Fontes não codificadas do Direito Internacional

AutorEneida Orbage de Britto Taquary
Páginas97-125

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Introdução

O presente trabalho tem por objetivo o estudo das fontes não codificadas do Direito Internacional.

A matéria não encontra uma uniformidade de entendimento em razão de vários fundamentos, dentre eles o fato de que não existe codificação das regras gerais e comuns do Direito Internacional, nem tampouco um sistema normativo hierarquizado, que estabeleça a primazia dos tratados sobre os costumes ou sobre os princípios gerais de direito, a doutrina, a equidade e sobre as normas de caráter peremptório, denominado de jus cogens.

Todavia, o desenvolvimento rápido do Direito Internacional decorreu de sua criação do como ciência autônoma, no século XVII, e das grandes obras de Hugo Grotius (Mare liberum e De jure belli ac pacis), e também devido aos tratados de Vestefália, que difundiu o princípio da igualdade jurídica dos Estados e em conseqüência o do equilíbrio europeu. Foi, porém no século XVIII, por intermédio das primeiras uniões administrativas e a doutrina de Bentham que pregava a codificação como garantia da estabilidade legal da sociedade internacional, que surge pela primeira vez a utilização da expressão internacional law, em 1780.

N o século XI não se pode esquecer de Pasquale Fiore, na Itália, e J. C. Bluntschli, na Suíça, cujos projetos de codificação foram precursores dos trabalhos de codificação interamericano, proposto por José Higino, e realizados no México, que foi coroado com a assinatura em 1928 em Havana da Convenção de Direito Privado, conhecido como Código Bustamante.

A codificação do Direito Internacional também foi preocupação da Liga das Nações que estabeleceu princípios gerais de direitos que deveriam ser seguidos por todos os Países signatários para se alcançar a paz, bem como a criação de uma comissão de peritos encarregada de proceder aos trabalhos de codificação, ensejando a realização da Primeira Conferência de Codificação do Direito Internacional, em Haia, 1930.

Essa preocupação da LdN não foi reforçada na Carta da ONU. Mas, ao dispor sobre a Assembléia Geral, previu no seu art. 13, dentre outras atribuições a de promover do desenvolvimento progressivo do direito internacional e de sua codificação; criou a Comissão e Direito Internacional; e previu por meio do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional depois Corte Internacional de Justiça, em seu art. 38 a função dePage 99 decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicando as convenções internacionais, quer as gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados Litigantes; o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito; os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; sob ressalva da disposição do artigo LIX, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito; e por fim a equidade, ex aequo et bono, desde que as partes com isto concordarem.

Restou provado, com o dispositivo acima que havia a necessidade de estabelecer os meios de produção e elucidação da norma jurídica internacional, sempre que não houvesse o tratado celebrado entre os Estados, ou havendo ocorresse a necessidade de declarar o sentido e o alcance da norma, bem como o interesse da comunidade internacional.

Todavia, com a ONU, o avanço na proclamação de declarações foi desenfreado, dada a necessidade de proteger o homem contra os horrores da Segunda Guerra Mundial e as novas diretrizes da economia mundial, instigando os Estados a aceitarem as resoluções dos organismos internacionais como regras cogentes, e logo como fontes do Direito Internacional.

No campo dos Direitos Humanos as resoluções dos organismos internacionais é indiscutivelmente fonte do direito. Tanto é assim que a nossa Constituição admite nos seus §§ 1º e 2º, do art. 5º, a aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, entendendo essas como as constantes na Constituição Federal, decorrentes dos princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. O mesmo se pode afirmar quanto à matéria tributária, porque o nosso Código Tributário Nacional estabelece em seu art. 981, que os tratados de direito tributário têm supremacia sobre a lei nacional.

Todavia, a aplicação imediata de resoluções de organismos internacionais e dos próprios tratados em outras áreas do direito que não versem sobre direitos humanos e tributário segue procedimento totalmente diverso quanto ao seu reconhecimento e sua aplicação. Deve anteriormente à sua entrada em vigor, ser aprovado pelo CongressoPage 100 Nacional, por intermédio de Decreto Legislativo e posteriormente ratificado por ato do Presidente da República.

Logo, com a estrutura constitucional em vigor, ainda que o Brasil reconheça as fontes do direito internacional não codificadas, se essas não forem, por intermédio de tratados, convalidados pelos Poderes Legislativo e Executivo, não terão força cogente e logo poder de coerção, de se fazerem valer.

No atual cenário internacional, o quadro acima descrito vem sendo alterado em razão do reconhecimento da supremacia dos tratados sobre a ordem interna; o respeito às normas, emanadas de atos de organizações internacionais, que trazem em seu bojo princípios gerais de direito internacional e que têm força cogente e serem aplicadas imediatamente; e por fim o desempenho eficiente da Comissão de direito internacional.

Entretanto ainda hoje as fontes do Direito Internacional são divididas em formais e materiais, convencionais ou não, codificadas ou não codificadas. As chamadas fontes materiais, reais, direitas ou mediatas retratam os elementos fáticos decorrentes da dados históricos, sócio-econômicos, culturais, geográficos e políticos, vigorantes em determinadas épocas e que conduzem à elaboração de uma norma aceita pelos Estados ou de um tratado internacional. Estas integram as chamadas não escritas, convencionais ou não convencionais.

Dentre as fontes materiais convencionais não escritas estão incluídos os costumes, os princípios gerais de direito, a equidade, a doutrina, e a jurisprudência dos publicistas, mais qualificados. São estas as fontes mencionadas no art. 38 do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça. As fontes materiais não codificadas ou não convencionais são expressas por meio dos atos de organizações internacionais, os atos unilaterais dos Estados e o jus cogens. Essas últimas integram o objeto do nosso trabalho.

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1. Fontes do Direito Internacional
1. 1 Generalidades

A dificuldade em tratar do tema fontes do Direito Internacional está relacionada com a ausência de um sistema legislativo internacional, que apesar de ser anseio da Comunidade Internacional, vem se constituindo de forma lenta, caracterizando-se por intermédio das regras da Comissão do Direito Internacional, órgão auxiliar da ONU, criado em 1947, com função específica de incentivar o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e sua codificação; e pela celebração de tratados, cujo processo de elaboração foi estabelecido na Convenção de Viena Sobre Direito Dos Tratados, datada de l969, ainda não ratificado pelo Brasil.

O objetivo de codificação do Direito Internacional, transformando todas as regras em escritas, sistematizando-as e classificando-as, apesar de ter sido incrementado no século passado, teve sua gênese no século XVIII, com Bentham, que pregava a codificação como garantia da estabilidade legal da sociedade internacional2. 2 Mas, o início da efetivação dessa sistematização teve sua expressão com a Paz de Westfália, datada de 1648, que marcou o término da Guerra dos Trinta Anos, e a primeira iniciativa dos Estados Europeus deliberarem em conjunto. Após a Revolução francesa e sua influência benéfica, vieram as primeiras uniões administrativas e o Congresso de Viena sobre o Danúbio e o Reno3, datado de 1814-1815, regulando a navegação, bem como outras convenções abolindo o comércio de escravos.

Na evolução da codificação do Direito Internacional há que se mencionar a criação do congress system, que viabilizou a celebração de muitos tratados em congressos ou conferências internacionais; da Internacional Law Association, Institut de Droit Internacional (1873), e o Harvard Research in International Law (1927); as Conferências da Haia, de 1899 e 19074, a criação do commitee of experts for the progressive codificationPage 102 of international law pela Sociedade das Nações até a Carta da Organização das Nações Unidas, que promoveu a criação da International Law Commission, atendendo aos objetivos propugnados em seu art. 135.

Não se pode deixar de mencionar as seguintes conferências que tinham por objetivo a codificação do direito internacional público:

  1. Conferência de Genebra sobre o direito do Mar-1948. Tratou da largura do mar territorial, pesca e conservação dos recursos biológicos do mar, acesso ao mar de países sem litoral e a plataforma continental. Além dessa uma outra ocorreu em 1958, não fixando ainda a largura do Mar territorial e outras quatro sobre o mar territorial; o Alto mar; Plataforma Continental e Conservação dos Recursos vivos do Mar.

  2. Conferência de Viena sobre Relações Diplomáticas-1961. Destacou-se pela liberalidade com que tratou os detentores de prerrogativas e imunidades diplomáticas. Tratou ainda da utilização de aparelhos radiofônicos. O agente diplomático deixa de ser um para compreender a Missão.

  3. ...

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