Reforma federalista e reengenharia tributária como pressupostos para a redução das desigualdades regionais

AutorAldimar Alves Vidal e Silva
Páginas133-144

Aldimar Alves Vidal e Silva. In memorian. Mestrando do curso de Direito Negocial da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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1 Introdução

A redução das desigualdades regionais foi positivada em nível de norma principiológica passando a integrar o regime jurídico-econômico nacional. Constata-se que, efetivamente, tais desigualdades existem e reconhecidas em nível constitucional, também, em 1988. A busca pela efetivação jurídica do princípio ou a perseguição da redução em si, por mais que possam parecer à mesma coisa, são dotadas de antologias distintas; o que podem possuir em comum é a utilização do direito como instrumento dirigido a fins.

Para dar efetividade ao princípio deve-se buscar conhecê-lo para garantir eficácia jurídica e social desejável no sistema em que se insere. O locus original do princípio da redução das desigualdades regionais é o das normas de nível constitucional, especificamente o da Constituição Econômica e Social.

A partir desta perspectiva pode-se pensar na conquista da eficiência social do princípio por meio de ações estatais indutoras de comportamento no âmbito fiscal, por exemplo. Ao se conjugar normas de direito tributário com normas de direito econômico valer-se-ia de soluções extrafiscais para atingir o fim “redução das desigualdades regionais”.

Por outro lado, quando se abstrai da conformação principiológica constitucional da problemática concreta, ou mesmo, não se vislumbra instrumental bastante ou adequado para gerar a correção das desigualdades regionais em face da estrutura vigente, há de se por o problema a dialogar com a própria estrutura.

O foco da observação proposta é atinente ao modelo da Federação brasileira, especificamente no setor do federalismo fiscal brasileiro; perquirir se a ações desenvolvidas pelo Estado no combate às desigualdades regionais não encontram em si mesmo um entrave, ou seja, se a sua própria conformação estrutural não contribui para a manutenção das desigualdades. Sendo assim é preciso promover o resgate da democracia como ideologia renovada pelo cenário científico das humanidades, que enseja e determina a reanálise de conceitos e institutos até então dogmatizados.

2 A Federação Brasileira e alguns reflexos fiscais decorrentes

O Brasil nasceu inteiro em toda a extensão de seu território, foi povoado por muitas nações e seu povo é dotado de múltiplas identidades, dispersas e integradas mais por fatores econômicos do que por proximidade sociológica1.

A cisão político-territorial do Brasil se deu de modo técnico aristocrático e este ambiente político criado em cada ente federativo permanece. Pode ser indicadoPage 135 como a pedra de toque da federação. Grande parte da energia gasta pelos entes federados se concentra na busca da sua força representativa em face da União.

A luta renitente é no sentido de abrir espaço para a força local, já que a construção da federação brasileira não se construiu a partir de uma vivência de autonomia dos entes federados e sim de uma semi-autonomia. Houve uma atribuição de função-poder aos entes federados2, ressaltando-se que não se trata de distribuição, já que a realidade econômica de cada região determina faticamente a sua força. Também no âmbito institucional a isonomia formal é prejudicial aos economicamente mais fracos.

A semi-autonomia precisa ser conquistada em algumas regiões. E isso precisa ser iniciado com a possibilidade do desenvolvimento considerando-se uma identidade econômica para o povo local.

Pode-se alargar a afirmação de Paulo Bonavides “que nunca tivemos autêntico e genuíno federalismo, nem na doutrina, nem nas instituições, e sempre nos volvemos para o alargamento progressivo das atribuições cometidas às autoridades depositárias do poder central” (1996, p. 395), no sentido de que a tecnologia da federação brasileira não padece de deficiências apenas na centralização de poder, mas principalmente na deficiência de distribuição de poder entre os entes federados3. A igualdade formal dos entes federados não se compagina com asPage 136 desigualdades econômicas regionais. À autonomia política não corresponde à autonomia financeira, não por vícios internos ou formais do pacto federativo, mas por diferenças econômicas e arrecadatórias dos membros.

Mesmo que a discriminação de rendas pela fonte, questão de competência tributária, entre os entes autônomos da federação se mantenha como fundamento político maior da preservação da estrutura federal do Estado4 este problema possui mais interesse formal-aristocrático do que a problemática empírica denota. Isso porque para manter a forma federal o Estado precisou lançar mão de instrumentos tipicamente unitaristas5. Considerando, portanto, que a partilha da competência tributária impositiva seria insuficiente para conferir autonomia financeira aos entes o legislador constituinte determinou a partilha de algumas receitas tributárias6, conforme está nos artigos 157 a 162 da CF.

Essa forma de distribuição de receitas pela fonte e pelo produto tem dupla função: na primeira privilegia a ontologia do federalismo formal clássico7 e na segunda visa corrigir as distorções financeiras causadas pelo primeiro. Dessa técnica fiscal se origina na Constituição Federal de 1988 o federalismo de cooperação.

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Essa cooperação financeira utilizada pelo Estado é uma forma estruturante de correção das desigualdades regionais no federalismo brasileiro. As demais técnicas corretivas, como a extrafiscalidade, por exemplo, também buscam remediar as deficiências causadas pelo federalismo formal brasileiro. Mas, existe uma enorme diferença entre a conformação mesma do Estado e técnicas de segunda ordem, utilizáveis subsidiariamente. Poder-se-ia afirmar que a questão do cooperativismo fiscal federativo visa à correção das desigualdades regionais pela base e em uma perspectiva macro, e que as demais técnicas de direito econômico fiscal visam a correções pontuais, especializadas, setorizadas.

Mesmo com essa forma atualizada de federação e com as normas constitucionais de direito econômico fiscal as deficiências econômico-sociais das regiões periféricas permanecem inalteradas. Fábio Brum Goldschmidt em discurso pré-centralismo atribui parte dessa estagnação ao fato de que nada a União sofreu com a reestruturação tributária de 1988 quer pelas definições das competências tributárias quer pela distribuição de receitas. Neste caso positivando um modelo fortemente cooperativista, ou seja, na distribuição de receitas, pelo produto. Seria a instituição de mais um paradoxo ao já inautêntico federalismo brasileiro (GOLDSCHMIDT, 2000, p. 76).

3 Eficácia Constitucional do direito econômico fiscal brasileiro

A existência complexa do Estado Federativo determina, no plano prático, a observação de diversas organizações administrativas, normativas ou estruturais para permitir a análise de qualquer questão de cunho social e econômico. Todos estes mecanismos devem estar afinados de modo a possibilitar soluções que garantam a eficácia do equilíbrio federativo que deve ser.

Ao selecionar os valores sociais a serem vivenciados na comunidade federal a Constituição restringiu enormemente a possibilidade...

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