O Conceito de Responsabilidade Social da Empresa Segundo o Direito, a Filosofia e a Administração: Reflexões Jus-Filosóficas

AutorEmilim Shimamura/Elve Miguel Cenci
CargoDiscente do curso de Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL)/Doutor em Filosofia Política -Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Páginas65-74

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1 Introdução

O debate sobre as consequências da globalização é tema bastante recorrente no meio acadêmico. Discute-se, sobretudo, a incidência de políticas neoliberais no cenário mundial, e a relação que este fenômeno guarda com o enfraquecimento do poder estatal e aumento das desigualdades sociais. Além disso, é questionado o modelo de produção e consumo hoje internacionalizado que, além de colaborar para acirrar ainda mais as injustiças apontadas, é também responsável, em grande parte, pela degradação ambiental.

Diante deste quadro, a preocupação está em responder se existe solução para os problemas apontados, e dentre as diversas teorias que discutem a questão, atualmente ganham corpo os estudos relativos à Responsabilidade Social da Empresa.

De modo geral, parte-se da premissa de que a empresa é, nos dias atuais, a maior detentora de poder, seja na área econômica, política e social, como também na ordem cultural dos povos. Desta maneira, como deixar de tratar da responsabilidade social, haja vista o grau de influência que exerce sobre o mundo, além da relação de interdependência com a natureza e a sociedade.

Assim, optou-se pelo estudo desta responsabilidade, principalmente no tocante à análise de seu conceito e às diversas abordagens tratadas em âmbito jurídico, filosófico e administrativo, no sentido de demonstrar que a falta de unidade conceitual pode acarretar em consequências jurídicas e sociais negativas.

Para tanto, será necessário primeiramente compreender que apesar da oportunidade criada pela globalização para que empresa e ética possam atuar em novos campos, decorrentes principalmente da redução da capacidade estatal e da insuficiência jurídica em resolver os problemas gerados pela nova ordem, não se pode excluir, no entanto, como analisa Marques Neto (2002), o papel do Estado, ou do direito como meios de solução. Pelo contrário, é da reunião de esforços que se possibilitará a efetividade da Responsabilidade Empresarial. Além disso, pela urgência que clamam os problemas socioambientais é que se justifica pensar em soluções tanto pelo viés da moral e ética, como pela atuação do direito, ou por ora integrados.

Neste sentido, cabe ainda ao Estado, na sua função republicizadora, a garantia de direitos fundamentais mínimos, que o legitima a intervir na economia. Esta se faria, no caso da responsabilidade empresarial, por meio de leis que permitissem incentivos fiscais às empresas responsáveis e

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morais em sua gestão.

A intervenção, portanto é possível, contudo, a consecução deste passo, ou seja, a criação de uma lei sobre Responsabilidade Social encontra de início um problema perceptível, qual seja, não há um conceito unificado sobre a matéria. Existem na realidade vários, com fundamentações não apenas diferentes, mas em alguns casos até mesmo opostas, o que gera consequências negativas, dentre elas se destaca a dificuldade em legislar e escolher quais ações devem ser beneficiadas pelo Estado.

Diante a existência dos vários conceitos, a tarefa do presente estudo foi identificar no Direito, na Filosofia e na Administração de Empresas como a matéria vem sendo tratada, para posteriormente demonstrar a possibilidade de um fundamento válido, universal e rigoroso para o conceito.

Para melhor orientação, a pesquisa centrou em 4 eixos temáticos: o primeiro traz as noções gerais sobre o fenômeno da globalização e suas conseqüências; o segundo faz menção ao modo como o conceito vem sendo tratado na área jurídica; o terceiro aponta o enfoque dado pela Administração de Empresas; e no quarto o foco será o estudo da abordagem filosófica, em que pese a aplicabilidade da moral nas empresas.

2 Material e Método

O presente trabalho, devido a natureza interdisciplinar, fez uso da contribuição indutiva na pesquisa bibliográfica. Esta foi dividida em duas fases, a primeira, denominada preparatória, teve por tarefa a escolha do tema, bibliografia básica e demarcação de período histórico, que compreendeu, sobretudo à Idade Contemporânea, em específico o fenômeno da globalização. A segunda etapa, fase de execução, fora destinada à leitura, fichamentos e análises críticas. Os principais materiais utilizados foram livros, periódicos, artigos científicos, teses, dissertações e sites.

3 Resultados
3. 1 Globalização e responsabilidade social da empresa

Segundo Marques Neto (2002), falar na crise da soberania estatal, entendida aqui como a diminuição do poder do Estado nos processos decisórios, remete o problema para dois fatores que interferiram significativamente para sua ocorrência: a globalização econômica e o processo de fragmentação social.

Chamada também de internacionalização, planetarização ou mundialização, a globalização, que para teóricos como Batista Junior (apud Marquez Neto, 2002), existe de longa data, é um fenômeno irreversível que tem por base dois pilares para a sua ocorrência, a evolução tecnológica e a transnacionalização de mercados.

Verifica-se, com o fenômeno, não somente a substituição da multinacional, local e pesada, para a forma transnacional, flexível e distribuída por vários cantos do mundo, mas também o que se convencionou chamar de desterritorialização; fenômeno pelo qual o poder econômico, político, social, cultural ganha contorno global, sem fronteiras e descentradas, o que marca a globalização em diversos setores da vida humana.

Diante de tal quadro, Habermas (1999) analisa que os Estados vêem seu poder de manobra ser paulatinamente reduzido, dado que as relações de produção em escala mundial escapam às suas políticas intervencionistas.

A este primeiro fator, como analisa Marques Neto (2002), soma-se ainda a transnacionalização de mercados, que pode ser traduzido por uma padronização do consumo mundial, devido aos mecanismos publicitários de venda a que todos estão submetidos. O que acarreta na internacionalização dos mercados de insumo, consumo e financeiro e limita a atuação estatal em suas políticas cambiais, monetárias e tributárias.

Segundo Marques Neto (2002), tal fragmentação pode ainda ser observada na forma de movimentos sociais, pelo neocorporativismo e pelo que os sociólogos chamam de pluralismos. Sem se ater o significado de cada grupo, cabe esclarecer que tais organizações sociais passam a desenvolver formas não-estatais de organização macropolítica, decorrentes principalmente do ônus trazidos pelo fim de um Estado garantidor de direitos sociais. Sendo o que pode ser chamado de Organizações Não-Governamentais (ONG), que passam a assumir funções de caráter estatal, como reivindicação e fornecimento de direitos ambientais e sociais.

Neste mesmo sentido, Habermas (2001) entende que a globalização é um fenômeno inevitável, e que a principal consequência a ser analisada é o fim do protecionismo estatal e a volta da economia pautada pela demanda, deste modo, verifica-se a derrocada do Estado de bem-estar-social.

Além desta primeira situação, outra ainda, de igual relevância, é a verificação do alto grau de degradação ambiental decorrente, principalmente, do padrão de consumo gerado pelo aumento de tecnologias e da cultura global que o fomenta.

Desta forma, de acordo com Ferreira Netto (2007), dados apontam realidade preocupante, segundo o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) estima-se que o homem ultrapassou em 20% os limites de exploração que o planeta pode suportar sem se degradar e este número cresce na proporção de 2,5% ao ano.

O problema ambiental, contudo, a ser enfrentado atualmente diz respeito não somente aos limites que a natureza possui para atender a velocidade de satisfação ilimitada. Mas compreender que o conceito de meio ambiente vai além dos aspectos físicos, uma vez que aborda em seu conjunto aspectos socioeconômicos, como ficou entendido em Estocolmo.

Segundo Almeida (2009) dados da Organização das Nações Unidas -ONU, teríamos o seguinte quadro a resolver:

O mundo abriga 4 bilhões de pessoas fora do mercado. No Brasil, a situação é igualmente delicada: somamos 50 milhões de miseráveis, mais de 25% da população do país, sem acesso a educação, saneamento e energia, de acordo com estatísticas de instituições oficiais. O quadro explica a violência crescente, no Brasil e no restante dos países pobres.

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Assim visto, é possível aferir que a globalização trouxe como principais consequências a diminuição da soberania do Estado em razão da limitação do seu poder decisório frente ao quadro socioeconômico estabelecido. Como promotor de direitos sociais, financiados principalmente por sua capacidade de intervenção, e o retorno de políticas neoliberais, conjuntamente com a queda do Estado de bem-estar-social, o Estado deixa de cumprir com tais atribuições, o que faz acirrar ainda mais os problemas relativos a questão das desigualdades e injustiças materiais.

Diante deste quadro, muitas teorias passam a discutir possível solução para os problemas gerados, e atualmente a Responsabilidade Social da Empresa ganha corpo. Parte-se da premissa que o poder econômico é atualmente a maior força ou concentração de poder, capaz de definir políticas dos países do mundo todo. Assim, por contar com alto grau de influência, seja político, econômico e inclusive cultural, é nela que estariam os suportes necessários para financiar projetos socioambientais.

Segundo Marzà (2008), a responsabilidade da empresa ocorre na medida em que àquela passa a gozar de liberdade de ação maior que qualquer...

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