Da forma dos negócios jurídicos e da sua prova

AutorBassil Dower, Nelson Godoy
Ocupação do AutorProfessor Universitário e Advogado em São Paulo
Páginas487-508

Page 487

32. 1 Conceito de forma dos negócios jurídicos

"O contrato de comodato não tem forma estabelecida em lei. Pode ser celebrado verbalmente ou por escrito, sendo mais comum a

Page 488

forma verbal. Assim, não há exigência de que a prova da relação de comodato seja feita sempre por escrito, pois, se assim fosse, impossível seria a prova do contrato verbal" (in RT 607/149).

"Todos os fatos jurídicos têm conteúdo e forma, mas só a dos atos jurídicos é relevante para o Direito" - ensina Pontes de Miranda361. A forma é a aparência das coisas, a maneira pela qual se manifestam e se tornam sensíveis. Assim como o pensamento se objetiva pela linguagem, que é sua forma, a vontade declara-se também pela escrita, pela palavra, pelo gesto e até pelo silêncio. Ou seja, forma é o modo pelo qual a vontade se manifesta, se exterioriza. É por meio da forma que existe a comunicação, exteriorizando a vontade e, por isso, serve até de prova para a existência do negócio jurídico.

"Forma - em sentido jurídico, ensina Clóvis Beviláqua - é o conjunto das solenidades que se deve observar para que a declaração da vontade tenha eficácia jurídica; é o revestimento jurídico, a exteriorizar a declaração da vontade"362.

Considerando que o negócio jurídico é uma manifestação da vontade da pessoa, o princípio adotado pelo Código Civil, quanto à formalidade do ato negocial, para a sua validade, encontra-se no seu artigo 107, in verbis:

"A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir".

Portanto, a regra geral é que, quanto à forma, o negócio jurídico é livre. Ou seja, a validade do negócio jurídico não precisa de forma determinada; a forma só é essencial e exigida, quando a lei assim o dispuser. A propósito, certa vez o Tribunal decidiu: "Os requisitos enumerados ao art. 1.645 (novo, art. 1.876, § 1º), do Código Civil são essenciais para que prevaleça a vontade de testar, constante de documento. Declaração em separado de cinco pessoas não serve para remediar a falta de testemunhas ao ato, a que teriam assistido" (in RT 429/253).

O artigo 1.876, § 1º do CC, por sua vez, determina:

"O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico.

Page 489

§ 1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever".

O formalismo, portanto, visa manter uma certa segurança nos ajustes das relações humanas. Mas, em geral, o que prevalece é a autonomia da vontade, a liberdade de escolha da forma. Somente em certos casos, para maior segurança das relações jurídicas, a lei intervém, indicando determinada forma e, aí, esta se alinha entre os requisitos de validade do negocio jurídico (CC, art. 104, III). Quando o negócio jurídico não for constituído de acordo com a forma determinada pela lei, não vale. Essa particularidade consta da dicção textual do art. 166, IV, do CC, in verbis:

"É nulo o negócio jurídico quando:

IV - não revestir a forma prescrita em lei".

Concluindo: se a lei impõe uma forma para a prática de deter-minado ato, não vigora a regra geral (princípio da liberdade de forma).

32. 2 Espécies de forma

Os negócios jurídicos, ou têm forma livre, não solene, ou sua forma é especial, solene.

32.2. 1 Forma livre

"A cessão de direitos hereditários é negócio jurídico que reclama forma própria e única - escritura pública - sendo, portanto, impróprio o instrumento particular" (in RT 627/110).

Por vezes, para maior garantia do próprio interessado, a lei exige que determinados atos só tenham eficácia se se revestirem de determinada forma, consoante mostra a ementa do acórdão destacado. Mas o artigo 107 do CC dispõe, com muita clareza, a respeito da forma, dizendo textualmente, o seguinte: "A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir". A regra é, portanto, a

Page 490

forma livre. Esta é qualquer meio de manifestação da vontade no negócio jurídico, desde que não previsto em lei; apenas se presta como meio de prova ou como mero veículo sensível do próprio ato. Por isso, o Tribunal já decidiu que "não exigindo o contrato de mediação forma especial, pode ser provado por todos os meios admitidos em Direito, sendo permitida, portanto, a prova exclusivamente testemunhal" (in RT 699/76). "Não exige a lei para a fiança maior solenidade, podendo ela constar de instrumento público ou particular, de simples carta, declaração ou documento, em que serão mencionadas modalidades e extensão, sem necessidade de termos sacramentais. A falta de testemunhas, portanto, não invalida o ato, sendo o respectivo título hábil a ensejar execução" (in RT 609/122). "Não exigindo o contrato de mediação, forma especial, pode ser provado por todos os meios admitidos em Direito, sendo permitida, portanto, a prova exclusivamente testemunhal" (in RT 551/139).

32.2. 2 Forma especial ou solene

"A renúncia efetivada por instrumento particular fere flagrantemente o art. 1.581 do CC-16, pois não constou a presença de oficial, com fé pública, que pudesse dar solenidade ao ato, cuja exigência prende-se por certo, a evitar simulação. É de se compreender o intento do legislador, que visou proteger dos inescrupulosos, os bens que se transmitem, no instante mesmo do falecimento do antecessor, a seus herdeiros. A solenidade cria um certo entrave, um filtro purificador dos atos para os quais é exigida. Sua ausência, quando exigida, gera a invalidade do ato jurídico" (in RT 696/94).

Quando exigida pela lei como se fosse da substância do ato, a forma é especial. É aquela que vem indicada na lei, dela não se podendo fugir sob pena de nulidade do negócio jurídico. É aquela para a qual a lei impõe uma solenidade ou determinada forma para a validade do negócio jurídico, unicamente para maior garantia da ordem pública, como mostra a ementa do acórdão destacado. A venda de um imóvel à vista, por exemplo, não valerá se for feita por instrumento particular, exceto nos casos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH). O casamento e o testamento têm também forma especial ou solene.

Page 491

32. 3 Escritura pública como forma especial para validade do ato
32.3. 1 Quando as partes fixam a forma especial da escritura pública

Em um contrato, as partes podem determinar o instrumento público para a validade de certo ato. Quando isto acontecer, esta será a forma pertencendo ela à sua substância. "No negócio jurídico celebrado com a cláusula de não valer sem instrumento público, - diz o art. 109 do CC - este é da substância do ato".

32.3. 2 Quando a lei impõe a escritura pública

Há casos em que a lei exige a escritura pública para certos atos, e, quando isso acontecer, as partes têm que comparecer perante o oficial público e fazer uma declaração de vontade. Uma vez assinado o ato pelo oficial público e pelas partes, aquele encerrará o instrumento, dando fé pública do ato ocorrido. Presume-se que o conteúdo desse ato seja verdadeiro, até prova em contrário. Exemplo típico de negócio jurídico realizado através dessa forma é a cessão de direito hereditário que pede instrumento público, por ser legalmente considerado imóvel (CC, art. 80, III) e para garantia da ordem pública.

32. 4 Provas dos negócios jurídicos

Tendo o atual Código de Processo Civil chamado para si toda a regulamentação do instituto da prova concernente às partes das disposições gerais e da essência dos meios dela, podemos afirmar que a prova é, em face do nosso "jus positum", um instituto da ciência processual. Sua natureza jurídica, portanto, é de direito processual, porque destina-se propriamente a produzir efeitos em juízo quando o direito não é cumprido.

Como neste capítulo, o nosso Direito Material Civil também se ocupa deste importante instituto, farei breve estudo com o fim único de consolidarmos a matéria.

Page 492

Considerando ser a natureza jurídica da prova um instituto da ciência processual, será fácil apresentar a sua definição: prova é o meio pelo qual se apura a verdade em juízo. Trata-se de um meio utilizado pelas partes para a obtenção de um resultado. Veja-se a definição fornecida por Pedro Batista Martins: "O conjunto de elementos de que serve o juiz para formar a convicção sobre os fatos em que se funda a demanda".363

A finalidade da prova, por conseguinte, é a apuração da verdade, e o Código adjetivo adotou o princípio no sentido de conceder ao juiz certa autoridade na direção do processo, munindo-o de recursos que lhe permitam determinar de ofício, ou a requerimento das partes, as provas necessárias à instrução do processo, a fim de conseguir a certeza sobre o conteúdo dos direitos subjetivos conflitantes.

Seguindo o roteiro do Código Civil e adaptando-o ao sistema do Código de Processo Civil, consideraremos as provas dos negócios jurídicos, aos quais a lei impõe forma especial, e as provas dos atos de forma livre.

32.4. 1 Prova dos atos aos quais a lei impõe forma especial

Se para a validade do negócio jurídico a lei exige forma especial, como por exemplo, a escritura pública, o instrumento particular, neste caso, será ineficaz.

Nesta linha de pensamento, a prova da idade, do estado civil, da capacidade, da filiação ou da naturalidade só se faz através da certidão do registro competente nos cadastros oficiais, assim como a prova da propriedade de imóvel e dos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT