O fator acidentário de prevenção, nexos técnicos e ações regressivas

AutorAntonio Bazilio Floriani Neto
Ocupação do AutorPós-graduado em Direito Previdenciário e Processual Previdenciário pela PUCPR. Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUCPR. Professor de pós-graduação lato sensu. Advogado
Páginas75-107

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Em dezembro de 2002, por intermédio da Medida Provisória n. 83/2002, houve a possibilidade de flexibilizar as alíquotas SAT destinadas a custear os benefícios acidentários, conforme ensinam Folmann e Vianna1.

No ano de 2003, a aludida MP foi convertida na Lei n. 10.666/2003 e, assim, implementou-se a metodologia denominada FAP.

Importante destacar que o FAP adveio em um momento em que se questionava como garantir eficiência ao sistema de seguro de acidente do traba-lho2. Tal premissa se assenta pelo fato de existirem empresas cujas atividades, a princípio, são mais danosas à saúde e à segurança dos seus trabalhadores, no entanto, possuem irrisórios índices de acidentalidade e, outras, cujo risco é considerado leve e possuem altos índices, conforme criticado no capítulo anterior.

Buscava-se, portanto, um mecanismo capaz de flutuar as alíquotas do SAT, a fim de reafirmá-lo não só como de natureza pública, mas também um bem estatal3. Assim sendo, seria importante discriminar as empresas por meio da metodologia "bônus x malus", inexistente no SAT, conforme críticas anteriormente tecidas, de modo a privilegiar algumas empresas e punir outras4.

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Sobre o FAP, Wladimir Novaes Martinez explica que "[...] fica transparente a intenção do Ministério de Previdência Social (MPS) de estimular a prevenção infortunística e de onerar quem não criar um ambiente seguro, sem qualquer avaliação da culpa por parte do empregador"5.

Nessa esteira, Folmann e Vianna6 enumeram 6 diretrizes do multiplicador: (i) a flexibilização das alíquotas SAT, (ii) o incentivo à redução de acidentes, (iii) a possibilidade de redução do tributo em até 50% ou (iv) a sua majoração em até 100%, (v) a vinculação de todas as empresas que contribuam com a alíquota SAT estarem sujeitas a sua incidêncial, e (vi) a comparação de coordenadas de acidentalidade (frequência, gravidade e custo) para empresas de mesma ativi-dade econômica.

Seu idealizador foi Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira, servidor público, auditor da Receita Federal, atuante no Ministério da Previdência Social, cujos estudos de doutoramento levaram à criação do mencionado fator7.

O "pai" do FAP, no entanto, faz questão de destacar que o seu "filho" alcançou a esfera legal diferentemente de como havia sido concebido: segundo Oliveira, o FAP sofreu uma mutação estrutural, transformou-se em um franks-tein científico e espantalho jurídico8.

No entanto, antes de adentarmos às críticas a este multiplicador, passemos a conceituá-lo.

4. 1 A LEI N 10.666/2003

Conforme exposto, coube à Lei n. 10.666/2003 implementar no ordenamento jurídico brasileiro, em seu artigo 10, a metodologia de flexibilização das alíquotas SAT denominada FAP:

Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do

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desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Em que pese a Lei n. 10.666/2003 ter implementado esta sistemática nova, a possibilidade de variação das alíquotas SAT já havia sido prevista na Lei n. 7.787/1989, art. 4°9 e na própria Lei n. 8.212/1991, § 3°, art. 22.

Em apertada síntese, o FAP consiste em um "[...] multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000) [...] a ser aplicado à respectiva alíquota do seguro de acidentes (1, 2 ou 3%)"10.

Por conta disso, este multiplicador toma por base o desempenho da empresa e o compara com suas concorrentes de mesma atividade econômica, podendo reduzir em até 50% ou acrescer em até 100% as alíquotas SAT.

Imperioso destacar que o FAP irá variar anualmente e será calculado com base nos dois últimos anos de acidentalidade e registros acidentários da Previdência Social. O seu objetivo é estimular práticas prevencionistas e reduzir os afastamentos por incapacidade decorrentes do exercício da atividade la-borativa.

Para tanto, o FAP se vale de 3 coeficientes: frequência, gravidade e custo11. Os conceitos desses índices estão no Decreto n. 3.048/1999, art. 202-A, § 4°:

Art.202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinquenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP

§ 4° Os índices de frequência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta:

I - para o índice de frequência, os registros de acidentes e doenças do trabalho informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT e de

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benefícios acidentários estabelecidos por nexos técnicos pela perícia médica do INSS, ainda que sem CAT a eles vinculados; (Redação dada pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

II - para o índice de gravidade, todos os casos de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte, todos de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, como segue: (Redação dada pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

  1. pensão por morte: peso de cinquenta por cento; (Incluído pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

  2. aposentadoria por invalidez: peso de trinta por cento; e (Incluído pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

  3. auxílio-doença e auxílio-acidente: peso de dez por cento para cada um; e (Incluído pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

    III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela Previdência Social, apurados da seguinte forma: (Redação dada pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

  4. nos casos de auxílio-doença, com base no tempo de afastamento do trabalhador, em meses e fração de mês; e (Incluído pelo Decreto n. 6.957, de 2009)

  5. nos casos de morte ou de invalidez, parcial ou total, mediante projeção da expectativa de sobrevida do segurado, na data de início do benefício, a partir da tábua de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para toda a população brasileira, considerando-se a média nacional única para ambos os sexos. (Incluído pelo Decreto n. 6.957, de 2009).

    Em outros termos: frequência refere-se à quantidade de benefícios acidentários, informados ao INSS por meio de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), ou pela configuração, pela perícia médica da Previdência Social, de nexo entre trabalho e a doença apresentada (art. 21-A, Lei 8213 e rt 22, Lei 8213). Há, ainda, uma terceira fonte de dados, qual seja: as decisões proferidas pela Justiça Estadual12 em que se reconhece o caráter acidentário de um auxílio-doença, uma aposentadoria por invalidez ou pensão por morte. Note-se que cada trabalhador beneficiado por uma prestação vinculada ao trabalho impactará no FAP, de modo que"[...] os empregadores passaram a ser partes interessadas no benefício por sofrerem repercussão direta deste"13.

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    No índice de gravidade é atribuído um peso a cada benefício identificado pelo coeficiente de frequência: pensão por morte tem peso de 50%, aposentadoria por invalidez, 30%, auxílio-doença e auxílio-acidente, 10%. Críticas a esses pesos atribuídos não faltam: Oliveira comenta que nada foi publicado a respeito de como surgiram ou, seja, "foi tudo chutado"14. Ibrahim também entende ter havido falta da exposição de critérios para os índices compostos, ou seja, não houve motivação mínima, demonstrando ausência de comprometimento com a sociedade15. E de fato não há qualquer embasamento para estes pesos.

    Por fim, o custo é o montante gasto ou passível de ser dispendido pela autarquia previdenciária. Nessa última opção, será considerada a expectativa de sobrevida do segurado na data de início do benefício, a qual tomará por base a tábua de mortalidade do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    Nota-se, portanto, que, a princípio, o FAP não se resume à tributação gene-ralista, pautada na atividade econômica da empresa. Pelo contrário, visa fornecer uma exação individualizada ao levar em conta os afastamentos por incapacidade e outros infortúnios, tais como a morte, todos relacionados ao trabalho. É dizer: os índices de frequência, gravidade e custo são auferidos com base nos acidentes laborativos ocorridos.

    Logo, a ideia deste multiplicador é distinguir a boa da má empresa, bem como analisar como o empresário cuida da saúde e da segurança de seus empregados, eis que o tributo sofrerá impacto direto quando ocorrer um acidente de trabalho. Nota-se a importância dos acidentes laborativos, razão pela qual se passa a analisar o seu conceito.

4. 2 Acidente de trabalho

Fernandes16 destaca que a civilização moderna é caracterizada pelo acidente e pela ideia de risco. O autor aduz que o sinistro é visualizado...

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