Interpretação Jurídica e Ideologias: O Escopo da Jurisdição no Estado Democrático de Direito

AutorLúcio Delfino - Fernando Rossi
Ocupação do AutorDoutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) - Mestre em Constituição e Processo pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP); Especialista em Processo Civil e Direito Civil pela Universidade de Franca (UNIFRAN)
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SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 As Influências do Estado Constitucional Liberal, do Estado Constitucional Social e do Estado Democrático de Direito na Interpretação Jurídica. 2.1 Considerações Iniciais. 2.2 Os Contornos Elementares do Estado Constitucional Liberal e a Sua Influência na Interpretação Jurídica. 2.2.1 Do Estado Absolutista ao Estado Liberal na França. 2.2.2 As Bases Ideológicas do Estado Constitucional Liberal. 2.2.3 A Interpretação Jurídica no Estado Constitucional Liberal. 2.3 Os Contornos Elementares do Estado Constitucional Social e a sua Influência na Interpretação Jurídica. 2.3.1 A Derrocada do Estado Liberal e a Influência da Revolução Bolchevique no Paradigma do Estado Social. 2.3.2 A Deflagração do Estado Constitucional Social e o Surgimento dos Direitos Fundamentais de Segunda Dimensão. 2.3.3 A Interpretação Jurídica no Estado Social. 2.4 Os Contornos Elementares do Estado Democrático de Direito e a sua Influência na Interpretação Jurídica Atual. 2.4.1 A Derrocada do Estado Social e o Surgimento de um Novo Paradigma. 2.4.2 A Democracia e Outros Valores Caros ao Estado Democrático de Direito no Brasil. 2.4.3 A Importância dos Princípios Constitucionais no Paradigma do Estado Democrático de Direito. 3 A Jurisdição no Estado Democrático de Direito: Conclusões Finais. 4 Referências Bibliográficas.

1 Introdução 1 Introdução1 Introdução 1 Introdução1 Introdução

Já dizia Spinoza: “A verdadeira definição de uma coisa qualquer não implica nem exprime nada além da natureza da coisa definida”.1Definir

* Doutor em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/

SP); Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG); Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil; Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual; Professor Universitário; Advogado.

** Mestre em Constituição e Processo pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP); Especialista em Processo Civil e Direito Civil pela Universidade de Franca (UNIFRAN); Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG); Diretor da Revista Brasileira de Direito Processual; Professor Universitário; Advogado.

1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 236.

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é expressar a essência, a substância mesma do objeto a ser definido. É realçar a natureza ou atribuir significados. Por meio dela, enumeram-se as propriedades de algo, delimitam-se seus contornos e suas características particulares. A definição possibilita distinguir aquele conceito de outros que lhe guardam alguma semelhança.

No que diz respeito à jurisdição, é fato a dificuldade contínua encontrada pela doutrina em conceituá-la. Etimologicamente, contudo, a expressão não apresenta dúvidas: do latim jurisdicto, é formada pela aglutinação de duas outras palavras: juris, a cujo significado atribui-se a idéia de direito; e dictio, significando dicção ou dição, ato de dizer, ou, simplesmente, dizer. Assim, na sua origem, a jurisdição seria a atividade voltada a dizer o direito, no sentido de identificar o enunciado de direito objetivo preexistente (ou de elaborá-la, se inexistente) e de fazê-lo atuar numa determinada situação.2E, outrora, o simples ato de “dizer o direito” encontrava-se realmente em plena sintonia com a idéia de jurisdição. Essa, todavia, não é, nem de longe, a realidade hodierna. É muito pouco, pois, buscar a essência do instituto no seu estudo etimológico, sobretudo em razão das inúmeras e significativas evoluções pelas quais passou a sociedade.3Alteram-se ideologias, e a própria essência da jurisdição sofre mutações.

Realmente não é tarefa fácil definir jurisdição. Afinal, trata-se de um conceito plástico, que vem sendo (re)modelado com o passar dos séculos, adequando-se e estendendo seu leque de influências em harmonia aos anseios, oriundos do próprio avanço, em diversos flancos, da humanidade. Ensina Calamandrei – em lição cujo vigor é, ainda hoje, inquestionável – que não se pode dar uma definição absoluta de jurisdição, válida para todos os tempos e para todos os povos. Afirma o mestre italiano que “não só as formas externas, através das quais se desenvolvem a administração

2 BERMUDES, Sérgio. Introdução ao processo civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 19.

3 De certo modo, a ligação entre as alterações sociais e a atividade jurisdicional é bastante lógica. Afinal, a jurisdição serve à sociedade. Ao vetar a autotutela, assumiu o Estado o ônus de assegurar a ordem social, não só ditando preceitos legais que a todos vinculam, senão ainda solvendo os conflitos de interesses naturalmente surgidos no seio social. E assim agindo, criou para si o dever de prestar a tutela jurisdicional de maneira justa e adequada – o dever de prestar uma tutela jurisdicional efetiva. Em contrapartida, constituiu um genuíno direito àqueles que vivem em sociedade, o direito de acesso à justiça, cuja compreensão envolve complexas nuances, de caráter material e processual. Enfim, sem sociedade não há razão para se pensar a jurisdição.

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INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E IDEOLOGIAS: O ESCOPO DA JURISDIÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO... 431 da justiça, senão também os métodos lógicos do julgar, têm um valor contingente, que não pode ser determinado a não ser em relação a um certo momento histórico.”4Assim, talvez o melhor não seja propriamente definir a jurisdição. Mais interessante é entender o porquê das dificuldades encontradas nesse labor e a ligação dessas mesmas dificuldades com a própria evolução e extensão do instituto. Quer-se afirmar é a existência de um elemento inerente à substância da jurisdição, que é variável ou histórico e cuja importância já se apercebe pela influência direta que exerce nessa inconstância que caracteriza esse instituto fundamental, impedindo que se lhe trace uma definição adequada a todo e qualquer momento histórico já vivenciado e ainda a se vivenciar. Esse elemento é a interpretação jurídica. E é ela um elemento histórico (ou variável) justamente em função de sua genética mutante, característica que a impele a sofrer alterações de tempos em tempos, sempre que o Estado e a sociedade assumem novas feições e adotam novas ideologias. Alteram-se ideologias, alteram-se, por resultado, os contornos da interpretação jurídica, o que leva, incondicionalmente, a uma mutação estrutural no próprio desenho da jurisdição – a jurisdição é um conceito plástico porque em sua essência há um poderoso elemento mutagênico.

Nesse espaço, o que se pretende é apontar a íntima relação existente entre os obstáculos encontrados para se conceituar a jurisdição e o próprio elemento histórico (a interpretação jurídica) inerente a esse mesmo instituto. Para tanto, procurar-se-á traçar, em linhas breves, os contornos ideológicos que influenciaram a condução do Estado e da própria sociedade no constitucionalismo, jungindo-os aos métodos de interpretação jurídica adotados em cada um dos períodos a serem abordados. Por igual, o trabalho tem a pretensão de definir algumas linhas da atual ideologia que alicerça o Estado Democrático de Direito, os seus reais reflexos sobre a interpretação e, além disso, a influência que exerce na própria atividade jurisdicional hodierna.

4 CALAMANDREI, Piero. Direito processual civil. Vol. I. Tradução de Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandez Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. p. 96.

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2 As Influências do Estado Constitucional Liberal, do Estado
2 As Influências do Estado Constitucional Liberal, do Estado2 As Influências do Estado Constitucional Liberal, do Estado
2 As Influências do Estado Constitucional Liberal, do Estado2 As Influências do Estado Constitucional Liberal, do Estado Constitucional Social e do Estado Democrático de Direito na Constitucional Social e do Estado Democrático de Direito naConstitucional Social e do Estado Democrático de Direito na Constitucional Social e do Estado Democrático de Direito naConstitucional Social e do Estado Democrático de Direito na Interpretação Jurídica
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2.1 Considerações Iniciais
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A interpretação jurídica está sujeita a remanejamentos constantes, cuja lógica de ocorrência segue rumo a alternância de ideologias políticas adotadas e praticadas pelo Estado, em conformidade com o seu próprio desenvolvimento histórico e com o da sociedade por ele regida. Não é por outra razão que Marcelo Neves preleciona que “os modelos de interpretação jurídica variam conforme o tipo de sociedade e a respectiva forma jurídicopolítica dominante.”5Por isso o especial interesse de se examinar, ao menos brevemente, os momentos históricos pelos quais passaram os Estados, os regimes e as ideologias que os caracterizaram e, principalmente, o vínculo entre essas ideologias políticas por eles perseguidas e a própria atividade interpretativa do direito. Nesse turno, o exame se restringirá aos três paradigmas6que tocam o constitucionalismo, infiltrando-se nas ideologias que os consagraram e os alicerçaram, algumas curiosidades históricas pertinentes e...

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