A Fidelidade ao Trabalho em Tempos de Cólera

AutorJuarez Guimarães
Páginas112-114

Page 112

Introdução

O extraordinário da inteligência conquistada de Mauricio Delgado é fundamentalmente tributária da convergência e da síntese de três saberes: o de cientista político, estudioso da democracia e de suas formas, o de historiador do Brasil, conhecedor dos impasses históricos de sua formação, e o de intelectual do direito do trabalho, na sua dimensão técnica e na sua irradiação civilizatória.

Entre o professor, o cidadão consciente e o juiz não há, pois, cisão alguma nesta temporalidade de todas as cisões em que lhe foi dado viver. Há um só Mauricio Delgado: por isto, falar em fidelidade, aquela que é expressão de valores de raiz, é apropriado.

A Ciência Política, entre nós, é recente, conta a sua história na cultura brasileira em décadas. Através dela, em seu processo de departamentalização e inevitável especialização, enquanto área própria de estudos e pesquisas, estamos formando a nossa linguagem da democracia tardia. A formação e a primeira docência de Mauricio Delgado acompanharam os primórdios desta gênese. Mas o que lhe é particular é que sua inteligência se protegeu das "virtudes excessivas" da especialização, isto de saber cada vez mais sobre cada vez menos matéria.

O fato é que formou-se entre a Ciência Política, em sua ânsia de especialização, como ciência da política enquanto instituição ou Estado no sentido estrito, e a história e a sociologia um hiato desmesurado. A questão que deu e dá sentido à vida e à inteligência de Mauricio Delgado, no entanto, vai no sentido contrário a esta cisão entre política e sociologia, entre política e história: qual a relação entre trabalho e democracia, entre os direitos do trabalho e os fundamentos da democracia?

O melhor e mais erudito historiador de Minas no século passado, Francisco Iglésias, afirmou uma vez que os grandes livros de história do Brasil não haviam sido feitos por historiadores de profissão. Referia-se a Caio Prado Júnior, Raymundo Faoro, Celso Furtado, enfim, os clássicos que formaram as teses de interpretação do país em suas largas temporalidades - menos Oliveira Viana, de quem o historiador mineiro tomou distância pela oposição de valores. O efeito da leitura destes clássicos é nos dispor à aventura da formação inacabada do Brasil, tornar a nossa inteligência afim à grande pergunta da nossa singularidade diante da civilização ocidental moderna em expansão, evitar o caminho fácil de estreitar a pergunta para obter resposta mais precisa e segura.

Não se entende Vargas, a formação do direito do trabalho no Brasil e sua singularidade irresistível, não apenas a sua própria temporalidade, sem a formação dos clássicos de interpretação do Brasil. A inteligência de Mauricio Delgado foi e é herdeira desta dramaticidade longa e singular do Brasil: como formar os direitos do trabalho neste país, de experiência escravocrata tão geneticamente estruturadora, localizado na semiperiferia do mundo, submetido a uma temporalidade...

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