A Situação dos imigrantes ilegais no continente Americano: A contradição norte-americana

AutorMônica Teresa Costa Sousa Cherem
CargoProfessora de Direito Internacional Público na Universidade do Vale do Itajaí
Páginas435-449

    Professora de Direito Internacional Público na Universidade do Vale do Itajaí. Mestre em Direito (Relações Internacionais) pela UFSC. Doutoranda em Direito Internacional Público pela UFSC. E-mail: mônica@projuris.com.br.

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1. Introdução

O fenômeno migratório é dos mais antigos e acompanha a humanidade desde os mais remotos tempos. Em verdade, a história do homem se confunde com a sua mobilidade. Ainda que muitos países tenham solidificado suas economias a partir do trabalho de imigrantes, hoje em dia nem sempre a imigração é vista como uma possibilidade de crescimento econômico para o país receptor.

Cresce de forma até mesmo assustadora a aversão a uma categoria muito particular de imigrantes: os ilegais, ou seja, aqueles que ingressam em outro país sem a documentação necessária ao seu ingresso e estabelecimento. Na Europa, esse movimento se destaca principalmente na parte ocidental do velho continente, que recebe grandes levas de africanos e europeus orientais1; já na nas Américas, a situação que salta aos olhos é certamente dos migrantes mexicanos, que tentam chegar aos Estados Unidos todos os anos.

Os “chicanos”, como são conhecidos, tentam de todas as formas atravessar a muitíssimo bem protegida zona de fronteira entre o México e os Estados Unidos, e suportam as mais absurdasPage 437 privações para chegar a land of opportunities. Porém, o que os espera não é exatamente o american way of life.

Este estudo procura mostrar a constância com que os direitos humanos desses migrantes são continuamente violados, justamente no país em que garante (e que se sente orgulhoso por isso) uma ampla gama de direitos e liberdades individuais.

São várias as organizações internacionais, entidades de classe e até mesmo órgãos governamentais que direcionam suas ações contra a repressão (muitas vezes violenta) exercida pela polícia de fronteira, a Border Patrol. As queixas vão desde detenções ilegais, maus tratos físicos e psicológicos, abuso de autoridade a demonstrações explícitas de racismo e xenofobia. Isso tudo determinado pelo Estado.

Trata-se esta pesquisa de uma análise da contradição americana enquanto país livre, aberto a todos, Estado Parte em alguns dos mais importantes documentos internacionais de proteção à pessoa humana e a atitude marcadamente segregacionista em relação aos que deixam seus países em busca do que a América tem de melhor a oferecer: oportunidades.

Em um primeiro momento, será traçado um breve panorama sobre a política de imigração dos Estados Unidos, através da apresentação de dados recentes sobre a migração ilegal, muito mais significativa que a migração ordenada e controlada pela autoridades governamentais norte-americanas, e considerações sobre as condições que enfrentam os migrantes para atingir seu intento.

Posteriormente, serão feitas exposições sobre as ações da Organização dos Estados Americanos (OEA) relativas às questões de imigração, bem como serão apresentados alguns dos instrumentos internacionais relativos à proteção dos migrantes.

Por fim, estudar-se-á justamente o que se chama de contradição norte-americana: enquanto os EUA se auto-proclamam arautos da liberdade e das oportunidades, levantam questões ultrapassadas de soberania para dificultar a discussão sobre sua política de imigração, bem como atuam de forma violenta em suas fronteiras a fim de reprimir a imigração ilegal, ao que parece, a qualquer custo.

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2. A política de imigração americana: noções gerais

O movimento de mão de obra entre fronteiras é muito mais antigo que a própria globalização; poucos eventos alteraram tanto o curso de economias e índices de desenvolvimento e crescimento econômico como os migratórios, e em relação aos Estados Unidos a informação é mais que procedente. País que ao final do séc. XIX recebeu uma grande leva de imigrantes dispostos a “fazer a América”, desde sempre foi conhecido como uma terra de oportunidades. Inicialmente aberto à imigração, os EUA vêm fechando suas fronteiras de forma bastante significativa, e seria ingenuidade afirmar que os ataques de 11 de setembro não contribuíram para tal fato.

É certo que a delimitação de fronteiras, estabelecimento de políticas de imigração e concessão de vistos é ato diretamente decorrente da soberania de um país, mas também não há como esquecer que o conceito de soberania não deve ser tomado como o era no séc. XVI; não se quer dizer que os Estados não mais tenham a capacidade de auto-determinar-se. Longe disso. O que se propõe é a discussão de políticas de imigração em níveis internacionais (ou ao menos bilaterais, em caso de países como o México e os EUA). O informativo do International Centre for Trade and Sustainable Development acrescenta quanto a essa necessidade de negociação em esfera global:

Desde la Conferencia Mundial sobre Población y Desarrollo llevada a cabo en el Cairo en 1996 un bloque amplio de países ha abogado para que el tema de la migración sea tratado en el marco de la Organización de las Naciones Unidas, propuesta que tampoco ha logrado consenso por parte de algunos países –en especial desarrollados, como Estados Unidos o la Unión Europea- que consideran que el tema debe ser abordado a nivel de políticas regionales o nacionales y acuerdos bilaterales 2

Não é fácil ter o status de americano, ainda que Thomas Friedman afirme o contrário. Entende Friedman que

para ser americano, basta querer ser americano [...]. Nunca dê às costas a um refugiado haitiano no seu bote solitário. Qualquer um que tenha a inteligência e energia para construir uma jangada com caixas de leite e em seguida velejar pelo Atlântico até o litoral americano é alguém bem vindo como imigrante3

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Ainda que se refira aos trabalhadores qualificados, e não aos braceros, as palavras do autor parecem exprimir uma realidade muito distante.

Cerca de 3.200 kilômetros e uma infinidade de problemas separam os dois países4. A fronteira entre o México e os Estados Unidos é uma das mais bem vigiadas do mundo. A Operation Gatekeeper, posta em prática pelo governo dos Estados Unidos, é tida como responsável por uma série de mortes e detenções ilegais na zona de fronteira.

Financiada pelo governo norte-americano, a patrulha de fronteira tem suas bases no que também alicerça a política de imigração norte-americana: o Immigration and Naturalization Service (INS) e o Immigration Reform and Control Act (IRCA). O uso excessivo de políticas unilaterais de fronteiras pelo INS não parece minimizar a quantidade de imigrantes ilegais no país, e em contrapartida, contribui para um aumento progressivo no número de atos violentos de repressão à imigração. O IRCA, aprovado desde 1986 pelo governo Reagan, tem como objetivos reduzir o número de imigrantes ilegais nos Estados Unidos5.

O INS é uma agência do Departamento de Justiça norteamericano, responsável pelo cumprimento das leis e regulamentos referentes à imigração. É também o responsável pela concessão de benefícios, como naturalização, autorizações para trabalho, proteção de refugiados, sendo este último trabalho desenvolvido em parceria com o Departamento de Estado, Departamento de Saúde e Serviços Humanos e com as Nações Unidas6.

Aliadas a essas ações, também estão as de patrulha de fronteira, detenção e remoção de estrangeiros tidos como criminosos, fiscalização de locais de trabalho, detenção de estrangeiros e trabalhadores estrangeiros ilegais, deportações e expulsões, negação de benefícios a candidatos ao visto permanente não aprovados, investigação de fraudes em documentos relativos à migração.

Em números, algumas informações sobre o INS: a) patrulhamento, através das polícias de fronteira, de mais de 300 pontos de entrada por terra, ar ou água. Em 2001, mais de 510 milhões de inspeções individuais foram feitas; b) patrulhamento de cerca de 6.000 milhas de fronteiras com o México e o Canadá; c) detenção de mais de 1.235.000 estrangeiros ilegais na fronteira sul...

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