A Garantia de Efetividade no Processo Trabalhista

AutorCarolina Tupinambá
Ocupação do AutorMestre e Doutora em Direito Processual. Professora Adjunta de Processo do Trabalho e Prática Processual Trabalhista na UERJ
Páginas367-391

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2.1. A segurança jurídica contra a celeridade

Um processo trabalhista efetivo é aquele que torna a justiça uma realidade no menor tempo possível, com positiva equação de custo-benefício. Para tanto, é preciso que: (i) a técnica processual se amolde às necessidades do caso concreto;
(ii) a técnica processual não se torne fator de insegurança nem elemento surpresa, devendo as partes dela estarem conscientes ou a construírem conjuntamente com o juiz; (iii) o juiz tenha gestão eficiente do processo, detendo poderes controláveis mediante parâmetros afetos à razoabilidade; (iv) a decisão tenha força de transformar a realidade, cumprindo fase de execução inteligente1342; (v) os direitos urgentes ou evidentes tenham ascendência sobre o rito cognitivo e, por fim, que (vi) o processo cumpra seus escopos sociais.

Para harmonizar tais objetivos é preciso ponderar que a efetividade a qualquer preço acaba por corresponder à justiça com próprias mãos ou à vingança social destemperada1343.

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A efetividade não é uma garantia isolada, mas um direito processual fundamental, que, como os demais, não é absoluto (à exceção de seu “núcleo duro”), devendo ser limitado pelas outras cinco garantias enumeradas nesta tese, ou seja, a existência de um tribunal competente, o acesso à justiça, a imparcialidade do julgador, o devido processo legal e a razoabilidade temporal do processo decisório1344.

Nesse enfoque, quatro institutos ou sistemas do processo do trabalho deverão ser observados de perto, quais sejam, (i) a teoria das nulidades; (ii) as tutelas de urgência e evidência;
(iii) a adequação da técnica processual e (iv) a execução trabalhista.

2.2. O sistema de nulidades no processo do trabalho
2.2.1. A precária e uniforme teoria de nulidades brasileira

Nossa teoria de nulidades é ainda muito presa a estratagemas que permitem uma ultravalorização processual, não obstante o confortante discurso da instrumentalidade das formas, vivido muito mais no plano teórico do que na praxe forense. As classificações existentes no processo civil, no processo penal, no processo do trabalho e no processo militar, em geral, mostram-se interligadas, o que gera uma certa perplexidade, visto que, evidentemente, em cada um dos processos haverá diferentes interesses em jogo, não sendo de todo salutar que compartilhem a mesma teoria de nulidades.

Outra perturbação sobre a teoria das nulidades no direito brasileiro consiste no fato de as regras legais sobre o tema não terem sido alteradas substancialmente, não obstante as mudanças políticas e ideológicas ocorridas pelo caminho da história recente do Brasil e da América Latina.

Nossa teoria das nulidades foi pensada no Estado Novo, sob a égide da Constituição outorgada de 1937, período marcadamente autoritário. O clima de restrição de liberdades também causou males enormes ao processo, visto que impediu a evolução do acesso à justiça e o modelo da instrumentalidade, além de retirar do Judiciário o exame de certas questões. A mesma disciplina sobreviveu à redemocratização pós-1945 com a Constituição de 1946, ao golpe militar de 1964 e às Constituições de 1968 e 1969, ambas com viés nitidamente autoritário, daí que mais uma vez os poderes dos magistrados foram restringidos significativamente. Novo período democrático sobreveio em 1980, e, por mais incrível que possa parecer, manteve-se irretocável a mesmíssima disciplina dedicada à teoria de nulidades, ainda após o advento da Constituição Cidadã de 1988, responsável por uma renovação dos princípios e garantias processuais. Em suma, é significativo que a teoria sobre o tema em comento tenha ficado petrificada por quase um século, a despeito da verdadeira revolução ocorrida na idade recente do processo civil1345.

2.2.2. O contexto e utilidade de um novo pensar para os atos processuais

O processo é um caminho, uma sequência de atos que pretende informar os litigantes para que possam reagir reciprocamente, construindo, em conjunto com o juiz, uma solução que supere o impasse jurídico. Assim, no processo, a prática da influência permite uma divisão dos poderes de modo coordenado, com objetivo precípuo de neutralizar relações de poder, o que torna o magistrado ator do debate travado entre os sujeitos processuais, considerados colaboradores tratados em igualdade de condições. Exatamente nesse contexto, a prática do contraditório como direito de influência deverá mitigar eventuais desigualdades de poder, desnível bastante típico do processo trabalhista (que pode ser para o lado do trabalhador

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ou do empregador!) garantindo a igualdade de condições entre as partes e o respeito aos direitos de terceiros13461347.

O que se quer trazer à tona é que, de fato, as regras formais sobre as posições jurídicas dos sujeitos processuais contêm e repartem o poder, possibilitando a manutenção do equilíbrio, a preservação da liberdade privada e o controle do poder do Estado, o que assegura a colaboração ética e a completa influência na decisão que põe fim ao processo1348. Este é o principal escopo e utilidade única de se preocupar com o respeito à forma.

No último século, o processo reforçou os poderes do magistrado com base na ideia, segundo a qual excesso de formalidades diminui o papel do magistrado e sua participação no processo, sendo preciso, portanto, aumentar suas funções e concentrar seus poderes, através da ampliação da possibilidade de escolhas com base em juízos de conveniência e eficiência. Essa evolução refletiu-se na teoria das nulidades, através da diminuição das formalidades e da consagração do princípio da instrumentalidade das formas.

O fato de termos um juiz mais ativo no processo não significa abandono das formalidades processuais ou anulação da atividade dos outros sujeitos processuais. Pelo contrário, a forma deve ser vista como uma garantia de participação para todos influírem no resultado. O processo moderno repudia o autoritarismo e o desprezo intersubjetivo, igualando demo-craticamente o poder, através do reforço do papel das partes e demais sujeitos processuais.

Em suma, uma nova teoria das nulidades deve prender-se aos objetivos maiores de sua desejada função, quais sejam, (i) repartição isonômica de poderes e chances de participação e
(ii) concepção consciente do papel do juiz zelador da justiça processual, intermediador de debate democrático. Nesse aspecto, não poderá estar o conceito de nulidade de atos engessado em regras distanciadas da comunicação concreta inserida no caso sub judice. Se a lei, aprioristicamente, não esgota o sistema brasileiro de nulidades, cabe ao magistrado casuisticamente verificar a configuração de atipicidades formais relevantes. Dessa forma, busca-se o equilíbrio entre a importância das formas e a necessidade de um procedimento eficiente.

A análise da nulidade deve ser iniciada pela norma, não podendo, todavia, ficar limitada a um tratamento abstrato rígido. É dizer, a determinação dos critérios de nulidade não estará ligada a uma gradação legal dos vícios, mas, sim, à repercussão da atipicidade no ambiente comunicativo do processo. Será nulo o ato processual que ferir garantias processuais fundamentais.

2.2.3. A validade, em princípio, dos atos processuais

É preciso sedimentar uma espécie de premissa no sentido de que o ordenamento jurídico siga lógica de preferência pela validade dos atos processuais. Assim, é correto afirmar que, em princípio, todo esforço processual deve ser computado, válido ou aproveitado de alguma forma1349.

Nesse sentido, a primeira consequência natural do pendor positivo ao aproveitamento do ato revela-se na imposição de um ônus argumentativo qualificado para se infirmar a validez prima facie dos atos. Ou seja, se imporá um esforço de justificação maior ao magistrado que...

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