Os princípios econômicos constitucionais e a positivação pela lei de falências e recuperação das empresas

AutorHenrique Afonso Pipolo
CargoMestre em Direito Negocial pela UEL na área de Processo Civil, Advogado, Professor
Páginas145-164

    Artigo extraído da Dissertação de Mestrado, apresentado ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu da Universidade Estadual de Londrina, tendo como orientadora Profª Drª Marlene Kempfer Bassoli.

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1 Introdução

A Lei de Falências e Recuperação das Empresas (Lei n. 11.101/05) superou o antigo Decreto-Lei n. 7.661/45 e procurou adequar seu conteúdo e procedimentos ao Código Civil de 2002 (Lei n. 10.406/02), de modo a positivar os ditames da ordem econômica inserida na Constituição Federal de 1988.

A Teoria da Empresa, inserida no Código Civil, apresenta o empresário e a empresa como pedras angulares e o substrato para a interpretação das normas jurídicas reunidas no Direito Falimentar. De acordo com Arnold Wald (2003, p. 854), as alterações trazidas pelo Código Civil de 2002, em relação às empresas e empresários, não acarretaram apenas mudança na terminologia. Para o referido autor,

Não há dúvida de que, no particular, houve não só uma mudança de terminologia, mas uma substancial modernização das regras legais aplicadas às empresas e ao empresariado. Atendeu-se à evolução tecnológica, mas também à nova função atribuída à empresa, que passou a exercer importante função social.

Sendo assim, verifica-se que as normas jurídicas reunidas no Direito Falimentar têm-se pautado no sentido de possibilitar a manutenção no mercado de empresas que enfrentam dificuldades financeiras, mas ainda viáveis, tendo em vista a importância do seu papel e função social.

A modificação da Lei de Falências, tão almejada por credores, por empresários e pela sociedade, positivou os princípios constitucionais econômicos. Deve trazer boas perspectivas para a coletividade e para o trabalhador, pois a empresa, autorizada a permanecer em funcionamento, possibilita cumprir sua função social; cria condições de manutenção do emprego; preserva o exercício da livre concorrência, e proporciona um ambiente para o desenvolvimento regional. AlémPage 147 do tratamento diferenciado no procedimento da Recuperação para micro e pequenas empresas, também positiva, em relação à falência, o princípio constitucional da celeridade processual. Isso porque permite uma maior agilidade na realização dos ativos do falido, proporcionando pagamento mais rápido aos credores.

2 A Lei Falimentar e de recuperação das empresas

O conjunto de dispositivos da Nova Lei de Falências (NLF) forma um todo de natureza mista, contando com normas de direito material e adjetivo. Apesar de levar o epíteto “Lei de Falências”, como herança do Decreto-Lei n. 7.661/45, o objetivo da legislação atual é evitar, o quanto possível, a decretação da quebra. Para cumprir esse desiderato o novo texto apresenta várias alternativas judiciais e extrajudiciais de recuperação das empresas, em estado de insolvência iminente, com a participação direta dos credores, e sob a fiscalização do administrador judicial e do Poder Judiciário.

Inspirada no capítulo 11 da Lei de Falências dos Estados Unidos1, a nova Lei de Falências brasileira não diz respeito apenas às empresas em estado de insolvência. Repercute, também, diretamente sobre a administração das empresas saudáveis e em funcionamento e das pessoas que com ela se relacionam, como sócios, gestores, funcionários, fornecedores, clientes, investidores, parceiros, e principalmente o Estado.

Destaca-se a função social que hoje a atividade empresarial exerce, responsável pela geração de riquezas, criação de empregos e renda, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social do país. Depois de esgotadas muitas possibilidades, a falência deve ser decretada. Assim, caberia epíteto melhor à nova legislação: “Lei de Recuperação Empresarial”.

No Brasil, ressalta-se que a nova lei pautou-se pelos mesmos interesses e objetivos dos sistemas que são utilizados em outros países. Existem dois tipos de procedimentos para recuperar a empresa: um judicial, onde o devedor, cumpridos os requisitos legais, apresenta seu plano de recuperação em juízo e, após a aprovação pelos credores, o juiz concederá a recuperação judicial; e outroPage 148 extrajudicial, onde o devedor apresenta o plano aos credores extrajudicialmente e, uma vez aceito, poderá ser apresentado em juízo para homologação.

3 Regime jurídico positivado para Lei de Falências e recuperação da empresa

A Lei n. 11.101/05 positiva o regime jurídico para os procedimentos da Falência e da Recuperação das empresas, apresentando princípios e regras específicas. Os princípios que fundamentam a Lei de Falência e Recuperação da Empresa estão voltados para a busca de soluções rápidas da crise e para a mantença da atividade empresarial. Quer-se viabilizar a tendência crescente do sistema legislativo e judiciário brasileiro de desburocratizar rotinas, simplificar e acelerar procedimentos, sem comprometer o formalismo necessário e inerente à juridicidade.

Para alcançar tais propósitos, referido regime jurídico das empresas em situação de falência ou recuperação é composto por vários princípios, dentre eles: o da preservação da empresa; da recuperação da empresa; da proteção aos trabalhadores; da celeridade e eficiência dos processos judiciais; da participação dos credores; e da valorização dos ativos do falido.

4 Recuperação empresarial

A Lei n. 11.101/05 (Lei de Falência e Recuperação Empresarial – LFR) trouxe o instituto da recuperação (judicial ou extrajudicial) em substituição à antiga concordata. Objetivou o legislador, ao máximo, proteger o empresário de uma possível decretação de falência, pois criou mecanismos para que uma sociedade empresária ou firma individual possa superar uma crise econômicofinanceira que momentaneamente esteja passando.

Através do instituto da recuperação é possível manter em funcionamento a empresa devedora preservando a manutenção da fonte produtora, o emprego e o interesse dos credores. Isso porque a função social da empresa passou a ser tutelada pelo ordenamento jurídico pátrio de forma mais agressiva e evidente, adequando a situação pretérita de individualidade aos anseios sociais da atualidade.

Em tempos onde o Estado não é capaz de cumprir com todas as suas responsabilidades mínimas, tenta-se transferir, para o particular, um pouco dessas responsabilidades. Visualizando nas empresas uma fonte de produção de riquezas que pode contribuir, em muito, com o desenvolvimento social, sentiu o legislador a necessidade de proteger um pouco mais o empresário que, por motivos variados, passar por momentânea crise econômico-financeira. Destarte, criou mecanismosPage 149 para que o empresário saia dessa situação de penúria vale dizer a recuperação judicial e extrajudicial.

O Art. 47 da LFR traz os objetivos da recuperação judicial: viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor; manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores; promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

A recuperação da empresa pressupõe um “acordo” com os credores. Na recuperação extrajudicial o devedor, conhecedor de suas dificuldades e preenchidos os requisitos legais (Art. 161 c/c 48 da LFR), convoca seus credores para que se manifestem sobre uma proposta (plano) de recuperação. Uma vez aceito o plano (mínimo de 3/5 dos credores de cada classe), o juiz homologará o plano para que surta seus efeitos.

Na recuperação judicial, uma vez cumpridos os requisitos legais (Art. 48 da LFR), o juiz deferirá o processamento da recuperação, devendo o devedor apresentar, em 60 dias da publicação do deferimento (Art. 53 da LFR), o plano para recuperação. Não havendo impugnação de qualquer credor em 30 dias, o juiz concederá a recuperação (Art. 58 da LFR). Caso exista impugnação, o juiz convocará a assembléia de credores que deverá se manifestar sobre o plano apresentado. Aprovado o plano, o juiz concederá a recuperação e, caso contrário, decretará a falência do devedor (Art. 56, §4º da LFR), salvo a exceção do Art.58, §1º da LFR (onde o juiz, mesmo diante da rejeição do plano pela assembléia dos credores e se constatada a presença dos requisitos deste artigo, poderá conceder a recuperação).

É certo que nem todas as dívidas da empresa serão englobadas no plano de recuperação, como, por exemplo, os tributários. Cuida-se de grande oportunidade para que o empresário possa reorganizar e reordenar sua atividade e sua situação econômico-financeira e superar a crise instalada. Não há uma unanimidade na doutrina em relação ao modelo de recuperação apresentado na Lei atual. Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 116) entende que a recuperação das empresas deveria ser realizada no âmbito do próprio mercado inicialmente, sem qualquer intervenção do Estado (Poder Judiciário). Isso se daria através de investimentos a serem realizados por empreendedores ou investidores que vislumbrassem naquela empresa - em dificuldade - uma certa viabilidade na continuação de suas atividades. Se não houvesse tal interesse pelo próprio mercado, a saída seria a falência. Para ele,

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