A dívida histórica do estado e a função do direito para o resgate da dignidade da pessoa humana na concretização da justiça social

AutorJoaquim José Marques Mattar
CargoAdvogado - Jornalista e Escritor - Pós-graduado em Direito
1. Introdução
1.1. O perfil étnico do Brasil – colônia e a imposição dos colonizadores

Aspectos controvertidos na antropologia histórica brasileira fazem com que os historiadores de respeitabilidade ilibada, coloquem de forma genérica, a influência dos colonizadores na formação histórica do país, trazendo a tona aspectos cruciais para o entendimento do atraso do desenvolvimento em que se encontra o Brasil de agora, na concretização de um plano social que possa repercutir de maneira decisiva na sociedade brasileira.

[...] Das três raças que entraram na constituição do Brasil duas pelo menos, os indígenas e africanos, trazem à baila problemas étnicos muito complexos. Se para os brancos ainda há certa homogeneidade, que no terreno puramente histórico pode ser dada como completa, o mesmo não ocorre com os demais. Os povos que os colonizadores aqui encontraram, e mais ainda os que foram buscar na África, apresentam entre si tamanha diversidade que exigem discriminação. (...) O estudo, sob este aspecto, das particularidades étnicas dos povos negros e indígenas do Brasil, e, sobretudo a análise das atitudes próprias que cada qual assume na história da formação brasileira, é matéria ampla que não foi ainda tentada de forma sistemática. Fornecem por isso ainda muito poucos elementos para a explicação de fatos históricos gerais, e temos por isso de nos contentar aqui, no estudo da composição étnica do Brasil, em tomar as três raças como elementos irredutíveis, considerar cada qual unicamente na sua totalidade. Com a Restauração volta-se à política antiga. Abre-se novamente a colônia aos estrangeiros. Nos tratados que se seguiram, permite-se-lhes, sobretudo aos ingleses e holandeses, a estes depois da paz da Haia (4 de agosto de 1661), não só se estabelecerem no Brasil, mas aí comerciarem, sujeitos apenas a algumas restrições. Mas isto não durou muito. Depois da descoberta do outro na colônia, inicia-se nova fase de restrições.2

A abertura do país aos estrangeiros estabeleceu critérios políticos, jurídicos e sociais impondo aos povos nativos da colônia, situações de dependência que estavam circunscritas as determinações de outros povos. Os traços autoritários de dominadores sobre dominados tinham como meta principal o comércio exploratório de recursos naturais, colocando a serviço dos interesses econômicos a mão-de-obra escrava, que não se limitava simplesmente aos negros contrabandeados da África pelos portugueses com o apoio dos ingleses; mas, acima de tudo, a ‘escravidão contumaz’ de brancos e índios nacionais, relegados como objetos, para atender os interesses liberais dos povos europeus denominados em sentido lato de ‘descobridores’.

[...] Tanto não era apenas o regime de colônia que artificialmente mantinha tal situação, que abolido ele com a Independência, vemo-la perpetuar-se. O Brasil não sairia tão cedo, embora nação soberana, de seu estatuto colonial a outros respeitos, e em que o “sete-de-setembro” não tocou. A situação de fato, sob o regime colonial, correspondia efetivamente à de direito. E isto se compreende: chegamos ao cabo de nossa história colonial constituindo ainda, como desde o princípio, aquele agregado heterogêneo de uma pequena minoria de colonos brancos ou quase brancos, verdadeiros empresários, de parceria com a metrópole, da colonização do país; senhores da terra e de toda sua riqueza; e doutro lado, a grande massa da população, a sua substância, escrava ou pouco mais que isto: máquina de trabalho apenas, e sem outro papel no sistema. Pela própria natureza de tal estrutura, não podíamos ser outra coisa mais que o que fôramos até então: uma feitoria da Europa, um simples fornecedor de produtos tropicais para seu comércio.3

Mesmo a independência proclamada em 1822, não retirou o Brasil de uma total dependência social, política, jurídica e econômica das determinações da Corte Portuguesa, criando cada vez mais um fosso de desigualdade e de desrespeito aos direitos inalienáveis do povo brasileiro, que se tornava cada vez mais ‘escravos’ dos interesses do comércio europeu. O pensamento liberal predatório, imposto pelos colonizadores, destruía em última análise as características psicológicas e culturais de um povo independente que deveria determinar sua própria história.

2. A Constituição de 1824 e o início da sonegação dos direitos constitucionais no Brasil

Esta Carta tinha, entre outras características, um sistema baseado em eleições indiretas e censitárias. Para votar e ser votado apontava requisitos quanto à renda. Isto denotava um caráter excludente na sociedade imperial, já que grande parte da população era composta por homens livres e pobres e por escravos.

Para a Câmara dos Deputados elegia-se inicialmente um corpo eleitoral que, posteriormente, seria responsável pela eleição dos deputados para um período de quatro anos.

A marca mais característica desta Constituição foi à instituição de um quarto poder, o Moderador, ao lado do Executivo, Legislativo e Judiciário. Este quarto poder era exclusivo do monarca e, por ele, o imperador controlava a organização política do Império do Brasil. Por meio do Poder Moderador o imperador nomeava os membros vitalícios do Conselho de Estado os presidentes de província, as autoridades eclesiásticas da Igreja oficial católica apostólica romana, o Senado vitalício. Também nomeava e suspendia os magistrados do Poder Judiciário, assim como nomeava e destituía os ministros do Poder Executivo.

Utilizando-se deste quarto poder, Dom Pedro I aprovava ou não as decisões da Assembléia Geral, além de convocar ou dissolver a Câmara dos Deputados. Dessa forma, o imperador concentrava um poder sem paralelo, o que demonstrava o caráter centralizador e autoritário da organização política do Império do Brasil. Tal situação não foi aceita por toda a sociedade imperial. Havia quem aprovasse quem calasse por temor e quem contestasse. O protesto mais violento partiu da província de Pernambuco e se transformou no episódio conhecido como Confederação do Equador.

O poder autoritário estampado na Carta Constitucional do Império, dava os primeiros sinais da violação de direitos do povo brasileiro, sustentado por interesse liberal da Coroa Portuguesa, que tentava de todas as maneiras descaracterizar os princípios democráticos, tão almejados pelos ‘donos da terra’, tentando colocar um ponto final na dominação portuguesa, que conseguiu disseminar o pensamento expropriatório, retendo poderes ditatoriais, amedrontando o Poder Judiciário, nomeando ao bel prazer e ao seu particular interesse os poderes instituídos pela Carta Constitucional, deturpando todo o pensamento de independência, repercutindo até hoje nas instituições políticas, jurídicas, sociais e privadas brasileiras, como se fosse uma ‘herança genética’ do desprezo do homem pela terra e de seus governantes para com seu povo, razão máxima da...

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