Homologação e execução de sentença arbitral estrangeira no STJ

AutorMarco Aurélio Gumieri Valério
Páginas193-203

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Introdução

Fenómenos em constante evolução, as relações negociais transformam-se conti-nuadamente, modernizadas pelas frequentes transações entre empresas sediadas em diferentes países.

A velocidade com que os acordos são fechados, as mercadorias circulam é a riqueza é transferida, exige que eventuais conflitos sejam solucionados em tempo hábil, impondo a preferência por um método de resolução de controvérsias especializado e informal.

A arbitragem apresenta-se, assim, como um instrumento em consonância com o dinamismo da economia de mercado, tor-nando-sé um dos procedimentos de maior aceitação no mundo dos negócios. A inserção do instituto no comércio internacional . foi tamanha que se pode afirmar serem escassas as áreas que não a tenham escolhido como principal forma àe composição de litígios.

As sentenças arbitrais estrangeiras são normalmente cumpridas de forma voluntária, até porque as partes envolvidas têm no-çãô dos efeitos negativos em futuros contratos advindos do inadimplemento. O con-sequente abalo na imagem não impede, todavia, que o descumprimento da decisão ocorra até com uma certa frequência.

Nesse caso, só resta à parte adimplente pleitear o reconhecimento da sentença arbitrai estrangeira junto ao órgão judiciário competente do país em que a decisão deverá surtir seus efeitos. Esse juízo de admissibilidade, que reconhecerá a validade e a eficácia da decisão perante o ordenamento jurídico interno, é denominado de exequatur.

No Brasil, o processo de homologação e execução de sentença estrangeira acaba de passar por profundas alterações.

Publicada no dia 31 de dezembro de 2004, a Emenda Constitucional n. 45 trouxe, em seu bojo, a transferência de competência do STF (Supremo Tribunal Federal) para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), para processar e julgar, originariamente, o reconhecimento de sentenças arbitrais alienígenas.

Aspecto pouco debatido da Reforma do Judiciário, os efeitos do novo àrt. 105, I, i, da Constituição Federal de 1988 são imediatos, assim, todas as ações do exequatur ainda não julgadas serão remetidas do STF para o STJ.

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Nessa mesma data, no intuito de garantir a segurança jurídica, antecipando-se em suas novas responsabilidades, a Presidência do STJ editou a Resolução n. 22, que sujeitou tais feitos, transitoriamente, aos ritos previstos nos arts. 215 a 224 para homologação e execução de sentença estrangeira do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal - RISTF. Por meio de seu art. 1°, parágrafo único, a Resolução n. 22/2004 conferiu, à Corte Especial do STJ, as competências atribuídas anteriormente ao Plenário do STF, enumeradas nos arts. 219, parágrafo único, 223 e 228, parágrafo único do RISTF.1

Além disso, foi emitido pelo Presidente do STJ, Ministro Edson Vidigal, o Ato n. 15, de 16 de fevereiro de 2005, delegando ao Vice-Presidente do Tribunal, Ministro Sálvio de Figueiredo, a competência para o exequatur.2

Estes dois dispositivos, todavia, foram expressamente revogados pelo art. 15 da Resolução n. 9, de 4 de maio de 2005, que dispôs, ainda em caráter transitório até que se estabeleça um regimento interno próprio para tal finalidade, sobre a competência acrescida ao STJ pela EC n. 45/20043

Partindo-se da premissa de que o reconhecimento de sentenças arbitrais estrangeiras é hodiernamente assunto de importância inequívoca para o país, esse traba-lho tem por escopo analisar suas novas cores e mais recentes tons.

1. Homologação de sentença estrangeira

O trâmite de execução de uma sentença estrangeira, em sentido amplo, compreende duas etapas, quais sejam, seu reconhecimento e sua posterior execução.

O reconhecimento de sentença estrangeira é também chamado de procedimento de exequatur. Consiste, basicamente, na declaração feita por um Estado de que se submete à execução de uma sentença emanada por outro Estado. Em outras palavras, a decisão proferida num ordenamento jurídico estrangeiro passa a ter a mesma validade que uma decisão exarada por um órgão jurisdicional nacional.

Este reconhecimento é feito após um exame realizado por órgão judiciário do país onde se pretende executar forçosamente a sentença estrangeira com vistas a determinar se ela fere as leis locais ou viola a ordem pública interna.

O exequatur é, assim, o trâmite processual por meio do qual a justiça estatal exerce controle sobre alguns dos elementos e dos aspectos da sentença estrangeira, seja arbitrai ou estatal, para obter uma declaração no sentido de que ela goza das condições exigidas pela lei interna ou tratado aplicável para ser executada.

Cumpre frisar que ela não implica numa análise de mérito, mas apenas numa avaliação de requisitos meramente formais.

2. Leis internas e ordem pública

A autonomia da vontade pode ser definida como a liberdade de contratar, de criar direitos. Todavia, como nenhum princípio é absoluto, este tem por limites as reservas impostas pelo ordenamento jurídico de cada país. Tais restrições se mostram ainda mais significativas quando se cuida da homologação e da consequente execução de sentença estrangeira.

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Entre os obstáculos à autonomia da vontade encontram-se as leis internas e a ordem pública. Uma violação a qualquer desses dois elementos conduzirá fatalmente ao não reconhecimento de uma sentença alienígena.

Assim sendo, as partes, ao convencionarem a arbitragem como meio de resolução de controvérsias, precisam de muita cautela. Embora a ratificação de convenções e tratados internacionais sobre o instituto aponte para uma tendência de harmonização das regras que regem o instituto, o tratamento dispensado por cada Estado à arbitragem ainda não é homogéneo.

É bem possível que uma matéria assunto de arbitragem segundo o ordenamento jurídico de um determinado país possa não o ser em outro. A sentença arbitrai proferida sob as regras de um ordenamento jurídico, que verse sobre tema estranho ao obje-to de arbitragem noutro, poderá ter sua homologação e execução denegada. Nesse sentido dispõe, por exemplo, o inciso I do art. 39 da Lei n. 9.307/1996. No Brasil, a recusa será dada de ofício pela autoridade competente do pedido de reconhecimento da referida sentença, no caso, o STJ, independentemente de provocação da parte contrária.

Também motivo de preocupação no reconhecimento de sentença arbitrai estrangeira, a ordem pública pode ser definida como o conjunto de normas que não podem ser alteradas pela vontade particular, caracterizando-se como fator de resistência ao pleno exercício de liberdade das partes.

Nem todos os autores distinguem, mas a ordem pública pode ser dividida em duas: (a) ordem pública interna ou nacional, que é o limite estabelecido pela legislação, restringindo a liberdade individual, as disposições e convenções particulares que ferem os princípios fundamentais da organização social de um estado soberano; e (b) ordem pública internacional ou externa, que é o limite que um estado soberano opõe à validade extraterritorial de leis estrangeiras, atos e sentenças de outro país. É também chamada de ordem pública do direito internacional privado.

Há quem sustente, a exemplo de Ha-roldo Valladão e Clóvis Beviláqua, que esta ordem pública internacional pode ser interpretada no sentido de uma ordem jurídica internacional que condena o racismo, a poligamia, a escravidão, o confisco de bens de pessoas inocentes ou outras infrações aos princípios morais da comunidade internacional, embora sem negar os efeitos patrimoniais desses fatos.4

O certo é que a ordem pública ainda é um forte elemento limitador à homologação e execução de sentenças arbitrais alienígenas, embora se perceba um relativo abrandamento em seus efeitos. Há uma tendência na jurisprudência em se considerar imprópria a aplicação da ordem pública nacional, restringindo a recusa de reconhecimento somente àqueles casos em que a internacional for violada.

Embora tenha havido uma evolução no sentido de se limitar os casos de denegação de homologação e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, não se pode ignorar que as leis internas e a ordem pública ainda persistem como entraves não apenas no Brasil, mas no ordenamento jurídico de diversos países, como se demonstrará a seguir.

3. Sentença arbitrai estrangeira

A Lei n. 9.307/1996 conceitua sentença arbitrai estrangeira em seu art. 34, parágrafo único, como aquela proferida fora do território nacional. A Convenção de Nova Iorque de 1958, parte do mesmo princípio, porém, em seu art. I, o amplia, permitindo

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que o Estado no qual é requerido o reconhecimento e a execução da sentença arbitrai alienígena aplique suas regras a todas as sentenças tidas como estrangeiras conforme sua legislação interna.

Anteriormente à Lei de Arbitragem, o sistema vigente de reconhecimento de sentenças arbitrais alienígenas era o de dupla homologação. A sentença deveria ser sancionada pelo órgão judiciário competente no seu país de origem para, posteriormente, ser homologada pelo órgão judiciário competente brasileiro.

Essa regra gerava, além da inconveniência burocrática, situações surreais em que sentenças arbitrais estrangeiras não eram homologadas simplesmente pelo fato de que no ordenamento jurídico do país em que foi proferida, não havia a previsão de sua primeira homologação, o que tornava logicamente impossível, sua segunda homologação.5

Coerentemente, o legislador acabou com essa necessidade e, para essa mesma sentença ser reconhecida ou executada, basta, tão somente, sua homologação, a princípio, pelo STF, hoje, pelo STJ.

A Lei de Arbitragem dispõe no caput do art. 34, que a sentença será reconhecida ou executada no Brasil em conformidade com as regras...

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