Equiparação dos Atletas de Futebol com outros Profissionais para a Determinação da Competência Territorial da Justiça do Trabalho

AutorGustavo Normanton Delbin
Ocupação do AutorAdvogado associado de Aidar SBZ. Especialista em direito desportivo
Páginas278-286

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Ver nota 1

Este estudo tem como objetivo trazer ao debate questões envolvendo a competência no processo trabalhista, principalmente com relação à determinação territorial na Justiça do Trabalho para julgar e decidir litígios envolvendo atletas profissionais de futebol.

O foco principal, portanto, será demonstrar as peculiaridades das atividades laborais desenvolvidas pelos atletas, as características de seu empregador e a equiparação, nem sempre correta, que é feita entre seu trabalho e o de outros profissionais para a determinação da competência territorial na Justiça laboral.

Primeiramente, buscaremos amparo na doutrina para definir a competência. Posteriormente, analisaremos a legislação nacional existente, discorreremos sobre equiparações e, por fim, colacionaremos a jurisprudência dos Tribunais, para se ter o retorno prático da aplicação dos institutos estudados.

Para o iminente jurista Amauri Mascaro Nascimento2 a "competência é o poder de julgar em concreto".

Carlos Henrique Bezerra Leite3, por sua vez, assim a conceitua:

Tradicionalmente, diz-se que competência é a medida da jurisdição de cada órgão judicial. Com razão Marcelo Abelha Rodrigues, ao afirmar que "todo juiz competente possui jurisdição, mas nem todo juiz que possui jurisdição possui competência". É, pois, do exame dessa medida da jurisdição que se saberá qual o órgão judicial competente para julgar determinada causa.

Com base na teoria geral do direito processual, é possível formular inúmeros critérios para determinar a competência, levando-se em conta a matéria, a qualidade das partes, a função ou hierarquia do órgão julgador e o lugar.

Daí o uso corrente das expressões que designam a competência, seja em razão da matéria (ratione materiae), em razão das pessoas (ratione personae), em razão da função (ou da hierarquia) ou em razão do território (ratione loci). Esses critérios podem ser trasladados para os domínios do direito processual do trabalho, desde que observadas algumas peculiaridades desse setor especializado da árvore jurídica.

Para o jurista Mauro Schiavi4 "diante da multiplicidade de conflitos existentes na sociedade, houve necessidade de se criarem critérios para que os conflitos fossem distribuídos de forma uniforme aos juízes a fim de que a jurisdição pudesse atuar com maior efetividade e também propiciar ao jurisdicionado um acesso mais célere e efetivo à jurisdição. Em razão disso, foi criado um critério de distribuição da jurisdição entre os diversos juízes, que é a competência".

Em se tratando da competência material da Justiça do Trabalho, a Constituição Federal do Brasil, depois da Emenda Constitucional n. 45/2004, em seu art. 1145, determina que lhe cabe processar e julgar os litígios trabalhistas,

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tais como, as ações oriundas da relação de trabalho, o direito de greve, as ações sobre representação sindical, as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho e outras controvérsias que decorrerem das relações de trabalho.

A competência envolvendo os litígios instaurados entre atletas profissionais de futebol e os clubes empregadores há muito causam discussões e divergências de posicionamento em nossos Tribunais.

Antes do advento da Constituição Federal de 1988, existia a discussão acerca da competência da Justiça do Trabalho para julgar as demandas decorrentes dos contratos laborais entre atletas e clubes.

Isso ocorria por conta do que dispunha o art. 29 da Lei n. 6.354/19766 - conhecida como a Lei do Passe - que determinava que somente depois de esgotadas todas as instâncias da Justiça Desportiva o litígio decorrente da relação laboral entre clubes e atletas poderia ser submetido à apreciação da Justiça do Trabalho.

Nossa Carta Magna de 1988, em seu art. 217, § 1º7 derrogou o art. 29 ao determinar e delimitar a competência da Justiça Desportiva como sendo a de apreciar ações relativas à disciplina e às competições desportivas. Posteriormente, em março de 2011, a Lei n. 12.395/20118 revogou expressamente a Lei do Passe.

Atualmente, quando os assuntos da competência da Justiça do Trabalho nas relações laborais entre clubes e atletas profissionais de futebol parecia estar completamente superado, começaram a surgir decisões conflitantes sob o ponto de vista da competência territorial. No intuito de definir a competência ratione loci, devido principalmente à falta de legislação específica sobre o tema, alguns operadores do direito têm entendido ser crível equiparar atletas aos profissionais de outras categorias, tais como os artistas circenses e os vendedores ou representantes comerciais, por exemplo.

Neste aspecto, nos socorremos da legislação que determina a competência territorial na Justiça do Trabalho, qual seja, o art. 651 da CLT, in verbis:

Art. 651. A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

§ 1º Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima.

§ 2º A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

§ 3º Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

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Portanto, pelo entendimento do artigo, a regra geral constante do caput determina que o foro do local da prestação de serviços é o competente para dirimir os conflitos decorrentes da relação de trabalho. O objetivo da lei é justamente facilitar o acesso do empregado à Justiça e também à produção de suas provas.

Para Amauri Mascaro Nascimento9 a competência territorial da Justiça Laboral é conceituada da seguinte forma:

Denomina-se competência territorial ou ratione loci, ou, ainda, de foro, aquela determinada com base nos espaços geográficos sobre os quais atua o órgão jurisdicional. Trata-se, portanto, de um modo de delimitação territorial da jurisdição. Os órgãos jurisdicionais trabalhistas são distribuídos pelo território do País em localizações adequadas para o atendimento das demandas, cabendo a cada um deles atuar o poder jurisdicional nos limites da circunscrição onde estão sediados. Corresponde, para os litigantes, a observância dos mesmos limites territoriais em cujo âmbito o seu processo terá desenvolvimento. Assim, para propor uma ação trabalhista, indispensável é a verificação das regras de competência territorial que são instituídas, com o visível e justificável propósito de facilitar ao trabalhador e evitar o quanto possível a sua locomoção e os gastos daí decorrentes.

A competência territorial geral é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador. Não importa, portanto, o local onde o contrato de trabalho tenha sido ajustado, nem a sede da empresa. Seria embaraçoso o empregado ter de se deslocar, por exemplo, da cidade onde trabalha, na filial de uma empresa, para acioná-la na sede, onde fica a matriz. Para simplificação, portanto, o empregado abrirá o processo onde fisicamente estiver trabalhando, e essa é a regra geral. "A competência das Varas do Trabalho é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro" (CLT, art. 651). Uma outra razão que condiciona essa regra é a facilidade de prova, maior no local da prestação de serviços.

A doutrina de Eduardo Gabriel Saad10 também conceitua a competência territorial, comentando o art. 651, conforme segue:

Como determina o art. 651 da CLT, o critério para a fixação da competência da Justiça do Trabalho em razão do lugar é o da localidade onde o empregado - como Reclamante ou Reclamado - presta serviços ao empregador, embora sua contratação haja ocorrido em outro local ou mesmo no estrangeiro.

Duas são exceções que a Consolidação abre a essa regra: a primeira refere-se ao caso do empregador que realiza atividades em lugar distinto do da celebração do contrato. In casu, é licito ao empregado ajuizar sua reclamatória no local da prestação de serviço ou no da celebração do contrato. Trata-se de opção a ser livremente exercida pelo assalariado. A segunda exceção é relativa ao empregado agente ou viajante para declarar ser competente a Vara do Trabalho do local do domicílio do empregador, salvo se o empregado estiver subordinado a uma agência ou filial, hipótese em que a competência é da Vara do Trabalho em cuja jurisdição se encontrar a agência ou filial.

Prorroga-se a competência em razão do lugar quando a parte não arguir a exceção no momento processual apropriado, isto é, antes da defesa do mérito.

Os §§ 1º e 3º do art. 651, como visto, contudo, preveem casos de exceção à regra geral da competência territorial exposta no caput.

Existem decisões da Justiça que equiparam os atletas de futebol aos viajantes ou representantes comerciais, enquadrando o trabalho dos futebolistas na exceção do parágrafo primeiro do artigo em comento.

Para justificar a aplicação desta hipótese do parágrafo primeiro, alguns operadores do direito alegam que a prestação de serviços do atleta se dá em diversas localidades e a competência territorial deve ser determinada pela localidade onde estiver sediada a empresa empregadora, ou na inexistência, no foro do domicílio do empregado ou localidade mais próxima.

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Sobre o tema, o eminente jurista...

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