A Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais, a Liberdade do Trabalhador e o Cabimento do Habeas Corpus

AutorMin. Guilherme Augusto Caputo Bastos
Ocupação do AutorMinistro do TST. Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela CEUB e em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de León, na Espanha. Coordenador do Grupo de Estudos de Direito Desportivo Trabalhista
Páginas305-311

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Ver nota 1

Falar de liberdade é falar de sua evolução, falar de seus marcos históricos, de suas facetas, finalidades e alcance. Assim, passo a um breve retrato histórico, a fim de situar a discussão.

Originariamente, do latim "libertas"., o termo liberdade era empregado pelos romanos para diferenciar escravos (e prisioneiros) dos cidadãos. Apenas estes, os homens livres, possuíam autonomia e independência para se autodeterminar, para fazer suas escolhas, suas opções, suas decisões.

Sem perder de vista a antiga e estrita noção do termo liberdade, os avanços por que passaram a sociedade acabaram por alargar o referido conceito.

A Magna Carta de 1215, o Habeas Corpus Act de 1679, Bill of Rights (1688) e as Revoluções Americana (1776) e Francesa (1789) são, indubitavelmente, marcos históricos responsáveis pela atual conotação do que se convencionou chamar de direitos humanos de primeira dimensão. São direitos que "marcaram a passagem de um estado autoritário para um estado de direito", agora caracterizado pelo respeito às liberdades individuais.

Tais liberdades acabam por se fragmentar em diversas facetas, que, no campo dos direitos constitucionalmente estampados - os direitos fundamentais -, apresentam-se como sendo os direitos à:

  1. liberdade de consciência, crença e culto (art. 5º, v e vi);

  2. liberdadede atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação (art. 5º, ix e x);

  3. liberdade de profissão (art. 5º, xiii);

  4. liberdade de informação (art. 5º, xiv e xxxiii );

  5. liberdade de locomoção (art. 5º, xv e lxi);

Deste modo, originariamente, a finalidade do surgimento e codificação expressa destes direitos e garantias fundamentais era a proteção do indivíduo frente ao Estado, que, até então, pelo exercício despótico de sua soberania, acabava por submeter os indivíduos a desmandos. O homem era súdito e não cidadão. Não tinha o poder de escolha, mas o dever de se submeter a decisões estatais, não poucas vezes, despidas de qualquer base normativa.

Com o constante evoluir social destes direitos, a doutrina e a jurisprudência alargaram tal aplicabilidade. Hoje, referidos direitos fundamentais passam a ter aplicabilidade não só na relação verticalizada existente entre Estado e cidadão, mas, mais que isso, entre partes em patamares de poder equivalente (entre dois cidadãos, por exemplo) . É o que se convencionou chamar de eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Nesse esteio, o Supremo Tribunal Federal, no célebre julgado proferido no julgamento do RE n. 158.215/RS, rel. Min. Marco Aurélio, concluiu que "na hipótese de exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe a observância ao devido processo legal, viabilizando o exercício amplo da defesa".

Desta teoria não se afasta o campo trabalhista. No esteio do que preleciona Daniel Sarmento, entendo que a "eficácia irradiante" da dimensão objetiva dos direitos fundamentais alcança a todos poderes, seja o legislativo, ao editar leis; seja o executivo, ao administrar; seja o judiciário, ao resolver conflitos individuais; seja, ainda, em situações individuais havidas entre particulares.

Certos tais posicionamentos, o fato é que, havendo conflitos particularizados, tenham ou não sido estes deduzidos em juízo, deve-se observação aos direitos fundamentais estampados na Constituição Federal, sendo certo que estes direitos fundamentais merecem a interpretação que lhes dêem a máxima efetividade e o maior espectro possível.

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Dai o questionamento que surge: qual a abrangência do direito à liberdade de trabalho (art. 5º, XIII, da Constituição Federal) e qual sua relação com o direito à liberdade de locomoção (art. 5º, XV, LXI e LXVIII) e o cabimento de habeas corpus.

Em primeiro, deve-se ter em mente que o direito à liberdade de trabalho insculpido no art. 5º, XIII, da Constituição Federal, que é norma de eficácia contida, elucida que "é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Ou seja, salvo previsão expressa em lei, a aplicabilidade de tal norma é plena, direta e imediata, de modo que é livre, nos termos da lei, o exercício de qualquer profissão.

Mas não apenas. A liberdade de trabalho tem abrangência suficiente para, em alguns casos, alcançar a própria liberdade de locomoção, defensável por meio de seu competente remédio constitucional, o habeas corpus.

Isso porque obrigar um trabalhador a se ativar em localidade/empresa para a qual não tem mais a intenção de prestar serviços, não se compactua com a garantia constitucional do livre exercício profissional, mas, mais ainda, não se compactua com a garantia de liberdade de locomoção, o que autoriza, em tese, o cabimento da medida inscrita no art. 5º, LVIII, da CF, que preconiza o cabimento do habeas corpus "sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

Explico-me.

No âmbito trabalhista, o estudo do cabimento do habeas corpus encontra-se inevitavelmente atrelado à alteração da competência material implementada no art. 114 da Constituição Federal, que foi ampliada com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004.

Até a edição da referida emenda constitucional, existia, no âmbito jurisprudencial, forte divergência acerca da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o remédio constitucional em questão.

Essa controvérsia, todavia, restou superada pela dita ampliação de competências, de forma que, por meio da Emenda Constitucional n. 45/2004, restou expressa a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o "(...) Habeas corpus (...), quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição".

Por conta da alteração constitucional e, talvez, por ser o habeas corpus rotineira e principalmente utilizado para se questionar atos da esfera penal, surgiu nova controvérsia, agora, a respeito dos limites da competência da Justiça do Trabalho.

Teria ela passado a ter competência criminal?

O excelso Supremo Tribunal Federal, então, no julgamento da medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade n. 3.684-0/DF, concluiu que "o disposto no art. 114, incs. I, IV, e IX, da constituição da república, acrescidos pela Emenda Constitucional n. 45, não atribui à Justiça do Trabalho competência para processar e julgar ações penais".

Neste ínterim e especialmente após a declaração do Supremo Tribunal Federal de que não caberia prisão do depositário infiel (Súmula Vinculante n. 30), muitos passaram a entender que esvaziado estaria o artigo 114, IV, da Constituição Federal, de modo que, praticamente, não mais haveria hipóteses em que esta Justiça do Trabalho poderia apreciar habeas corpus, como lhe autorizou o referido dispositivo constitucional.

A meu ver, um tanto quanto levianos tais posicionamentos.

Valendo-me das lições do e. Ministro Cezar Peluso, do Supremo Tribunal Federal, nota-se que a inexistência de competência...

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