A repercussão geral e a tendência à objetivação do recurso extraordinário

AutorSimone Trento
CargoJuíza de Direito, titular da 2a. Vara Cível da Comarca de Guarapuava/PR
Páginas12-15

Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo Especialista pela PUC/PR em Política Judiciária e Administração da Justiça

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A Lei 11.418/06 acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao Código de Processo Civil, regulamentando o parágrafo 3º do art. 102 da Constituição da República1 e trazendo, assim, mais um pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário. Trata-se de um "filtro" aplicável aos casos que, após a entrada em vigor da referida lei, serão submetidos à apreciação do Supremo Tribunal Federal através de recurso extraordinário.

O objetivo evidente da nova exigência é racionalizar a atuação do Supremo Tribunal Federal, fazendo com que apenas conheça de recursos extraordinários que ostentem 'repercussão geral' e, assim, preste tutela jurisdicional em tempo razoável àqueles casos que - por serem relevantes e transcenderem os interesses das partes - mereçam análise em recurso extraordinário.

A medida adveio, segundo destacam Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina2, em momento em que se usa, na prática forense, de "filtros" ilegítimos para que os tribunais deixem de conhecer recursos, tais como a inadmissão de recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido em Diário Oficial (mas após o conhecimento de seu teor pela parte recorrente) ou a ilegibilidade da data da interposição do recurso (decorrente de ineficiente atuação não da parte, mas do aparato judicial). O uso de filtros ilegítimos em regra afronta o princípio da igualdade (na medida em que um recurso com o mesmo teor de outro que é apreciado deixa de ser conhecido), o acesso à justiça e mesmo a lógica do razoável e o bom senso.

Por esta razão, merece aplauso a criação de mecanismo que restringe o acesso das partes ao Supremo Tribunal Federal por recurso extraordinário quando busca a melhora da prestação jurisdicional como um todo, como é o caso da repercussão geral.

É certo que na definição daquilo que tenha repercussão geral o legislador se utilizou de conceitos jurídicos indeterminados, dispondo que "para efeito de repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa" (art. 543-A, § 1º, do Código de Page 13 Processo Civil). O uso de tais conceitos é objeto de atenção da doutrina, não havendo dúvida de que eles não autorizam qualquer interpretação, mas sim uma interpretação dentro de certos limites, de acordo com os princípios gerais do Direito e sob a égide da lógica do razoável.

Assim, como apenas o Supremo Tribunal Federal poderá dizer se a questão discutida ostenta repercussão geral (art. 543-A, § 2º, do Código de Processo Civil: "O recorrente deverá demonstrar, em preliminar do recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência da repercussão geral"), espera-se que interprete o dispositivo observando, entre outras diretivas, a finalidade da criação do pressuposto de admissibilidade do recurso, qual seja, a otimização do trabalho do Tribunal, com atenção, em recurso extraordinário, apenas para questões importantes para a nação, o que será aquilatado no caso concreto.

A par da criação do pressuposto recursal de que a demanda a ser submetida ao Supremo Tribunal Federal tenha repercussão geral, os dispositivos acrescentados ao Código de Processo Civil pela Lei 11.418/06 inovam no ordenamento jurídico positivo com a criação de mecanismos que se encontram em sintonia com a tendência de objetivação do recurso extraordinário. Nos termos do parágrafo 1º do art. 543-A do Código de Processo Civil, além da relevância da demanda, é preciso que ela transcenda os interesses das partes.

Como destacam Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha, "o STF, ao examinar a constitucionalidade de uma lei em recurso extraordinário, tem seguido esta linha. A decisão sobre a questão de inconstitucionalidade seria tomada em abstrato [mesmo em controle incidental de constitucionalidade], passando a orientar o tribunal em situações semelhantes"3 . Trata-se do que se convencionou chamar de vinculação horizontal das decisões judiciais.

Ao lado dela (da vinculação horizontal), o sistema jurídico prevê igualmente mecanismos de vinculação vertical das decisões dos tribunais superiores. Conforme acentuam Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero4 , são, por exemplo, mecanismos de compatibilização vertical: (a) a possibilidade de o relator negar seguimento a recurso em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior (art. 557, caput, do Código de Processo Civil), ou (b) de dar provimento a recurso se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (art. 557, § 1º - A, do Código de Processo Civil), bem como (c) a determinação de...

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