Inaplicabilidade, ao Processo do Trabalho, do Procedimento do 'Cumprimento da Sentença', Previsto no CPC

AutorManoel Antonio Teixeira Filho
Páginas1829-1843

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Antes de nos dedicarmos ao estudo da execução trabalhista, devemos dizer que, segundo entendemos, são inaplicáveis ao processo do trabalho as normas concernentes ao “Cumprimento da Sentença”, de que tratam os arts. 475-I a 475-R, do CPC.

Demonstremos as razões que nos conduzem a essa conclusão.

1. O cumprimento da sentença, no CPC

Nomeadamente nos anos de 2005 e 2006 foram publicadas diversas leis, que introduziram consideráveis alterações no sistema do processo civil, com o objetivo de torná-lo mais célere, mediante as políticas de simplificação, deformalização e democratização.

Dentro dessa estratégia devotada à celeridade processual, merece destaque a Lei n. 11.232, de 22 de dezembro de 2005 (DOU de 23 do mesmo mês e ano). Esta norma legal — derivante do projeto de Athos Gusmão Carneiro —, entre outras coisas, deslocou para o processo de conhecimento as disciplinas da liquidação (arts. 475-A a 475-H) e da execução por quantia certa, contra devedor privado, calcada em título judicial (arts. 475-I a 475-R).

Em consequência desse revolucionário sincretismo processual (cognição-execução):

  1. o processo autônomo de execução foi substituído pelo procedimento do “Cumprimento da Sentença”;

  2. os clássicos embargos do devedor foram convertidos em impugnação;

  3. o conceito de sentença (art. 162, § 1.º) foi alterado, porquanto este ato jurisdicional nem sempre será causa de extinção do processo, sem ou com resolução do mérito (arts. 267 e 269, respectivamente).

    A propósito, semelhante sincretismo processual já havia sido estabelecido em relação às obrigações de fazer e de não fazer (art. 461) e de entregar coisa (art. 461-A, acrescentado pela Lei n. 10.444/2002).

    Em suma, no processo civil a efetivação das obrigações de fazer, não fazer, entregar coisa e pagar quantia certa, contidas na sentença, deixou de ser objeto de execução

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    autônoma, passando a ser realizada no próprio processo de conhecimento (sine intervallo), como fase subsequente à emissão da sentença condenatória. Na verdade, as obrigações de pagar quantia certa, embora já não se submetam, como dissemos, a processo autônomo de execução, serão executadas sob o título de “cumprimento da sentença”. Estabelece, com efeito, o art. 475-I, do estatuto processual civil: “O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461 e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigações por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo” (destacamos).

    Podemos dizer, com espeque nesta normal legal, que, no âmbito do processo de conhecimento, o “cumprimento da sentença” é o gênero, do qual a execução constitui espécie. Conquanto, neste último caso, inexista processo autônomo de execução (pois a matéria é tratada no Livro I, do Código) haverá atividade executiva, talqualmente como já ocorria, por exemplo, nas ações possessórias, nas de despejo e nas mandamentais, dentre outras.

    Seguem, porém, submetidas à execução clássica (processo autônomo):

  4. as obrigações consubstanciadas em títulos extrajudiciais;

  5. as sentenças proferidas fora do processo civil (como a penal condenatória, e a estrangeira homologada);

  6. as obrigações em geral, inclusive, as de pagar quantia, exigidas em face da Fazenda Pública.

    Nestes casos, haverá embargos do devedor (CPC, arts. 736 a 740 e 741), e não “cumprimento da sentença” (arts. 475-I a 475-R), segundo o sentido técnico desta última expressão no modificado sistema do processo civil.

    É oportuno ressaltar que a peculiaridade de, no processo do trabalho, a execução processar-se nos mesmos autos em que foi produzido o título executivo judicial (sentença ou acórdão) — tal como agora se passa no processo civil sob a forma de “cumprimento da sentença” — não configura o sincretismo realizado no plano deste último pela Lei
    n. 11.232/2005, uma vez que, do ponto de vista sistemático-estrutural, os processos de conhecimento e de execução, normatizados pela CLT, continuam sendo autônomos, vale dizer, não foram aglutinados pelo texto legal. Daí a razão pela qual o art. 880, caput, da CLT, alude à citação do executado, e não à sua intimação. Neste processo, portanto, o sincretismo cognição-execução é, apenas, aparente. É como a imagem de um objeto refletida na superfície de um lago: o que aí se vê é o reflexo do objeto e não o objeto real.

    Nos termos do art. 475-J, do CPC, o procedimento do “Cumprimento da Sentença” é, em traços gerais, o seguinte:

  7. se o devedor não pagar, voluntariamente, no prazo de quinze dias, a quantia constante da sentença condenatória ou fixada em liquidação, esse montante será, de modo automático, acrescido da multa de dez por cento (caput). Se o pagamento for parcial, a multa incidirá sobre o restante (ibidem, § 4.º). Nota-se, pois, que essa penalidade pecuniária foi instituída com a finalidade de estimular o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação;

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  8. em seguida, a requerimento do credor, será expedido mandado de penhora e avaliação, cumprindo ao requerente, com vistas a isso, atender ao disposto no art. 614, inciso II, do CPC (ibidem). Faculta-se-lhe indicar, na mesma oportunidade, os bens a serem penhorados (ibidem, § 3.º);

  9. do auto de penhora e avaliação o executado será de imediato intimado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, de seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação ao título executivo no prazo de quinze dias (§ 1.º). As matérias possíveis de serem alegadas na impugnação estão enumeradas no art. 475-L.

    Não interessa ao escopo deste nosso estudo o exame das demais enunciações do art. 475-J, assim como dos arts. 475-L a 475-R, do CPC.

    Pois bem. Certos setores da doutrina e da própria magistratura trabalhista do primeiro grau de jurisdição vêm entendendo que as disposições da Lei n. 11.232/2005, reguladoras do procedimento do “Cumprimento da Sentença”, são aplicáveis ao processo do trabalho.

    Os fundamentos dessa corrente de pensamento são de diversas colorações, algumas de natureza acentuadamente político-ideológica; em essência, contudo, apresentam certos pontos-comuns, como as afirmações de que:

  10. a CLT é omissa quanto à matéria;

  11. a aplicação do procedimento do “cumprimento da sentença” contribui para o atendimento à cláusula constitucional da “razoável duração do processo” (CF, art.
    5.º, inciso LXXVIII).

    Examinemos, ainda que com brevidade, esses fundamentos.

1.1. Omissão da CLT

A corrente de opinião que estamos a examinar costuma invocar, em defesa de seu ponto de vista, a lição de Norberto Bobbio a respeito das lacunas da lei, particularmente aquelas que este notável jurista classifica de lacunas objetivas. Estas, segundo ele, decorrem da dinâmica das relações sociais, das novas invenções, de fenômenos econômicos super-venientes, de progressos tecnológicos, enfim, de todos aqueles fatores que provocam o envelhecimento dos textos legais. Esse envelhecimento normativo autorizaria o magistrado a buscar, em outros sistemas processuais, normas capazes de conceder maior efetividade ao processo que a ele incumbe aplicar, ainda que este não seja tecnicamente lacunoso. A lacuna seria, por assim dizer, não formal, mas, ideológica.

Essa corrente de pensamento traz, assim, implícita, a afirmação de que determinadas normas da CLT, regentes da execução, podem ser substituídas por normas do processo comum — especialmente o civil —, em nome da necessidade de tornar o primeiro mais célere e mais efetivo.

Em última análise, essa doutrina, embora reconheça que a CLT contenha regras estruturadoras do processo de execução e, em particular, reguladoras dos embargos do

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devedor (art. 880), sustenta ser possível a incidência de dispositivos do CPC, segundo o critério da comparação valorativa dos sistemas normativos e do resultado que disso decorra. Ou seja, cotejando-se as disposições da CLT com as do CPC e verificando-se que estas são mais eficientes do que aquelas, aplicam-se as do CPC. Percebe-se, assim, que a pretexto de dar ao art. 769, da CLT, uma interpretação mais consentânea com a realidade, essa doutrina acaba por negar vigência à referida norma legal ao colocar de lado o pressuposto fundamental da omissão, nela estampado.

Não somos adeptos e, quanto menos, defensores do positivismo jurídico, que sói desaguar no dogma da completude do processo do trabalho legislado, vendo-o, por isso, como um sistema ocluso, impenetrável por normas de outros sistemas. E, a despeito de termos grande admiração por Bobbio, Claus-Wilhelm Canaris, Karl Engisch e por tantos outros juristas de nomeada, entendemos que o pensamento desses escritores não serve à causa daqueles que, ao contrário de nós, sustentam a aplicação do art. 475-J, do CPC, ao processo do trabalho.

Temos plena consciência da incompletude do processo do trabalho legislado; essa existência lacunosa, aliás, foi antevista pelo próprio legislador, como evidencia a regra integrativa inscrita no art. 769, da CLT. Em decorrência disso, o processo do trabalho vem adotando, há décadas, em caráter supletório, normas do processo civil para colmatá-lo, para torná-lo completo e, deste modo, prover-se de meios e condições para atingir os fins a que se destina — movido, sempre, nesse afanoso mister, pelo combustível da celeridade.

Não há necessidade de referir, nesta altura de nossa explanação, os inúmeros dispositivos do CPC que têm sido aplicados, costumeiramente, ao processo do trabalho.

É importante observar, isto sim, que a adoção supletiva de normas do processo civil não pode acarretar alteração do sistema (procedimento) do processo do trabalho, que é a espinha dorsal deste, pois se sabe que essa adoção só se justifica como providência necessária para atribuir maior eficácia ao...

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