O futuro como fundamento gnoseológico de validade do direito ambiental: A norma fundamental pós-suposta

AutorDempsey Pereira Ramos Júnior
CargoProfessor de Direito Civil (aprovado em Concurso Público de Provas e Títulos) e Mestre em Direito Ambiental, ambos na Universidade do Estado do Amazonas, UEA, onde obteve nota 9,0 (nove) na seleção de mestrado
Páginas281-315
Veredas do Direito, Belo Horizonte v.11 n.21 p.281-315 Janeiro/junho de 2014 281
O FUTURO COMO FUNDAMENTO
GNOSEOLÓGICO DE VALIDADE DO
DIREITO AMBIENTAL: A NORMA
FUNDAMENTAL PÓS-SUPOSTA
RESUMO
A Teoria Pura do Direito, publicada por Hans Kelsen em 1960, mos-
trou um ordenamento jurídico hierarquizado, em que a denominada
norma fundamental pressuposta representa o fundamento de valida-
de de todas as outras. Referido autor enfatizava tanto o aspecto hie-
rárquico do ordenamento jurídico, que o aspecto temporal do direito
acabou passando um pouco despercebido. Olhando de forma mais
atenta, percebe-se que a norma fundamental de Kelsen, justamente
por ser pressuposta, é uma norma construída no passado, antes de
todas as outras. Assim, pode-se dizer que, na Teoria Pura do Direito,
o passado é o verdadeiro e único fundamento de validade do direito.
Porém, quando se analisa a norma do artigo 225 da atual Constitui-
ção Federal brasileira, depara-se com o seguinte problema: como
pode um juiz decidir uma causa ambiental, devendo salvaguardar
Dempsey Ramos
Professor de Direito Civil (aprovado em Concurso Público de Provas e Títulos) e Mestre em Direito Ambiental, ambos
na Universidade do Estado do Amazonas – UEA, onde obteve nota 9,0 (nove) na seleção de mestrado. Autor da obra
Meio Ambiente e Conceito Jurídico de Futuras Gerações”, livro de 414 pgs., cujos exemplares fazem parte das
bibliotecas do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
da Justiça Federal do Estado de São Paulo. No exterior, o livro é referência na Enciclopédia de Direito Internacional
Público, do Instituto Max Planck (Alemanha), conforme citação feita pela professora norte-americana Edith Brown
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lugar, ganhou em 2010 o “I Prêmio José Bonifácio de Andrada e Silva” (concurso nacional de teses jurídicas, cujo
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Especialista em Direito e Processo Civil (2001), com ênfase em responsabilidade civil e tutelas jurisdicionais de
urgência. Especialista em Direito Público (2008). Advogado, em 2004 exerceu cargo DAS-1 de Assessor Jurídico na
Prefeitura Municipal de Carmo – RJ. Fundador e Diretor Presidente do Grupo Águia Verde (associação de defesa judicial
do meio ambiente e do patrimônio histórico), é Conselheiro Consultivo do CEDAM – Centro de Estudos em Direito
Ambiental da Amazônia, além de Vice-Coordenador Membro Titular do Comitê de Ética em Pesquisa da UEA, cadeira

acadêmica, conforme critérios votados pelo CONSUNIV – UEA, nos termos do art. 32, III, do Plano de Carreira da

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atividades de magistério e pesquisa da UEA. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal).
dempsey_junior@yahoo.com.br
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interesses futuros, se, de acordo com a Teoria Pura do Direito, refe-
rido juiz encontra-se inexoravelmente aprisionado ao passado? Isso
acontece porque, nos sistemas jurídicos de common law, bem como
nos de civil law, as referências normativas utilizadas como funda-
mento de validade das decisões judiciais são sempre outras deci-
sões tomadas no passado (leis, jurisprudências, costumes). Diante
disso, constata-se a existência de um paradoxo temporal no direito
ambiental brasileiro. O presente artigo faz uma abordagem interdis-
ciplinar sobre essa questão, examina decisões judiciais dentro e fora
do Brasil, e, com base nessas decisões, conclui que, ao lado da nor-
ma fundamental pressuposta de Kelsen, existe no direito brasileiro
uma norma fundamental pós-suposta: o futuro é o novo fundamento
gnosiológico de validade do direito.
Palavras-chave: Direito ambiental. Paradoxo Temporal. Norma
Fundamental. Norma Pós-Suposta.
THE FUTURE AS GNOSEOLOGICAL FOUNDATION
FOR ENVIRONMENTAL LAW VALIDITY: THE
POS-SUPPOSED BASIC NORM
ABSTRACT
The Pure Theory of Law, launched by Hans Kelsen in 1960, have
shown a law order under hierarchy, where presupposed fundamen-
tal rule represents basis of validity for all other ones. That author
emphasized hierarchy of law order, with so intensity that time’s as-
pect have stayed forgotten. Looking the matter with more attention,
the fundamental rule of Kelsen, due its presupposed condition, it is
a rule built in the past, before all of other ones. For this reason, it
can be said that in Pure Theory of Law past is the one and only real
basis of validity of the law order. But, when the current brazilian
Federal Constitution is examined, about its article 225, there is a
problem: how can a judge decides an environmental case, with the
task of guarantee of future interests, if the Pure Theory of Law puts
judge jailed into the past? This happens because, under common
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law and civil law systems, normative references used as a basis of
validity are always another past built decisions (laws, jurispruden-
ces, costumes). For that reason, there is a time paradox in brazilian
environmental law. This article makes an interdisciplinary analysis
about the matter, by examining sentences inside and out of Brazil,
and based upon that sentences concludes that, besides fundamental
presupposed rule of Kelsen, there is another fundamental rule in
Brazilian law, a postsupposed one: future is the new gnoseological
basis of validity of law.
Keywords: Environmental Law. Time Paradox. Fundamental Rule.
Postsupposed Rule.
INTRODUÇÃO
O presente artigo é fruto de pesquisa realizada acerca do
    
forma o direito ambiental brasileiro lida com o problema do para-
doxo temporal que existe no seu funcionamento. Os juízes ambien-
tais, segundo o artigo 225 da Constituição Federal brasileira, são
chamados a defender e garantir os interesses das gerações futuras.

referências normativas construídas no passado (leis, jurisprudências,
costumes). Isso cria um grave problema que impede o direito am-
biental de alcançar sua máxima efetividade. Como consequência,
decisões tomadas por um juiz no tempo presente acabam nascendo já
defasadas, de um ponto de vista relativo. Isso porque, se for levado
em consideração que as leis e demais referências normativas são do-
cumentos construídos no passado, obviamente para as gerações futu-
ras o conteúdo desses documentos não corresponde aos seus interes-
ses. Quando se fala em gerações futuras, está-se falando de pessoas
que muitas vezes estão há décadas, séculos ou milênios de distância
do ponto inicial quando foi prolatada a decisão do juiz ambiental.
Esta pesquisa baseou-se em revisão de literatura, procu-
rando-se olhar com mais profundidade e de maneira interdisciplinar
o que de fato ocorre no direito ambiental quanto ao elemento tempo,

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