A Eficácia Horizontal do Direito Fundamental à Liberdade Sindical nas Relações de Trabalho

AutorJosé Roberto Freire Pimenta; Raquel Betty de Castro Pimenta
Páginas382-397

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Introdução

A proteção do direito fundamental à liberdade sindical é imprescindível para a preservação e a evolução do próprio Direito do Trabalho, construído e defendido através da atuação do movimento sindical. Com efeito, o sindicato exerce um papel de extrema relevância para a criação e efetivação dos direitos trabalhistas, sendo imprescindível para promover o equilíbrio da relação capital-trabalho e lutar continuamente pela melhoria das condições de trabalho na ordem socioeconômica.

Entretanto, o sindicato não consegue desempenhar plenamente as suas funções se estiver sujeito, a todo momento, a violações à liberdade sindical. Dessa forma, para proteger o sindicato e, por via reflexa, o próprio Direito do Trabalho, torna-se necessário tutelar o direito fundamental à liberdade sindical, considerado condição para a atuação dos demais direitos trabalhistas.

No presente trabalho, procura-se enfatizar a liberdade sindical sob a óptica da eficácia horizontal dos direitos fundamentais nas relações de trabalho, não adentrando nas questões relativas à interferência do Estado ou nas importantes discussões acerca da unicidade ou da contribuição sindical obrigatória.

Não se pretende, com isso, desmerecer os debates acerca da importância da reforma da estrutura sindical brasileira, mas simplesmente direcionar o exame deste direito fundamental para os aspectos relacionados à autonomia e auto-organização sindicais não só perante o Estado, mas também frente aos empregadores. Isso decorre do entendimento de que, sem a proteção da liberdade sindical em relação a condutas antissindicais também praticadas pelos empregadores, não há como garantir eficácia real ao direito dos trabalhadores de desenvolver livremente atividades sindicais e ao direito e prerrogativa de suas entidades representativas de atuar em prol do cumprimento efetivo das normas trabalhistas (sejam elas constitucionais e infraconstitucionais, de um lado, e heterônomas e autônomas, de outro) e da conquista de novos direitos, através da negociação coletiva e da autotutela (através de seu instrumento por excelência, constitucionalmente assegurado - a greve).

1. O direito fundamental à liberdade sindical

A liberdade sindical é consagrada internacionalmente como direito humano fundamental. Seu reconhecimento é fruto de lutas de sindicatos de todo o mundo, em reivindicações por melhores condições de trabalho e por direitos sociais e políticos.

A expressão direitos humanos é preferida nos documentos internacionais, como ensina José Afonso da Silva1, e remete à noção de Direito Natural, como inerente à natureza humana. No entanto, adota-se neste trabalho a noção de direito fundamental2, a qual se distingue da primeira na medida em

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que se refere a prerrogativas e garantias concretizadas no direito positivo sem as quais a pessoa humana não se realiza, devendo não apenas ser reconhecido a todos, por igual, como também concreta e materialmente efetivados3.

Os direitos fundamentais são, portanto, direitos universais - já que se dirigem, no plano normativo, a todos os membros da sociedade - e possuem como características a historicidade, a inalienabilidade, a imprescritibilidade e a irrenunciabilidade4.

A liberdade sindical é um direito fundamental, fruto de longo processo de lutas, disputas e conflitos, em que foi se afirmando a partir da constituição das identidades coletivas dos trabalhadores e da afirmação do sindicato como sujeito histórico contraposto ao poder da burguesia industrial do século XIX. Foi o primeiro direito fundamental consagrado formalmente em um tratado internacional, e o primeiro a contar com um mecanismo próprio de proteção internacional, no âmbito da Organização Internacional do Trabalho5.

O reconhecimento da liberdade sindical como direito fundamental, nas lições de Maíra Neiva Gomes6, coaduna-se com a busca pela democracia de fato, que possibilite a distribuição de poder na sociedade, de modo que o trabalhador e seu sindicato se insiram na sociedade como construtores de uma sociedade pluralista e democrática7.

Nesse mesmo sentido pronuncia-se Mauricio Godinho Delgado: após salientar que o Direito Coletivo do Trabalho (que também chama de Direito Sindical) é notável expressão e mecanismo de democratização da sociedade civil, especialmente em seu âmbito social e econômico, permitindo o alcance de fórmulas mais participativas e equânimes de gestão social no mundo do trabalho, aponta ele a liberdade sindical expressamente consagrada nos incisos I e V do art. 8º da Constituição de 1988 como um dos princípios e regras coletivos que integram o seu núcleo inexpugnável, que são essenciais para a configuração do projeto normativo constitucional de realizar no Brasil um Estado Democrático de Direito e sem os quais não se pode falar na presença desse paradigma8.

Dentre os diplomas originados no âmbito da Organização das Nações Unidas - ONU, são vigentes em nosso país as disposições da Declaração Universal dos Direitos Humanos9; do Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; e do Pacto dos Direitos Civis e Políticos10. Eles destacam a liberdade sindical como direito humano fundamental, indispensável nas sociedades democráticas e pluralistas.

Regionalmente, na esfera de relações internacionais nas Américas, o Brasil ratificou a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)11, com seu Protocolo Adicional em Matéria de Direitos Humanos (Protocolo de San Salvador)12, e a Declaração Sociolaboral do Mercosul13, que também preveem o direito fundamental à liberdade sindical.

No tocante às convenções provenientes da Organização Internacional do Trabalho - OIT, são vigentes no ordenamento brasileiro a própria Constituição da OIT e suas alterações pela Declaração da Filadélfia e emendas posteriores14 e diversas das Convenções deste organismo internacional.

Merece especial destaque a Declaração sobre os Princípios Fundamentais e Direitos no Trabalho de 1998, aprovada pelo voto unânime dos delegados presentes à 86ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT, realizada em Genebra em junho daquele ano, visando a prover um patamar mínimo para o desenvolvimento de relações humanas e democráticas no ambiente de trabalho e a atribuir a todos os Membros da Organização a responsabilidade inescusável pela implementação universal desse objetivo. Estabelece essa Declaração que todo país-membro da OIT se compromete, como mera consequência de sua filiação a esse organismo internacional, a respeitar, promover e implementar quatro princípios fundamentais, sendo o primeiro deles exatamente a liberdade de associação (isto é, a liberdade sindical) e negociação coletiva15.

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Dentre as principais Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil, importante registrar a Convenção n. 98, que dispõe sobre direito de sindicalização e negociação coletiva, uma das Convenções Fundamentais da Organização, bem como as Convenções n. 135, sobre proteção de representantes de trabalhadores; n. 141, sobre organizações de trabalhadores rurais; n. 151, sobre direito de sindicalização e relações de trabalho na Administração Pública; e n. 154, sobre fomento à negociação coletiva16.

Lelio Bentes Corrêa acentua que o direito à liberdade sindical ocupa lugar de destaque na atuação da OIT em virtude de seu caráter de direito de acesso, capaz de assegurar a efetiva fruição dos demais direitos consagrados nas normativas interna e internacional, bem como de viabilizar novas conquistas dos trabalhadores17.

Na Constituição Brasileira de 1988, especificamente no tocante à liberdade sindical, são importantes as disposições do art. 8º, caput e incisos I e V:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; (...)

V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; (...) (BRASIL, 1988, grifos nossos).

São importantes, ainda, os incisos III e VI do mesmo artigo, os quais dispõem acerca das funções e atribuições exercidas pelo sindicato para a defesa dos interesses de seus representados, assegurando a ele o papel exclusivo, no polo dos trabalhadores, de agente de criação de normas autônomas, através da negociação coletiva:

Art. 8º (...)

III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; (...)

VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; (...) (BRASIL, 1988).

Outros dispositivos da mesma Norma Fundamental ressaltam a importância da negociação coletiva levada a efeito pelos sindicatos, como o art. 7º, XXVI, que, em combinação com o caput do mesmo preceito constitucional, prevê o reconhecimento das normas coletivas como direito fundamental social dos trabalhadores urbanos e rurais, sempre visando à melhoria de sua condição social, e o art. 114, §§ 1º e 2º, que enfatiza sua prioridade em relação à utilização da arbitragem coletiva ou ao ajuizamento de dissídio coletivo perante a Justiça do Trabalho18.

Esta posição de destaque dada pela Constituição de 1988 à negociação coletiva também indica o status constitucional da liberdade sindical, já que sem ela não é possível ao sindicato exercer fielmente o seu papel na criação e preservação do Direito do Trabalho: é principalmente a negociação coletiva que dá legitimação ao sindicato.

Fica claro, a partir de todas estas normas, que a...

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