Fórmula articulada da Lei

AutorMayr Godoy
Ocupação do AutorMestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo
Páginas190-208

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A maneira de distribuir o assunto que se quer disciplinar, no projeto, dentro do texto, constitui a apresentação material. Em outras palavras – é a sistematização da matéria legislativa com base no artigo, segundo uma dada disposição gráfica. No sistema

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jurídico brasileiro, essa sistematização já alcançou um ponto de entendimento comum dos estudiosos da técnica legislativa, assegurando um critério uniforme para a apresentação material dos textos normativos.

Esse estilo brasileiro de grafar a lei apresenta grandes vantagens em relação aos de outros sistemas jurídicos, podendo-se afirmar sua superioridade técnica. A Constituição Federal, no Parágrafo Único, do Art. 59, estabelece –

Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

Esse mandamento constitucional, de obediência às três esferas federadas, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, determinou a promulgação da Lei Complementar nº 95, de 26.2.98, alterada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001, impondo as regras normativas para atender ao querido pelo Constituinte56.

O Poder Executivo Federal, seguindo esses dispositivos, expediu o Decreto nº 4.176, de 28.3.2002, que estabelece normas e diretrizes para a elaboração, a redação, a alteração, a consolidação e o encaminhamento ao Presidente da República de projetos de atos normativos de competência de órgãos do Poder Executivo Federal, de utilidade prática para os assessores legislativos dos Poderes, de todas as esferas de Governo da Federação57.

Dir-se-á ser, talvez, em razão do grande número de leis, editadas em três esferas de governo, tenha havido mais experiência na arte de redigir a lei; todavia, não o é. De há muito se elabora a lei no Brasil com apurada técnica. As antiqualhas, aos poucos, foram sendo postas em desuso e em alguns pontos, onde se vacilava

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na escolha da melhor forma, houve melhor apuro, pouquíssima coisa restando a merecer alteração, como, vez ou outra, aqui se comenta.

1. O artigo

O artigo (articulus) vem da versão latina, do arthos grego. Desde a origem da lei, se usou redigi-la em partes. Essas partes, relacionadas entre si, como que articuladas, ficaram conhecidas por artigos, tanto nas leis religiosas – como os artigos do credo, tanto nas leis civis – como os artigos do Código de Hammurabi.

Na acepção legal, o artigo é parte da norma jurídica; contudo, dentro do texto, o artigo é a unidade básica. Aparece comumente secundado pelo parágrafo. O artigo, quando não se completa com o auxílio do parágrafo, pode ser desdobrado, como este, em incisos, alíneas, itens e letras58. Havendo muitos artigos na lei deve-se agrupá-los em capítulos; os capítulos podem estar divididos em seções, e estas em subseções, cuidando-se, em cada um deles, de artigos referentes a uma só matéria.

Para colocar o assunto legislativo no artigo, o legislador deve respeitar, além das regras da redação já vistas, mais as regras da apresentação material, cujas principais agora se vai abordar.

Um só assunto em cada artigo, sempre em um só período. Esta regra decorre dos princípios da clareza e da concisão. Um texto conciso refuta a mistura de vários assuntos e nunca se obterá clareza com coisas diversas metidas num único artigo. A boa técnica ensina tratar, em cada artigo, de uma coisa só e num só período. Em casos raríssimos se pode usar mais de um período

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em cada artigo sem prejudicar a clareza e a concisão, atentando-se, ainda, para a precisão. Neste caso, o segundo período vai na mesma linha, nunca se lhe abrindo espaço de parágrafo na linha seguinte. Há casos, assim, em leis existentes; todavia, a dano da precisão.

O legislador não fica obrigado a esgotar o assunto no artigo; daí, para melhor detalhar, pode usar os parágrafos, secundado o artigo ou, mesmo, os desdobramentos. Estes recursos asseguram concisão, clareza e outras qualidades necessárias à boa lei.

A parte geral do assunto fica no artigo.

As exceções, as discriminações e os complementos ficam nos parágrafos e nos desdobramentos.

O enunciado principal deve ser grafado no artigo. Se o assunto comportar exceções, discriminações e complementos sujeitos a regramentos maiores, isto será matéria dos parágrafos. Casos outros serão colocados em incisos, alíneas, itens e letras.

A definição do assunto deve ser feita nos primeiros artigos. Um só projeto pode tratar de vários ou de um único assunto. Se o caso for de um assunto só, o essencial é definir desde logo a matéria a ser lançada no texto com cuidado sistemático para, nos primeiros artigos, ou mesmo, no primeiro, já se ter assegurada a transmissão da mensagem legislativa. A ideia é chegar o mais rapidamente possível ao destinatário da norma, por isso, a abertura do texto legislativo precisa conter o assunto já definido.

Quando são vários assuntos, o legislador fica obrigado a esquematizá-lo, dividindo-os em capítulos. Nos primeiros artigos de cada capítulo aplicar-se-á a regra de definir o assunto a ele correspondente, quase sempre nomeado na linha seguinte à divisão do capítulo.

Nos códigos e leis assemelhadas, nas quais os capítulos aparecem agrupados em livros ou partes, nestes, cabe a presente re-

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gra, usando-se os artigos de seus primeiros capítulos para definir a matéria a ser regulada nesse diploma.

A complexidade de certas leis, pelo volume de regras a serem normatizadas, enfeixando em seus artigos todo o universo de um assunto, impõe, às vezes, as disposições gerais ou disposições preliminares, onde se define não só a matéria do texto, mas, até a significação legal das expressões usadas no conteúdo legislado. Isto ocorre, amiúde, nos códigos de edificações, nas leis de uso e ocupação do solo e nos códigos tributários, principalmente.

Os artigos seguintes à definição devem ser usados para completar a vontade legislativa.

Definido o assunto do projeto nos primeiros artigos, é possível, ainda, não ter o legislador conseguido deixar bem clara sua vontade, daí o recurso a novos artigos para complementar a ideia normativa, precisando melhor a mensagem da lei.

Não quer isto significar um conselho para rebuscar o texto. Precisar melhor é tornar mais claro. Pode ocorrer, no afã de complementar a ideia legislativa, o indesejado, isto é, deixar confuso o discurso da lei.

Aqui vale lembrar a origem ática da linguagem legislativa.

Se do ato legislativo decorrerem despesas, os recursos deverão estar previstos no último artigo do texto propriamente dito.

A ideia central acerca da lei é sua eficácia. A lei determinando despesas para sua execução, por óbvia razão, deve conter em seu texto os recursos necessários. Já se deu um exemplo do artigo destinado a positivar os recursos orçamentários para cobertura das despesas com a execução da lei59.

Esse artigo se coloca ao fim do texto normativo propriamente dito, antes das cláusulas de vigência e revogação, constituindo o comando financeiro das normas que geram despesas.

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O texto do artigo é precedido de numeração arábica. Até o nono artigo se usa números ordinais e, a partir do artigo dez, se usa os cardinais.

Ao numerar os artigos se repete o verbete abreviado – Art., sempre iniciado por maiúscula. Contudo, se começado com o verbete por extenso, não se usará a abreviação, ou, no caso inverso, começado com abreviação, vai-se, assim, sem usar o verbete abreviado.

Segue-se, ao número do artigo, um ponto: como se dissesse – este é o Art. 1º.

É erro usar-se um travessão ou hífen após o número do artigo. Veja-se este exemplo da Constituição:

Art. 1 º . A República Federativa do Brasil.....

A elegância da apresentação material do artigo no sistema jurídico brasileiro merece ser realçada. Em outros sistemas, o texto é apresentado sem essa unidade e de forma a diferir muito pouco dos textos de contratos, acordos e tratados.

2. Os parágrafos

O parágrafo (paragraphus) é a...

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