Hipoteca Judiciária sobre bens não elencados no art. 1.473 do Código Civil ? A efetividade da jurisdição como horizonte hermenêutico

AutorAline Veiga Borges/Ben-Hur Silveira Claus
CargoJuiza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região ? RS/Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região ? RS
Páginas85-92

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“[...] o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige ao Estado-juiz. Por isso, é absurdo pensar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de forma efetiva os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma norma processual mais explícita.”

Marinoni

1. Introdução

Recentemente editada, prevê a Súmula n. 57 do TRT da 4a Região que A constituição de hipoteca judiciária, prevista no art. 466 do CPC, é compatível com o processo do trabalho1.

O presente estudo tem a finalidade de propor a adoção da utilização do instituto da hipoteca judiciária sobre bens não elencados no art. 1.473 do Código Civil, na perspectiva de inibir a fraude à execução e de prover segurança à futura execução. Trata-se de ideia surgida nos debates realizados pelo Grupo de Estudos de Direito Processual da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região.

2. A interpretação estrita

No inventário dos bens que podem ser objeto da hipoteca judiciária prevista no art. 466 do CPC2, o primeiro movimento do intérprete será investigar essa questão à luz dos preceitos de direito material que disciplinam o instituto da hipoteca, porquanto o art. 466 do CPC não indica quais são os bens sujeitos à hipoteca judiciária, embora faça remissão à Lei dos Regis-tros Públicos3. Esse primeiro movimento de investigação cientí?ca apresentar-se-á intuitivo tanto pelo fato de que a hipoteca é antigo instituto de direito material regulado pelo direito privado (CC, arts. 1.473 e seguintes) quanto pela relação estabelecida na teoria geral do direito civil entre hipoteca e bem imóvel.

No âmbito do direito privado, a relação entre hipoteca e bem imóvel é expressão de uma construção conceitual historicamente estabelecida há muitos séculos. Tais aspectos podem conduzir o operador jurídico à interpretação de que a hipoteca judiciária recai apenas sobre os bens relacionados no art. 1.473 do Código Civil, a saber: I – os imóveis e os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; II – o domínio direto; III – o domínio útil; IV – as estradas de ferro; V – os recursos naturais a que se refere o art. 1.230, independentemente do solo onde se acham; VI – os navios; VII – as aeronaves; VIII – o direito de uso especial para ?ns de moradia; IX – o direito real de uso; X – a propriedade super?ciária.

Portanto, uma interpretação estrita dos bens sujeitos à hipoteca judiciária conduzirá o intérprete à conclusão de que apenas os bens relacionados no art. 1.473 do Código Civil podem ser objeto de hipoteca judiciária. Essa interpretação estrita foi adotada no bem articulado ensaio escrito pelo magistrado Arlindo Cavalaro Neto sobre o tema4. Trata-se de uma interpretação respeitável.

3. A finalidade da hipoteca judiciária

Não se pode, no entanto, olvidar a ?nali-dade do instituto, que é a de prevenir fraude à execução e assegurar futura execução. No

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processo do trabalho, essa execução geralmente se presta à satisfação de verba de natureza alimentar. Daí a proposta de ampliar a utilização do instituto da hipoteca judiciária para bens outros, que não apenas imóveis e os demais elencados no art. 1.473 do Código Civil, tornando, assim, mais efetiva a execução trabalhista.

Enquanto a hipoteca convencional constitui direito real de garantia incidente sobre bens imóveis do devedor, para assegurar ao credor o recebimento preferencial de seu crédito, a hipoteca judiciária é instituto de direito processual, de ordem pública, cujo escopo teleológico é o de inibir a fraude à execução e a assegurar a satisfação do crédito reconhecido em sentença. Por consequência, não parece adequado assimilar a hipoteca judiciária à hipoteca convencional definida no direito privado, inclusive no que se refere aos bens que podem ser objeto da hipoteca judiciária, especialmente se, para cumprir a ?nalidade do instituto, for necessário buscar garantia em outros bens do devedor.

O objetivo de inibir fraude patrimonial revela a dimensão preventiva do instituto da hipoteca judiciária, que se expressa tanto na potencialidade para inibir a fraude patrimonial praticada pelo executado quanto na advertência ao terceiro adquirente, para que não adquira o bem hipotecado judiciariamente, tudo a fim de preservar a efetividade das normas de ordem pública que estabelecem a responsabilidade patrimonial do executado pelas respectivas obrigações (Lei n. 6.830/80, arts. 10 e 30; CPC, art. 591), bem como para prover segurança jurídica aos negócios na vida de relação (CLAUS, 2013, p. 52).

O objetivo de conferir efetividade à execução revela a dimensão assecuratória do direito material que o instituto realiza por meio do direito de sequela inerente à hipoteca judiciária enquanto efeito anexo da sentença condenatória. O direito de sequela assegura ao autor fazer recair a penhora sobre o bem hipotecado ainda que o bem tenha sido alienado a terceiro. Adquirente de má-fé, o terceiro não terá êxito nos embargos de terceiro. E não lhe restará alternativa: para não perder o bem na hasta pública, terá que fazer a remição da execução; ou a adjudicação do bem pelo valor da avaliação5, se o valor da execução for superior ao valor do bem sobre o qual recaíra a hipoteca judiciária.

4. Hipoteca judiciária x hipoteca convencional: a dicotomia entre interesse de ordem pública e interesse de ordem privada

Nada obstante seja intuitivo ao intérprete investigar os bens sujeitos à hipoteca judiciária à luz dos preceitos de direito material que disciplinam o instituto da hipoteca convencional, esse primeiro movimento do intérprete acaba por revelar-se insu?ciente à adequada pesquisa dos bens que podem ser objeto de hipoteca judiciária. Isso porque à hipoteca judiciária prevista no art. 466 do CPC é reconhecida natureza jurídica de instituto processual de ordem pública, enquanto que à hipoteca convencional prevista no 1.473 do CC é reconhecida a condição de instituto de direito privado.

Enquanto a hipoteca judiciária visa a assegurar a autoridade estatal da sentença condenatória em geral, a hipoteca convencional visa a garantir o interesse privado de determinado particular envolvido em negócio interindividual. Vale dizer, a dicotomia entre interesse de ordem pública e interesse de ordem privada decalca indelével distinção entre os institutos da hipoteca judiciária e da hipoteca convencional.

É a distinta natureza jurídica da hipoteca judiciária (instituto processual de ordem pública), na comparação com a hipoteca convencional (instituto jurídico de ordem privada), que autoriza o jurista a afastar-se dos limites do art. 1.473 do CC quando se trata de inventariar os bens sujeitos à hipoteca judiciária. Isso

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porque os objetivos superiores da hipoteca judiciária demandam uma interpretação apta a potencializar tanto o escopo teleológico de inibir fraude patrimonial quanto o escopo teleológico de assegurar a futura execução da sentença condenatória. É dizer: demandam uma interpretação que transcenda aos limites do art. 1.473 do CC.

5. O Direito sempre foi analógico

Assentadas6 tais premissas, de imediato se faz razoável a conclusão de que o escopo teleológico desse instituto processual de ordem pública se realizará de forma tanto mais e?caz quanto mais amplo for o inventário dos bens sobre os quais possa incidir a hipoteca judiciária prevista no art. 466 do CPC.

Essa conclusão guarda conformidade tanto com a doutrina processual contemporânea quanto com a perspectiva das alterações legislativas instituídas pelas chamadas minirreformas do Código de Processo Civil ocorridas nos últimos anos.

Se, de um lado, a doutrina processual contemporânea compreende a garantia da razoável duração do processo como uma expressão da própria garantia constitucional da efetividade da jurisdição, de outro, as minirreformas adotadas no âmbito do direito processual civil têm por diretriz o objetivo de aumentar a efetividade da jurisdição.

Entre as minirreformas mais recentes, destaca-se a adoção da averbação premonitória prevista no art. 615-A do CPC7, cuja lembrança é evocada pelas a?nidades ?nalísticas que a averbação premonitória guarda com a hipoteca judiciária: ambas as medidas visam a inibir a fraude patrimonial e têm por objetivo garantir o êxito da execução.

Sobre o art. 615-A do CPC, Luiz Guilherme...

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