Homoparentalidade: uma realidade

AutorCarlos José Cordeiro/Josiane Araújo Gomes
Páginas45-66

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Ver Nota12

1 O direito à igualdade

A igualdade é almejada por todos e em todos os tempos. A Constituição Federal, já em seu preâmbulo, assegura “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos [...]”.

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Erigido o respeito à dignidade da pessoa humana como cânone fundamental de um Estado Democrático de Direito3, é a igualdade o princípio mais reiteradamente invocado na nossa Carta Magna. De modo expresso4, é outorgada específica proteção a todos, vedando discriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade. Também ao elencar os direitos e garantias fundamentais, é a igualdade a primeira referência da Constituição Federal. O art. 5º começa dizendo: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”. Esse verdadeiro dogma é repetido já no seu primeiro inciso5, ao proibir qualquer desigualdade em razão do sexo.

No entanto, de um fato não se pode escapar: ainda que buscada de maneira incansável, a igualdade não existe. De nada adianta a Lei Maior assegurar iguais direitos a todos perante a lei, dizer que os homens e as mulheres são iguais, que não se admitem preconceitos ou qualquer forma de discriminação. Enquanto houver tratamento desigualitário em razão do gênero e a homossexualidade for vista como crime, castigo ou pecado, não se estará vivendo em um Estado que respeita a dignidade humana, tendo a igualdade e a liberdade como princípios fundamentais.

2 Os direitos chamados humanos e suas gerações

O processo de socialização por que passou o Estado contemporâneo ensejou um crescimento contínuo e a ampliação subjetiva e objetiva dos direitos. A igualdade juntamente com a liberdade são os princípios fundantes dos direitos humanos.

A sociedade politicamente organizada assegura direitos subjetivos gerais. A busca de realização integral de todo o direito subjetivo sofre os reflexos da convivência social. Para que melhor se assegurem direitos a certos sujeitos ativos contra um, alguns ou todos os sujeitos passivos, em função de um objeto, valor ou bem, existem critérios didáticos que buscam sistematizar a evolução contínua

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dos direitos do homem e do cidadão, aos quais hoje se prefere chamar direitos humanos.

Os direitos humanos revestem as relações jurídicas por elas enlaçadas de condições teleológicas e axiológicas específicas, para realizar nos sujeitos dessas relações a humanidade comum de todos os sujeitos: a comunidade humana.6Cabe lembrar que a divisão dos direitos em gerações não quer dizer que se trata de uma sucessão de direitos em conflito, nem revela incompatibilidade de sujeitos e objetos.

A doutrina, na tentativa de classificar os direitos humanos, desdobra-os em gerações. Ainda que se deva pôr em xeque a existência de gerações de direitos, a separar direitos que tiveram uma evolução contínua, não há dúvida de que a história dos direitos humanos começou com a afirmação da liberdade como valor fundamental da sociedade política, obra do liberalismo, na passagem do século XVIII para o XIX.

Os direitos consagrados pela Declaração francesa de 1789 passaram a ser considerados a primeira geração de direitos. Voltada para as relações sociais em geral, busca garantir o próprio indivíduo, libertando todos e cada um do absolutismo de um ou de alguns. Originariamente, foram os súditos que buscaram se libertar do absolutismo do monarca e seus agentes. São direitos individuais quanto à titularidade, tendo por objeto a liberdade. A tentativa foi de, estritamente em função do interesse comum, admitir restrições aos direitos subjetivos tão-só por meio da lei, por ser expressão da vontade geral. Buscando a preservação da liber-dade individual, caracterizam-se os direitos chamados de primeira geração como imposição de limites ao Estado, gerando-lhe obrigações de não-fazer.

Já os direitos de segunda geração têm por objeto assegurar o direito à igual-dade, no sentido de equalizar a sociedade. Surgiram a partir da Constituição de Weimar, de 1919. São chamados direitos sociais, positivados como direitos econômicos, sociais e culturais, visando a igualar os desiguais na medida em que se desigualam. Objetivam o adimplemento de obrigações de fazer pelo Estado, atitudes positivas para superar a mera igualdade formal de todos perante a lei, herança da primeira geração. É a busca da igualdade material, igualdade de oportunidades, ações e resultados, entre partes ou categorias sociais desiguais, para as-

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segurar a participação efetiva da cidadania, por meio do implemento de políticas públicas, e ações afirmativas.

Na passagem do Estado Liberal para o Estado Social de Direito, cuja plenitude jurídica é o Estado Democrático de Direito, surgem os direitos de terceira geração. Sobrevindos à Segunda Guerra Mundial, quando o gênero humano se mostrou técnica e moralmente capaz de se autodestruir, tal suscitou a solidarie-dade de todos os indivíduos e categorias da sociedade humana diante de uma possível destruição das condições necessárias à vida do próprio ser humano. Os direitos de solidariedade querem garantir não só o indivíduo contra o indivíduo, mas a humanidade contra a própria humanidade, genericamente considerada. Têm por finalidade assegurar a dignidade humana pelo implemento de todas as condições gerais e básicas que lhe são necessárias, postas como direitos difusos de toda a humanidade. Na busca de um Estado de Direito pleno, produzido pela conversão de todos os direitos fundamentais em direitos humanos difusos e integrais, cuja titularidade sujeite todos os indivíduos da espécie humana e cujo objeto compreenda todos os valores da dignidade humana.

Nessa terceira era, aparecem direitos difusos quanto à titularidade subjetiva e, quanto ao objeto, direitos de solidariedade. Com eles, a evolução dos direitos humanos atinge o seu ápice, a sua plenitude subjetiva e objetiva: são direitos humanos plenos, de todos os sujeitos contra todos os sujeitos, para proteger todos os objetos que condicionam a vida humana, fixados em valores ou bens humanos, patrimônio da humanidade, segundo padrões de avaliação que lhe garantam a existência com a dignidade que lhe é própria. São os direitos humanos por excelência, integrais, a promover a integração de todos os sujeitos e objetos da humanidade. Traduzem o humanismo íntegro: a humanidade, em toda a sua plenitude, subjetiva e objetiva, individual e social, segundo Sérgio Resende de Barros.7

3 O direito humano à sexualidade

A sexualidade integra a própria condição humana. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade da livre orientação sexual.

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Todo e qualquer assunto ligado ao tema da sexualidade é sempre envolto em uma aura de silêncio, desperta enorme curiosidade e gera profundas inquietações. Há uma tendência a conduzir e controlar o exercício da sexualidade, o que leva a emitir-se um juízo moral voltado exclusivamente ao comportamento sexual.8Ao serem visualizados os direitos de forma desdobrada em gerações, evidencia-se que a sexualidade é um direito do primeiro grupo, pois compreende o direito à liberdade sexual, aliado ao direito de tratamento igualitário e independente da tendência sexual. Trata-se, assim, de uma liberdade individual, um direito do indivíduo, sendo, como todos os direitos de primeira geração, inalienável e imprescritível. É um direito natural, que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza, do mesmo modo que a liberdade e a igualdade.

De outro lado, não se pode deixar de considerar a livre orientação sexual como um direito de segunda geração, dando origem a uma categoria social merecedora de proteção diferenciada. A hipossuficiência não cabe identificada somente pelo viés econômico. Devem assim ser reconhecidos todos os segmentos alvo do preconceito ou discriminação social. A hipossuficiência social leva, por reflexo, à deficiência de normação jurídica, deixando à margem ou à míngua do Direito certos grupos sociais. Como a homossexualidade é pressuposto e causa de um especial tratamento dispensado pelo Direito, não se pode deixar de reconhecer como juridicamente hipossuficiente essa categoria por ser socialmente e, por reflexo preconceituoso, marginalizada.

Igualmente o direito à sexualidade avança para ser inserido como um direito de terceira geração. Esta compreende os direitos decorrentes da natureza humana, mas não tomados individualmente, porém genericamente, solidariamente, a fim de realizar toda a humanidade, de maneira integral, abrangendo todos os aspectos necessários à preservação da dignidade humana. Impositivo enxergar o direito de todo ser humano de exigir o respeito ao livre exercício da sexualidade. É um direito de todos e de cada um, que deve ser garantido a cada indivíduo por todos os indivíduos. Portanto, é um direito de solidariedade, cuja exclusão não permite que a condição humana se realize, se integralize.

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4 O direito a uma família

No âmbito das relações familiares, é onde mais se evidencia a tendência de engessar os vínculos afetivos segundo os valores culturais dominantes em cada época. Por influência da religião, o Estado limitou o exercício da sexualidade ao casamento, como uma instituição inicialmente indissolúvel, que regula não só sequelas de ordem patrimonial, mas a própria postura dos cônjuges, impondo-lhes deveres e assegurando direitos de natureza...

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