História do Sindicalismo

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Ocupação do AutorDoutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Páginas50-71

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Apresentadas as noções introdutórias a respeito do Direito Sindical, de forma a situá-lo dentro da Ciência do Direito, faz-se necessário, agora, verificar a evolução histórica do sindicalismo.

Isto é importante para que se possa compreender a forma como são vistos os diversos institutos que compõem o Direito Sindical, bem como para que se possa ter a noção de como foram e são construídas as normas que regulam as relações coletivas de trabalho.

Como afirma António Álvares da Silva, "o Direito é, por natureza, uma ciência histórica. Não se pode prescindir da análise das formas de sua apresentação no tempo para se ter a perspectiva exata do seu conteúdo"1

Não pretendemos, neste capítulo, apresentar o tema de forma extensa, mas apenas fixar, dentro da História, a evolução, no tempo, deste fenómeno, a união das pessoas com o fim de defender seus interesses económicos e profissionais.

Para isto, fizemos sua divisão em dois itens, a evolução histórica do sindicalismo no mundo e no Brasil, partindo do geral para o particular, ou seja, primeiro apreciando o tema sob o prisma do sindicalismo no mundo para, depois, apreciar a evolução no Brasil.

Importante observar que a análise é feita não somente no plano dos fatos ocorridos nos diversos períodos, mas, também, com base na evolução legislativa, principalmente no Brasil, pois ela demarca as várias fases pelas quais passou o sindicalismo, até nossos dias.

Ressalte-se, também, que a análise histórica que será feita neste capítulo não impede que seja ela retomada em alguns pontos do estudo que está sendo desenvolvido.

É que, vez por outra, será imperioso rememorar os antecedentes históricos de institutos próprios do Direito Sindical e que não foram, de forma profunda, relatados neste capítulo que, como dito, destina-se a uma apresentação genérica da evolução no tempo do sindicalismo.

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2.1. No mundo

Os autores, quando tratam da evolução histórica do sindicalismo, normalmente referem-se a fatos ocorridos antes da Revolução Industrial e da supressão das corporações de ofício.

Fazem isto, entretanto, sem afirmar terem sido estes fatos antecedentes o embrião do sindicato, nos moldes que conhecemos, a partir daqueles fatos acima indicados.

Desse modo é que, mesmo que tenha existido qualquer forma de associativismo na antiguidade, não existiu ele nos moldes que devem ser considerados para as associações de trabalhadores surgidas a partir do início do trabalho fabril.

Da mesma forma em relação à Grécia e a Roma.

Assim é que, para Alfredo J. Ruprecht, tratando ele da antiguidade, "é muito difícil pretender achar nas uniões daqueles tempos, semelhanças com os sindicatos modernos"2

António Álvares da Silva, sobre a antiguidade, entende que não há sentido em pesquisar sobre ela, quer pela falta de detalhes históricos, quer pela ausência de espírito classista3. O mesmo autor, sobre a Grécia, demonstra as razões pelas quais a experiência do povo grego não deve ser considerada, afirmando, ao final, que: "Considerando o trabalho como coisa desprezível e não possuindo o cidadão nenhuma liberdade individual, é evidente que o associacionismo está fora de cogitação neste período histórico"4

Sobre os Collegia romanos, eram eles associações com fins religiosos, como se verifica na doutrina sobre a matéria, como, por exemplo, Mozart Victor Russomano, que informa que os Colégios eram subdivididos em Collegia compitalitia, que eram confrarias religiosas, e Collegia artificum vel opificum, que reunia artistas e artesãos, sem perder, todavia, um caráter místico, revelado através do culto coletivo aos deuses, além de existir, ainda, associações políticas ou eleitorais, denominadas de sodalitates, sodalicia ou factiones5.

Ainda sobre os Collegia, leciona António Álvares da Silva que eles não se prestavam a organizar a profissão, sendo instituições religiosas, concluindo pela falta de liberdade para a identificação de qualquer ideia classista6

As guildas, próprias dos povos germânicos e saxônicos, também não apresentavam características que as possam identificar com o sindicalismo. Elas, segundo Ruprecht, eram de três ordens: religiosas, de mercadores e de artesãos, tendo origem no

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costume germânico de resolver questões vitais durante as refeições, com os assistentes comprometendo-se, por juramento, à defesa mútua7

Para Russomano, é plausível afirmar que, no início, as guildas eram religiosas e de assistência recíproca, passando, depois, a ter fins políticos, comerciais, artesanais etc.8, não se nos apresentando nenhum indício que as ligue ao moderno sindicalismo.

Os dois autores, entretanto, referem-se à ligação entre as guildas e as corporações de ofício da Idade Média, que decorre do fato de, em determinado momento, ter sido introduzido nos programas de ação das primeiras o aprendizado.

As últimas, as corporações de ofício, constituem importante forma de associação na Idade Média. Segundo António Álvares da Silva, "nasceram do movimento comercial que se verificou na Idade Média, por volta do século XN"9, tendo nítida finalidade económica, muito embora se tenham prestado a organizar a profissão10».

Eram formadas por mestres, companheiros e aprendizes, dispostos, conforme ensina Mozart Victor Russomano, "em ordem hierárquica ascendente"11. Os primeiros controlando o trabalho; os segundos executando o trabalho e os últimos, como o próprio nome diz, aprendendo o ofício.

Em tese, havia a possibilidade de ascensão, do primeiro (aprendiz) ao último grau (mestre). O aprendizado do ofício levaria o aprendiz, a critério de seu mestre, à condição de companheiro, e a realização de uma obra-prima elevaria este à condição de mestre.

A experiência revelou, entretanto, que a condição de companheiro era, praticamente, perene, ou, como afirma Russomano, um "estado definitivo"12, pois os mestres, que desfrutavam de todas as benesses de sua condição, controlavam de forma rígida o acesso ao último grau.

A forma de organização das corporações de ofício, que reuniam, dentro de si, o capital (representado pelos mestres) e o trabalho (companheiros e aprendizes), nos leva a concluir não poderem ser elas consideradas o embrião do sindicalismo.

Este embrião, entretanto, pode ser vislumbrado no referido período histórico, nas associações de companheiros que, segundo Romita, denominavam-se compagnonnages na França e Gesellenverbaende na Alemanha, e eram associações de auxílio mútuo formadas por companheiros13

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É que elas revelavam certa afinidade com os sindicatos, por representarem movimento contra os mestres, com a realização até de greves em consequência de sua insatisfação com o rígido controle do trabalho e impossibilidade de acesso ao último grau da corporação14

Foram estas associações, como era de se esperar, reprimidas e proibidas, como revela Arnaldo Sússekind, na Inglaterra, em 1525, na Alemanha, em 1530, e na França em 153915».

Chega-se, então, à segunda metade do século XVIII, onde dois fatos, rapidamente mencionados ao início deste item, a revolução industrial e a supressão das corporações de ofício, ocorrem e são determinantes para o nascimento do sindicalismo.

O último deles, a supressão das corporações de ofício, decorre da adoção do liberalismo, que se revela incompatível com a existência de associações ou assemelhados que se pudessem sobrepor entre os indivíduos e o Estado.

Segundo Amauri Mascara Nascimento, "O liberalismo da Revolução Francesa de 1789 suprimiu as corporações de ofício, dentre outras causas, por sustentar que a liberdade individual não se compatibiliza com a existência de corpos intermediários entre o indivíduo e o Estado. Para ser livre, o homem não pode ser subordinado à associação porque esta suprime a sua livre e plena manifestação, submetido que fica ao predomínio da vontade grupai"16

A respeito desta matéria e do ponto de vista legislativo, cabe mencionar a Lei Le Chapelier, na França em 1791, que em seus artigos primeiro e quarto, segundo António Álvares da Silva, voltou-se contra "as corporações e associações profissionais, considerando-as inconstitucionais e atentatórias à própria Declaração de Direitos"17

Entretanto, que importância para o sindicalismo pode ter uma política que proíbe as associações? Embora possa parecer um paradoxo, a importância decorre do fato de ela impedir a continuidade das corporações de ofício, que reuniam o capital e o trabalho, possibilitando aos representantes dos últimos passar a procurar, isolados dos primeiros, formas de satisfazer seus interesses, ainda que, em primeiro momento, como verificaremos logo adiante e em razão da política indicada retro, a união agora só de trabalhadores também tenha sido proibida.

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É por este motivo que Mascara afirma que o surgimento do sindicalismo decorre da extinção das corporações de ofício18

Quanto à Revolução Industrial, ela propiciou os fatores que permitiram o surgimento da união dos trabalhadores em moldes diversos dos observados até então.

Em primeiro lugar, alterou-se o sistema produtivo, provocando o trabalho nas fábricas grande concentração de trabalhadores.

Em segundo lugar, havendo elevada oferta de braços para não tantas vagas, podiam os tomadores de serviços impor as condições de trabalho que desejassem, sendo estas desumanas, até pela inexistência de normas que regulassem o trabalho nos moldes necessários.

Sobre este período, dispõe Segadas Vianna:

"A invenção da máquina e sua aplicação à indústria iriam provocar a revolução nos métodos de trabalho e, consequentemente, nas relações entre patrões e trabalhadores; primeiramente a máquina de fiar, o método de pudlagem (que permitiu preparar o ferro de modo a transformá-lo em aço), o tear mecânico, a máquina a vapor multiplicando a força de trabalho, tudo isso iria importar na redução da mão de obra porque, mesmo com o aparecimento das grandes oficinas e fábricas, para obter um determinado resultado na produção não era necessário tão grande número de...

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