Flexibilização trabalhista na sociedade pós-moderna

AutorLeonardo Sales de Aguiar
Ocupação do AutorBacharel em Direito pela Unicap. Pós-Graduado em Direito Público pela ESMAPE. Pós-Graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
Páginas105-112

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Aspectos históricos: a influência do liberalismo e da globalização no Direito do Trabalho

O trabalho surgiu como uma necessidade, uma vez que o homem precisava garantir a sua subsistência, e para garanti-la, utilizou-se da mão de obra escrava, advindas dos povos vencidos nas guerras. Primordialmente, os povos vencedores aniquilavam os vencidos; com o tempo, observaram que era mais viável aprisioná-los e escravizá-los, utilizando-os como mão de obra, moeda de troca e mercadoria.

Posteriormente, com a decadência do sistema escravista, tendo como razões preponderantes, a diminuição da oferta da mão de obra escrava, alto custo da manutenção dos escravos e a influência do cristianismo, surge a servidão como alternativa. A relação de domínio modifica-se deixando o servo de ser "coisa" e passando a ser visto como pessoa.

As transformações que atingiram a Europa nos séculos XI a XV modificaram o modo de vida dos senhores feudais e dos servos. Neste período, começam a surgir as cidades urbanas e as rotas comerciais, inclusive com o Oriente Médio. As corporações de ofício, que surgiram no sistema feudal, proporcionando alterações econômicas, intensificam o crescimento da população urbana e os grupos profissionais passaram a fortalecer a produção artesanal através das corporações e associações.

Diante disso, tais corporações ampliaram as lutas sociais em prol do trabalho livre e da ruptura da sociedade civil. E neste cenário, surge a sociedade capitalista, cujo sistema tem como pilar o trabalho assalariado. Junto com o surgimento do capitalismo, foi instituído o contrato de trabalho decorrente da relação empregatícia, que se alicerça no trabalho livre juridicamente subordinado.

A formação histórica do Direito do Trabalho surgiu como consequência da questão social que foi precedida da Revolução Industrial do século XVIII, pois o surgimento do capital industrial requereu a exploração de uma massa enorme de trabalhadores, produzindo uma reação humanista disposta a preservar e a garantir a dignidade do ser humano. Esse período revolucionário assinalou inúmeras reformas e modificações econômicas, sociais e políticas sucessivas que provocaram transformações estruturais na sociedade1.

A inserção das máquinas nas atividades laborais das indústrias que, a princípio, vieram para diminuir a jornada de trabalho dos empregados e elevar os salários (com base no maior rendimento do trabalho produzido), causou efeitos essencialmente opostos.

Com o rápido desenvolvimento industrial, as máquinas passaram a desempenhar as mais diversas atividades laborais, em substituição do trabalho humano. Inicialmente, tal movimento gerou grande desemprego e revolta. Entretanto, com o veloz desenvolvimento das indústrias, a mão de obra foi sendo reabsorvida, ainda que em condições extremamente desfavoráveis para os trabalhadores.

Em decorrência da excessiva oferta de mão de obra, os salários foram sendo estabelecidos em valores cada vez mais inferiores e, por outro lado, as jornadas de trabalho eram ampliadas para condições cada vez mais desumanas. A imposição dessas condições, a exigência de excessivas jornadas de trabalho, a exploração das mulheres e menores (que constituíam mão de obra mais barata), os acidentes ocorridos com os trabalhadores no desempenho de suas atividades, a insegurança quanto ao futuro e os baixos salários, tudo isso decorria da inexistência de normas que regulassem esse sistema2.

O contrato de trabalho resultava do livre acordo das partes, todavia, observa-se, que o patrão era quem fixava as normas e, portanto, detinha o poder de extingui-las ou modificá-las a seu arbítrio.

Com o passar dos anos, surgem as ideias liberais inspirando a Revolução Francesa (1789), a qual desfavoreceu os trabalhadores através da teoria de Adam Smith do laissez faire, laissez passer3. Tal movimento revolucionário,

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afirmava a igualdade jurídico-política dos cidadãos, e adotava o princípio do respeito absoluto à autonomia da vontade (liberdade contratual)4.

A busca pela liberdade absoluta deixa o homem à procura do seu próprio interesse, sem interferência do Estado, e ocasiona, consequentemente, a elaboração de uma primeira regulamentação trabalhista, que compreende, dentre tantas outras, normas sobre jornada de trabalho, descanso nos feriados e remuneração5.

Destarte, tais atitudes representaram uma reação contra o absolutismo, vez que passou a imperar o liberalismo, baseado na teoria que é uma sociedade política instituída pelo consentimento dos homens que viviam em estado de natureza e na qual, cada um, sob a direção da vontade geral, vive em liberdade e igualdade e com a garantia da propriedade de tudo o que possui.

Com fundamento na "teoria do Estado mínimo", este deveria permanecer afastado totalmente dos assuntos econômicos, deixando que os particulares atuassem livremente e, desta forma, regulassem suas relações laborais. O Estado-juiz atuaria como um simples intermediário entre o povo e a vontade geral. Suas únicas funções seriam a) manter a ordem; b) assegurar a liberdade civil e política,

  1. administrar a justiça e d) promover a defesa contra a guerra externa.

Aos poucos, e tendo em vista a precariedade das condições de trabalho, praticamente impostas pelo empregador ao empregado e, influenciado pela consequente reação humanista cuja meta era defender os direitos dos vulneráveis trabalhadores industriais, regendo as relações individuais e coletivas, criou-se o denominado Direito do Trabalho (ou dos trabalhadores).

O Direito do Trabalho no Brasil

Em meio aos vários movimentos dos trabalhadores disseminados na Europa, no que se refere à jornada de trabalho, ao limite mínimo de idade para trabalhar, ao descanso semanal, entre outros, no Brasil, esses direitos passaram a ser almejados somente após o fim da escravidão (1888). Com a decadência desse período tão desumano para a raça negra, passou a sociedade brasileira a ansiar, radicalmente, por seus direitos laborais. No entanto, a princípio, no fim do século XIX, os movimentos que levariam às conquistas de tais direitos foram insignificantes, e somente vieram a se desenvolver com mais êxito, estourando inúmeras greves, no início do século XX.

Ocorreram inúmeras paralisações dos empregados de diversos setores no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife e Ceará, visando à diminuição da jornada de trabalho, ao fim dos maus-tratos, ao aumento dos salários e até mesmo contra a nomeação de determinado diretor de oficina. Durante esse período, a massa trabalhadora reivindicava por todos os seus direitos, diferentemente do século anterior, que sofria serenamente contra todo e qualquer abuso que afetasse sua integridade física e moral.

Esses movimentos foram se desenrolando em prol da conquista dos direitos laborais, até que, na década de 30, na iminência da conquista do poder federal, Getúlio Vargas iniciou positivação dos direitos dos tão sofridos empregados.

Com a Constituição Federal de 1934, foi garantido aos trabalhadores direitos individuais tão almejados, quais sejam, "salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às necessidades do trabalhador" (art. 121, b); repouso semanal, preferencialmente aos domingos (art. 121, e); férias anuais remuneradas (art. 121, b); instituiu que a idade mínima para trabalhar seja de 14 anos - se for à noite, 16 anos, e se for em indústrias insalubres, 18 anos e mulheres (art. 121, d); licença da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário (art. 121, h); indenização ao trabalhador pela despedida sem justa causa (art. 121, g), entre outras prerrogativas.

Destarte, a partir da Constituição de 1934, tida como marco fundamental no direito laboral do Brasil, as demais constituições subsequentes vieram e continuaram garantindo e até criando outros direitos dos trabalhadores.

Não obstante, somente com o Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, foi promulgada a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que regeu essa matéria, distribuída em onze títulos, elucidando e determinando, paralelamente à Carta Magna vigente e demais normas, todos os direitos laborais até hoje adquiridos.

O Direito do Trabalho atual, decorrente da revolução tecnológica e do liberalismo e sua consequente flexibilização laboral, resguarda a possibilidade de substituição do Poder Estatal em detrimento dos acordos praticados pelos particulares (patrão e empregado), nas relações trabalhistas. Em face disto, observamos que passam a surgir novas formas de contratação funcional, como o contrato por prazo determinado (Lei n. 9.601/986), o contrato

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por tempo parcial e a terceirização, que aparecem como minimizadores da atuação do Poder Estatal e propiciadores de uma relação mais paritária entre o empregado e o empregador.

O surgimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), Agência mais antiga do Sistema das Nações Unidas, foi criada pelo Tratado de Paz assinado em Versalhes em junho de 1919. Consoante ficou consignado em sua Constituição, a OIT foi estabelecida com o objetivo de definir e promover políticas sociais a nível internacional numa fase marcada pela revolução industrial.

Desde sempre, a OIT integrou representantes dos Governos, das Organizações sindicais e das Organizações patronais. A participação de representantes dos empregadores e dos trabalhadores, colaborando em pé de igualdade com os representantes dos Governos, tendo em vista a procura de consensos para promover o bem...

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