pode presumir,
sem lei que assim disponha, que esses
entes de direito público não tenham
o dever de pagamento das verbas
rescisórias incontroversas até a data
da audiência inaugural, sob pena de
pagá-las com acréscimo de 50% (art.
467 da CLT, com redação determina-
da pela Lei 10.272/2001).
Por outras palavras, o art. 9º da
Medida Provisória 2.180-35 excluía
a incidência de um dever jurídico
que não mais vigora (antiga redação
do art. 467), com o que, sem dúvida,
perdeu o seu objeto. Ausente qual-
quer norma jurídica que, após a Lei
10.272/2001, determine a exclusão
do novo conteúdo normativo do art.
467 da CLT, é vedado ao intérprete
fazê-lo.5
Logo, ainda que se susten-
te que o art. 2º da EC 32/2001
manteve a vigência das medidas
provisórias anteriores à sua publi-
cação (12.09.2001), mesmo não
reeditadas (caso da MP 2.180-35,
datada de 24.08.2001 e publica-
da em 27.08.2001), não se pode
olvidar que, quando da edição da
referida Emenda Constitucional
(11.09.2011), a medida provisória
em comento já se encontrava re-
vogada, desde 06 de setembro de
2001, pela Lei 10.272/01.
4.Apontamentosf‌i nais
Diante da complexidade do
processo legislativo brasileiro e do
emaranhado de normas dele resul-
tante, cabe ao intérprete utilizar-
-se das ferramentas que o próprio
sistema jurídico fornece para apli-
cação e realização do direito em
concreto.
Na especial hipótese do art.
467 da CLT, a interpretação literal
e sistemática, bem como a análise
histórico-evolutiva das alterações
legislativas pertinentes, autoriza
concluir pela revogação da Me-
dida Provisória 2180-35 pela Lei
4 DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução
ao Código Civil brasileiro interpretada. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1999, p. 69-71.
5 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso
de direito do trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro: Fo-
rense, 2012, p. 455-7.
Referências
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso
de direito do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr,
2012.
DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao
Código Civil brasileiro interpretada. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso
de direito do trabalho. 6. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2012.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves.
Do processo legislativo. 7. ed. São Paulo: Sa-
raiva, 2012.
TEMER, Michel. Elementos de direito
constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
1998.
Revista Bonijuris - Novembro 2015 - PRONTA.indd 42 21/10/2015 09:55:59

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