Filiação eudemonista constitucional no processo judicial de adoção: Igualdade na perfilhação socioafetiva e genética

AutorCelina Kazuko F. Mologni
CargoUniversidade Estadual de Londrina (UEL). Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).
Páginas5-12

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1 Introdução

O tema abordado foi inspirado a partir da assistência jurídica prestada pelo Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito da Universidade Norte do Paraná (UNOPAR), de Londrina, Estado do Paraná, em diversos processos judiciais de ação de adoção, normalmente, cumulada com destituição de poder familiar.

Trata-se de processos que, normalmente, vêm tramitando há muitos anos, em decorrência de formalidades processuais, o que tem sido motivo de sofrimento processual dos adotantes e dos adotandos, sobretudo, pela necessidade de se regularizar o assento de nascimento para efeitos de obtenção de documentos pessoais, a partir da certidão de nascimento para todos os efeitos jurídicos da vida do adotado.

A Constituição Federal consagrou o princípio da igualdade da filiação, outorgando-se mesmos direitos para os filhos e vedando-se qualquer qualificação ou distinção entre eles. Contudo, no plano fático, existem filhos decorrentes de naturezas diversas: a filiação biológica e a sociológica.

E mesmo para o ato da perfilhação, isto é, para se

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obter o reconhecimento da relação jurídica paterno-filial, visando a obtenção do assento de nascimento do filho, o nosso ordenamento jurídico deu tratamento diferenciado. Essa distinção é observada, principalmente, no processo judicial de adoção, que é objeto do presente estudo. Assim, questiona-se a dificuldade e a demora na conclusão do processo judicial de adoção, na forma como está prevista pelo ordenamento jurídico.

A partir da nova hermenêutica constitucional, sugerem-se alternativas para a solução do caso, com fundamento no devido processual legal, que, necessariamente, implica em tempestividade, adequação e justiça nas decisões, dentro do contexto dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, na trilha do acesso à justiça, com fim único de, efetivamente, realizar a igualdade da filiação preconizada pela Constituição Federal, independentemente de sua origem e natureza, sejam decorrentes de filiação genética ou de afetividade.

2 Nova Hermenêutica Constitucional: Princípios Constitucionais e a Técnica Legislativa das Cláusulas Gerais
2. 1 Pluralismo jurídico na pós-modernidade

A Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 foi promulgada na época da pós-modernidade, cuja característica é assim descrita por Barroso (2004, p.303-6):

A era da velocidade. A imagem acima do conteúdo. O efêmero e o volátil parecem derrotar o permanente e o essencial. Vive-se a angústia do que não pôde ser e a perplexidade de um tempo sem verdades seguras. Uma época aparentemente pós-tudo: pós-marxista, pós-kelseniana, pós-freudiana. [...] A paisagem é complexa e fragmentada. [...] No campo econômico e social, tem-se assistido ao avanço vertiginoso da ciência e da tecnologia, com a expansão dos domínios da informática e da rede mundial de computadores e com as promessas e questionamentos éticos da engenharia genética. [...] O paradigma jurídico, que já passara, na modernidade, da lei para o juiz, transfere-se agora para o caso concreto, para a melhor solução, singular ao problema a ser resolvido.

Portanto, no contexto de pluralismo jurídico, o novo paradigma não necessariamente passa da lei para o juiz, e sim, analisa-se o caso particular, inserindo-o no contexto do ordenamento jurídico para se resolver o problema. Pode-se afirmar que, muitas vezes, a lei pode não prever a solução de um determinado caso concreto, ou se previsto, o seu conteúdo normativo pode não dar respostas de acordo com os anseios constitucionais, tal como a igualdade na filiação, cuja apreciação exige do intérprete ponderação de interesses, como no processo judicial de adoção.

A época do pós-positivismo surgiu após a Segunda Guerra Mundial, com a derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, movimentos políticos e militares que cometeram atrocidades em nome da lei e em obediência às ordens emanadas de autoridades. Essa situação provocou no pensamento da humanidade aversão à mera aceitação da formalidade da lei, sobretudo, da lei indiferente a valores éticos (BARROSO, 2004, p. 349).

Abre-se, assim, caminho a reflexões acerca do Direito, com tendência a despertar a função social na sua interpretação e aplicação, construindo-se idéias a partir de valores éticos, princípios e regras constitucionais, sobretudo no discurso dos direitos fundamentais, destacando-se, entre eles, dois que despontaram, no Brasil, nos últimos anos: o princípio da razoabilidade e o da dignidade da pessoa humana.

2. 2 Princípio da razoabilidade e da dignidade humana

O princípio da razoabilidade teve sua trajetória histórica no direito norte-americano a partir da cláusula do devido processo legal. O tema foi amadurecido pelo direito alemão, através de estudo romano-germânico e chegou ao debate nacional com a denominação de princípio da proporcionalidade (BARROSO, 2004, p. 333).

A razoabilidade permite ao Judiciário produzir melhor resultado em caso concreto, como mecanismo de controle da discricionariedade legislativa e administrativa.

O princípio da dignidade humana trata de um conjunto de valores morais do ser humano. É o respeito ao ser humano, pela própria condição humana. Por isso, o seu conteúdo jurídico associa-se aos direitos fundamentais com proposta de concretização do mínimo existencial, na vida humana, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, incluindo-se os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça.

Como fundamento da República Federativa do Brasil, consagrado no artigo 1, III da Constituição Federal, o princípio da dignidade humana tende a situar o ser humano no centro do sistema do ordenamento jurídico, não só como sujeito de direitos, mas sim como informador do direito à tutela estatal para cuja realização devem convergir as normas.

Reale (1998, apud MARTINS-COSTA, 2002, p. 181-2), desde as suas primeiras obras, dispensa atenção ao valor da pessoa humana como "valor-fonte de todos os valores" ou "valor-fonte do ordenamento":

[...] é um Pluralismo e liberdade que assentará com todas as letras que o 'problema central da axiologia jurídica, vista em função da experiência histórica, é o relativo ao valor da pessoa humana' [...]. A 'grande tarefa de nossos dias', dirá, 'é reconquistar o enlace ônticoaxiológico essencial ao conceito integral da pessoa'.

No Estado neoliberal, isto é, na pós-modernidade, na "pós-tudo", como se mencionou, tende "inclinar-se pela interpretação que melhor otimize os princípios (princípio como mandamento de otimização - Alexy) constitucionais" (GEHLEN, 2002, p. 188).

Por outro lado, em sintonia com o comando constitucional, na dinâmica da interpretação, estabelece o artigo 5 do Decreto-lei 4657, de 10 de janeiro de 1942Lei de Introdução ao Código Civil: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins a que ela se dirige e às exigências do bem comum", cujo preceito é reafirmado por

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Recaséns Siches:

A interpretação jurídica resulta numa compreensão valorativa, num juízo de valor que não se extrai do nada, mas, ao contrário, decorre da intuição das tendências sócio-culturais da comunidade, e fundamenta-se nos 'cânones axiológicos que pertencem à ordem jurídica vigente [...] 'na função judicial se produzem valorações ou estimativas. 'Isso não quer significar que tais valorações ou estimativas sejam a projeção do critério axiológico pessoal do juiz, de seu juízo valorativo individual. Pelo contrário, as mais das vezes sucede, e assim deve ser, que o juiz emprega, como critérios valoradores, precisamente as pautas axiológicas consagradas na ordem jurídica positiva, e trata de interpretar esses cânones estabelecidos pela ordem vigente, pondo-os em relação com as situações concretas de fato que se lhe antolham (SICHES, 1956, apud SILVA, 1998, p. 157).

Assim, os casos concretos devem se pautar na realização da eqüidade em suas soluções, atendendo a tábua axiológica visada pela lei, sem se descuidar do seu fim social e a exigência do bem comum. Tendo como centro, no caso em estudo, a questão da filiação não biológica, isto é, a sócio-afetiva, envolvendo a adoção, como fonte de produção de direitos iguais aos nascidos da filiação biológica, desde o ato de reconhecimento do vínculo paterno-filial.

2.3. Cláusulas gerais

No incursionamento do tema debatido, analisa-se, também, a utilização da técnica legislativa de modelos jurídicos abertos, com a adoção de cláusulas gerais e afirmação da principiologia (§ 2º do artigo 5 da Constituição Federal), a qual alarga o conteúdo dos direitos e garantias fundamentais aos princípios e aos tratados internacionais dos quais a República Federativa do Brasil é parte.

É esta a tendência da atualidade normativa, recheada de modelos jurídicos abertos, pois o fato regulado com tipicidade caracteriza a casuística, uma pré-figuração do conceito perfeito e acabado, exigindo do intérprete apenas a operação mental da subsunção de determinar o sentido e o alcance da lei para nela enquadrar o fato em concreto.

Contudo, conforme já se afirmou, a técnica da mera subsunção do fato concreto à previsão legal do caso tende a, muitas vezes, não encontrar respostas aos conflitos postos à solução do Judiciário, pois a vida está em constante transformação, em todos os seus aspectos, e a lei, prevendo um...

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