Direito à Identidade Genética Mediante Inseminação Heteróloga e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

AutorJosé Ricardo Suter
CargoAdvogado Pós-graduado em docência do Ensino Superior, Direito Civil e Processo Civil e Direito do Trabalho e Previdenciário
Páginas39-45

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Introdução

Desde a década de 1980 até os dias de hoje é realizada no Brasil, assim como em outros países, a reprodução humana assistida. Dentre as principais técnicas atualmente disponíveis, destacam-se: inseminação artificial (IA), fertilização in vitro seguida de transferência de embriões (FIVETE), transferência intratubária de gametas (GIFT), transferência intratubária de zigotos (ZIFT) e gestação por mãe substituta (“mãe de aluguel”).

Quaisquer dessas técnicas podem ser utilizadas ora de forma homóloga ora de forma heteróloga, o que será definido de acordo com a proveniência do material biológico utilizado para a fecundação, sendo inseminação homóloga a realizada com material genético de ambos, ou seja, do marido e da mulher; e heteróloga, aquela concebida a partir de material genético de uma terceira pessoa.

Se, por um lado, a evolução da ciência possibilitou o processo da criação humana através da reprodução humana assistida (RHA), permitindo com isto que muitos casais concretizassem o sonho de serem pais, de outro, gerou polêmicas na sociedade e no ordenamento jurídico brasileiro.

Desde então, aumenta a cada dia o número de pessoas nos grandes centros urbanos que procuram por clínicas especializadas em reprodução assistida para atenderem suas necessidades e desejo de ter filhos, aumentando também os questionamentos, principalmente entre os juristas que estão tendo que decidir sobre assuntos ainda pouco conhecidos e discutidos.

Com isso, inúmeras questões quanto ao direito à identidade genética surgem no cenário jurídico brasileiro; porém, muitas delas sem resposta – e quando se fala de valoração ou dignidade da pessoa humana, as respostas acabam ficando cada vez mais distantes.

Para algumas pessoas a identidade genética pode parecer algo indiferente, contudo, para uma maioria, é de extrema relevância saber a sua origem, para que o ser humano não perca sua referência e muitas vezes o seu valor próprio, uma vez que a Constituição Federal (CF) estabelece o ser humano como centro de todo o ordenamento jurídico.

A pessoa humana deve ter sua valoração e sua dignidade também resguardada; afinal, o filho gerado pode ter acesso à sua identidade genética, tendo em vista ser este um direito personalíssimo, indisponível e intransferível.

Não se pode deixar de mencionar a questão da doação de órgãos entre familiares, quando em casos específicos de determinadas doenças somente na família biológica pode ser encontrado doador compatível. Daí a necessidade da identidade genética.

Todavia, acredita-se que um dos principais reflexos da proibição genética face à dignidade da pessoa humana seja a falta de respostas às

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mais variadas dúvidas e questionamentos que surgem no decorrer da vida, como por exemplo: explicações acerca da característica fenotípica, da índole e do comportamento social, das propensões ou resistências a certas doenças etc.

Em uma análise restrita, pode-se dizer que é indispensável que a pessoa gerada através de inseminação artificial heteróloga (IAH) possa saber a sua identidade genética, caso queira ou necessite, pois a identidade genética é reflexo do direito da personalidade.

É notório que a relação entre os avanços biotecnológicos e o direito tem ocupado destaque no âmbito jurídico. Afinal, essas novas técnicas de RHA causam impactos na sociedade, fazendo com que o direito assuma um papel crucial, visto ser uma ciência social.

Para acompanhar tais avanços e poder atender ao princípio da digni-dade da pessoa humana e da vida, em que o Estado constitucional e demo-crático de direito preconiza os direitos fundamentais da pessoa gerada por RHA, necessário se faz que os operadores do direito se desprendam de qualquer preconceito.

Contudo, esta pesquisa se restringe em discutir sobre o direito à identidade genética do filho gerado por inseminação artificial heteróloga, refletindo acerca das implicações consequentes desta identificação nas relações paterno-filiais.

Material e métodos

Para o pleno desenvolvimento deste trabalho foram consultados arquivos de jornais, revistas científicas e acervos bibliográficos existentes nas FIO – Faculdades Integradas de Ourinhos, Fundação Faculdade de Direito do Norte Pioneiro de Jacarezinho, Biblioteca Municipal Tristão de Atayde de Ourinhos, bem como bibliografia particular e fontes eletrônicas, basi-camente na internet. Após a coleta, foram fichados e catalogados, analisados e interpretados às luzes das teorias pertinentes.

Pretendeu-se também pesquisar a partir de fontes eletrônicas disponíveis na internet, como forma de complementar os materiais coletados, permitindo o confronto entre dados tradicionais e eletrônicos.

Resultados e discussão

A ciência e a tecnologia procuram contribuir para a vida humana ter melhoras significativas, tais como a engenharia genética, maior preocupação com o meio ambiente, vacinas contra determinadas doenças, sendo ainda que o direito procura através de um Estado Social diminuir estas diferenças.

Entretanto, ainda persiste a ideia de que tais problemas somente poderão ser resolvidos quando as pessoas se unirem para buscar realmente um bem comum, ou seja, serem solidárias e perseverantes para o bem de todos tendo como primazia a pessoa humana e não simplesmente o bem material (Barchifontaine, 2004).

Nas palavras do professor Cristian de Paul de Barchifontaine (2004, p.
15): “Eis a grande vocação da bioética!”

O referido professor afirma ainda que:

“Se bioética significa fundamentalmente amor à vida, tenho certeza de que nossas vozes podem convergir para estimulantes respostas a fim de melhorar a vida do nosso povo, bem como o nosso convívio, passando pelo respeito à dignidade da vida das pessoas” (2004,
p. 15).

Ainda, nessa senda, ensina: “Entendemos a bioética como a ética da vida, da saúde e do meio ambiente, tendo como finalidade o resgate da digni-dade da pessoa humana e da qualidade de vida frente aos progressos tecno-científicos e frente às políticas sociais e econômicas” (Barchifontaine, 2004, p. 16).

Vê-se, pois, imprescindível estabelecer-se, desde logo, uma relação entre a bioética e a ética.

Assim tem-se que a ética é um juízo de valores, no qual há sempre um julgamento, uma opção nas mais diversas situações polêmicas do dia a dia das pessoas.

Destarte, a bioética alcança a ética e a moral médica. Porém, não se pode enxergar a bioética como um componente estanque. Está vinculada a outros ramos da ciência, tais como os relacionados às ações humanas: a medicina, a sociologia, a filosofia, o direito e a biologia.

Não muito diferente, os avanços biotecnológicos têm colocado a humanidade frente a situações antes inimagináveis: inseminação artificial1, fecundação in vitro, barrigas de aluguel, engenharia genética2, transplantes de órgãos, clonagens, controle da dor e prolongamento da vida.

Diante disso, vários questionamentos foram surgindo como, por exemplo, até onde avançar sem agredir o ser humano? Que relação o indivíduo mantém com o seu genoma?3

Como controlar a crescente “biologização” do homem?

Não obstante a estes e outros questionamentos, surgiu o biodireito, cuja finalidade é a de preencher as lacunas da lei no tocante aos problemas da sociedade tecnológica, tendo em vista ser necessário à positivação dos avanços surgidos na sociedade pósmoderna.

Acerca da atuação do direito envolvendo o tema deste trabalho, Roberto Wider coloca que:

“Muito se fala, nos dias atuais, na reprodução humana assistida, no mapeamento do genoma, no prolongamento da vida mediante transplantes, em técnicas para alteração do sexo e na clonagem impondo-se, destarte, um questionamento profundo e abrangente referente à legitimidade e à pertinência da atuação do Direito, mais especificamente do Biodireito, nestas áreas, tendo como norte e parâmetro a preservação axiológica da dignidade humana” (2007, p. 02).

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A inquietação pelo saber não pode, ou mesmo não deve, ser reprimida. Mas cabe perquirir sobre o que se projeta à nossa frente, devendo a ciência jurídica refletir sobre a licitude e a ilicitude do avanço científico (Wider, 2007).

A respeito do tratamento jurídico que vem sendo dado às questões ligadas à genética, investigação de paternidade e reprodução assistida, entre outros, Roberto Wider observa o texto da professora Heloísa Barboza que diz:

“O encaminhamento das soluções jurídicas para todos os confrontos decorrentes desses fatos, ainda que distintos em sua causa e efeitos devam encontrar um ponto comum em princípios éticos, notadamente na valorização e preservação da dignidade e vida humana, hoje princípios constitutivos do nosso sistema. Por conseguinte, após a constitucionalização do Direito Civil, todas as respostas devem, necessariamente, estar embasadas nos princípios estabelecidos pela Constituição Federal pertinente à matéria, dentre outros: dignidade da pessoa humana, respeito aos direitos fundamentais, direito à vida, paternidade responsável...

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