O habitus do ensino jurídico uma crítica a partir das perspectivas de Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron e de Dermeval Saviani

AutorJulio Pinheiro Faro
CargoPesquisador no Programa de Pós-Graduação 'Stricto Sensu' do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN (Mestrado)
Páginas147-198
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P A N Ó P T I C A
Panóptica, Vitória, vol. 9 (n. 27), 2014
ISSN 1980-775
O HABITUS DO ENSINO JURÍDICO
UMA CRÍTICA A PARTIR DAS PERSPECTIVAS DE PIERRE
BOURDIEU E JEAN-CLAUDE PASSERON E DE DERMEVAL
SAVIANI
Julio Pinheiro Faro
Pesquisador no Programa de Pós-Graduação “Stricto Sensu” do Departamento de
Direito Público da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (Mestrado)
julio.pfhs@gmail.com
RESUMO: Este trabalho se propõe a apresentar um novo modelo para o ensino
jurídico a partir da crítica ao habitus proposta por Bourdieu e Passeron e da
pedagogia crítica de Saviani. Na primeira parte do trabalho, após a introdução e
delimitação da estratégia metodológica, desenvolve-se a parte teórica desse estudo,
explicando-se a reprodução do habitus, tal qual criticada pelos sociólogos franceses,
a predominância do modelo dogmático e do casuístico e suas deficiências e a crítica
feita pela escola de Saviani. Na segunda parte do trabalho, é desenvolvida a parte
prática, analisando algumas práticas que permitem verificar a construção de um
novo modelo, o qual é sistematizado ao final do estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino jurídico Pedagogia crítica Habitus Dogmática
Casuística.
A PROPOSTA DO ESTUDO
Já há algum tempo se tem falado que os pressupostos do atual processo de
formação do estudante de Direito estão ultrapassados. Todavia, o que se tem visto
na prática educacional é uma padronização cada vez mais constante liderada pelas
grandes empresas que se têm valido do lucrativo mercado jurídico, especialmente
quando o assunto é concurso público. Já se fala na produção em série de alunos
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com conhecimento para fabricar no máximo um nariz de cera. Alunos, não
estudantes, que detêm um conhecimento geral, mas superficial, e que ajudam a
propagar o status quo, mas não a alterá-lo. Considerado todo o universo de
instituições de formação (a cacofonia aqui é proposital) jurídica, as instituições de
ensino jurídico sequer aparecem na estatística.
O que se defende neste trabalho é que o conhecimento direcionado apenas para
as técnicas jurídicas e o ordenamento jurídico deve ser substituído por um que
relacione o conhecimento técnico com a realidade social. Até porque o direito é um
fenômeno social, e, enquanto tal, não se exaure em si próprio. Trata-se da
necessidade de superação do modelo dogmático, o qual não se confunde, contudo,
com o positivismo jurídico.
Apenas para evitar uma confusão muito comum, adianta-se que o positivismo
jurídico tem, em sua teorização mais comentada e utilizada, ainda que pouco
compreendida, aquela formulada por Hans Kelsen, um mérito: a tentativa de dar ao
direito uma cientificidade a partir de um corte metodológico (que se apresenta a
partir do dogma da norma hipotética fundamental) para separar o que é do que não
é jurídico. O dogmatismo jurídico, fundado no positivismo e aplicado ao ensino
jurídico, tem, por sua vez, se aplicado exclusivamente, um demérito: fazer com que o
profissional do Direito tenha uma formação despreocupada em relação aos outros
campos do saber que são influenciados pelo ou que influenciam o direito.
Dogmatismo jurídico não se confunde, portanto, com positivismo jurídico, nem se
encontra sob os seus auspícios, embora tenha nele buscado suporte.
A grande preocupação de uma teorização particular (por isso pura) do Direito e
não do Direito puro , foi atribuir uma cientificidade ao Direito. O que a dogmática
jurídica fez e faz é deturpar o positivismo jurídico como, ademais, fizeram outros
teóricos para justificar os seus propósitos. Assim, criou-se um modelo que,
aplicado ao ensino jurídico, direcionou todas as preocupações do estudante de
Direito para o simples conhecimento do jargão técnico, que não é padronizado, e de
normas jurídicas, insertas em incontáveis leis, o que seria suficiente para passar em
concursos públicos e elaborar os famosos narizes de cera.
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Porém, o positivismo jurídico não foi criado para servir como processo de ensino-
aprendizagem. Essa é tarefa da Pedagogia, que, aplicando métodos próprios, vai se
ocupar da teoria e da prática da educação, e, assim, do processo da formação
discente e docente. Desta forma, o que se critica aqui não é o estudo puro do
Direito, e sim o apego às leis, o apego exclusivo à normatividade que a pedagogia
jurídica da tradição do Direito escrito de família romano-germânica tem. Mas também
há que se criticar o apego exclusivo à casuística adotado pela Pedagogia jurídica da
tradição do Direito consuetudinário de família anglo-saxã. Estes dois o os
principais métodos da pedagogia jurídica e, quando adotados em suas formas puras,
tendem, respectivamente, ao tecnicismo com o desconhecimento da realidade (ou
da prática) e ao praxismo com o desconhecimento da teoria.
Tanto a dogmática quanto a casuística possuem características que merecem ser
mantidas para um modelo de ensino jurídico. Mas qual o equilíbrio entre tais
métodos pedagógicos? A proposta deste estudo é propor como deve(ria) ocorrer um
equilíbrio desse tipo, isto é, que permita o emprego das melhores práticas de cada
um desses métodos e que proporcione a tão esperada superação do atual modelo
de ensino-aprendizagem jurídico.
O desenvolvimento dessa proposta parte de dois pontos. O primeiro parte de uma
dupla fundamentação teórica para a elaboração da crítica ao modelo atual: parte-se
da pedagogia crítico-reprodutivista de Bourdieu-Passeron à reprodução e
legitimação do habitus na sociedade, especificando, em seguida, o ponto de crítica
no ensino jurídico, para, após, cuidar-se da crítica elaborada pela pedagogia
histórico-críticista de Saviani. O segundo traz uma fundamentação baseada nos três
habitus identificados a partir daquela dupla fundamentação, relacionando-os com
algumas práticas relatadas na literatura jurídica. Faz-se, então, uma análise crítica
do habitus de manutenção, que propõe a manutenção de algumas práticas
necessárias ao ensino jurídico básico. Em seguida, a partir de alguns relatos,
demonstra-se, a partir do habitus de transição, como nem tudo que é tratado como
inovador é capaz de transformar o paradigma adotado. E encerra-se tal tópico com
uma referência às práticas que podem ser vistas como transformadoras, aquilo a
que se chama de habitus de transformação, que é o modelo proposto neste estudo.

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