Regularização fundiária urbana: o caminho da conquista do direito à moradia nas favelas do Cantagalo e do Vidigal

AutorFabiana Luci de Oliveira - Izabel Nuñez
Páginas149-182
CAPÍTULO 6
Regularização fundiária urbana: o caminho da conquista
do direito à moradia nas favelas do Cantagalo e do Vidigal
FABIANA LUCI DE OLIVEIRA
IZABEL NUÑEZ
Neste capítulo discutimos o processo de regularização fundiária em curso nas
favelas do Cantagalo e do Vidigal e os meios que seus moradores dispõem para
garantir o direito à moradia. Partimos da especificação do que entendemos por
regularização fundiária, destacando os principais marcos regulatórios nessa
área a partir da Constituição de 1988, apresentamos a situação atual da regula-
rização nas duas favelas estudadas e concluímos nosso texto com a percepção
dos moradores sobre esse processo.
O direito à moradia e a regularização fundiária são elementos essenciais
no percurso em busca da efetivação de direitos e da construção da cidadania
nas favelas. O direito à moradia é direito social reconhecido na Constituição
Federal e deve ser considerado de forma ampla, envolvendo não apenas a segu-
rança da posse, mas também a disponibilidade de serviços, mobiliário urbano,
infraestrutura e acessibilidade.
O direito de propriedade, por sua vez, não deve ser visto de forma absoluta,
devendo ser pensado a partir da função social da propriedade. Isto significa
dizer que a proteção do direito à moradia não depende do direito à proprieda-
de, podendo ser garantida por meio da regularização da posse (pela concessão
de uso para fins de moradia, por exemplo). Além disso, significa dizer que o
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UPPS, DIREITOS E JUSTIÇA
direito à moradia pode, muitas vezes, ser privilegiado em detrimento do direito
à propriedade. Como bem indica Joaquim Falcão,1 “A eventual ilegalidade e a
inviabilidade financeira não extinguem o direito à moradia. Apenas obrigam as
populações carentes a defender este direito por outros meios”.
A regularização fundiária está intimamente ligada à efetivação do direito
à moradia, direito fundamental previsto no art. 6o da Constituição Federal de
1988, e reconhecido por instrumentos internacionais de proteção e defesa dos
Direitos Humanos,2 que pode ser garantido tanto pelo reconhecimento, regu-
larização ou legitimação da posse (por meio da concessão de uso, por exemplo),
quanto por meio da regularização da propriedade (doação, usucapião, entre
outros), o que exploraremos de forma detalhada adiante.
Além da efetivação das garantias e dos direitos fundamentais, reafirmamos,
com Joaquim Falcão,3 que
o direito à propriedade, sobretudo o direito à moradia, é maior que as ideologias.
É condição de sobrevivência da cidadania. A estabilidade de qualquer sociedade de-
pende da tranquilidade e da experiência que cada cidadão tenha individualmente da
segurança de sua própria moradia.
De qual regularização fundiária estamos falando?
Para o estabelecimento do conceito de regularização fundiária partimos da
concepção presente no Estatuto da Cidade,4 que a define como uma das di-
1 FALCÃO, Joaquim (Org.). Invasões urbanas: conflito de direito de propriedade. 2. ed. Rio de Janeiro:
FGV, 2008. p. 10.
2 São vários os tratados internacionais que colocam o direito à moradia no rol dos direitos humanos.
Embora o tema da legislação internacional não seja o foco do presente capítulo, é importante
lembrar que entre os referidos tratados há a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25),
ONU no 4, de 1991, que define o que deve ser considerado por moradia adequada, que englobe não
só a questão da habitação, mas também uma condição de vida digna. Há ainda a Declaração sobre
Assentamentos Urbanos (1976) e a Agenda Habitat (1996).
3 Falcão, Invasões urbanas, 2008, p. 7.
4 Lei no 10.257, de 10 jul. 2001.
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA
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retrizes gerais da política urbana brasileira e destaca a importância da função
social da cidade e da propriedade urbana:
Art. 2o. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
[…]
XIV — Regularização Fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de
baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e
ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da popula-
ção e as normas ambientais;
[…]
A Lei no 11.977/2009, que cria as diretrizes do programa Minha Casa Minha
Vida, também traz uma definição de regularização fundiária que vai além da
simples regularização da situação jurídica e reconhece outras demais dimen-
sões associadas a esse processo:
Art. 46. A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urba-
nísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregula-
res e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia,
o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Betânia Alfonsin5 aponta que empiricamente podem ser encontradas três con-
cepções predominantes sobre regularização fundiária nas cidades brasileiras. A
primeira delas vê a regularização como a simples ordenação da situação jurídica,
ou seja, como o registro dos lotes em nome dos moradores que neles residem.
A segunda é aquela que foca a urbanização do espaço em que vivem as famílias,
5 ALFONSIN, Betânia. O significado do Estatuto da Cidade para os processos de regularização
fundiária no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 21 set.
2011.

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