Fase de Conhecimento (segunda instância)

AutorGisele Hatschbach Bittencourt
Ocupação do AutorAdvogada da União e Coordenadora do Núcleo Trabalhista na Procuradoria da União no Estado do Paraná
Páginas113-173

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1. Princípios recursais gerais

Preliminarmente, convém abordar os princípios informadores do sistema recursal no processo do trabalho, ainda que não haja um consenso doutrinário a respeito. Também serão vistos os efeitos dos recursos1.

1.1. Princípio do duplo grau de jurisdição

Todas as decisões submetem-se a um novo julgamento pela instância superior, por força da interposição de um recurso voluntário ou ex officio, cujo fundamento assenta-se no aperfeiçoamento das decisões judiciais, na falibilidade do juiz de primeiro grau e na irresignação humana de aceitar uma decisão desfavorável. Parte da doutrina entende que o princípio do duplo grau de jurisdição não é contemplado de forma explícita na Constituição de 1988, o que se confirma pela previsão de o STF ser competente para julgar, mediante o recurso extraordinário, as causas decididas “em única ou última instância” (art. 102, inc. I, da CF de 1988), assim como o Enunciado 356 do TST e a Súmula n. 640 do STF, que reconhecem o cabimento do recurso extraordinário em face das decisões de primeiro grau nas causas de alçada (Lei n. 5.584/1970, art. 2º, § 4º)2. Outra parte entende que ele se encontra previsto no art. 5º, inc. LV, da Constituição de 1988, quando menciona que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

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Enunciado 356, TST. ALÇADA RECURSAL. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. O art. 2º, § 4º, da Lei n. 5.584, de 26.06.1970, foi recepcionado pela CF/1988, sendo lícita a fixação do valor da alçada com base no salário mínimo.

Súmula 640, TST. É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.

1.2. Princípio da taxatividade

Somente são cabíveis os recursos expressamente previstos em lei. No processo do trabalho são cabíveis os seguintes recursos: recurso ordinário, recurso de revista, embargos, agravo de instrumento, agravo de petição, agravo regimental, embargos de declaração, pedido de revisão, recurso extraordinário e remessa ex officio.

1.3. Princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias

Em razão do grau de celeridade que caracteriza o processo do trabalho, as decisões interlocutórias, isto é, aquelas que não encerram o processo, são irrecorríveis de imediato, salvo quando terminativas do feito, cabendo a sua discussão por ocasião do julgamento do recurso interposto contra a decisão final (art. 893, § 1º, da CLT), existindo exceções, as quais se encontram previstas no Enunciado 214 do TST, quais sejam: a) decisão de TRT contrária à súmula ou orientação jurisprudencial do TST (o fundamento é a economia processual); b) decisão suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo TRT; c) decisão que acolhe exceção de incompetência territorial, com determinação de remessa para TRT diverso daquele a que se vincula o juiz excepcionado.

Enunciado 214, TST. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. IRRECORRIBILIDADE. Na Justiça do Trabalho, nos termos do art. 893, § 1º, da CLT, as decisões interlocutórias não ensejam recurso imediato, salvo nas hipóteses de decisão: a) de Tribunal Regional do Trabalho contrária à Súmula ou Orientação Jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho; b) suscetível de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal; c) que acolhe exceção de incompetência territorial, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante o disposto no art. 799, § 2º, da CLT.

1.4. Princípio da unirrecorribilidade (singularidade)

Os recursos devem ser interpostos uma única vez para cada parte; assim feito, ocorrerá a preclusão consumativa em relação a outro recurso da mesma espécie; esse princípio também orienta que não se pode interpor simultaneamente recur-sos diversos para ataque da mesma questão. Para Nelson Nery Júnior, citado por Mauro Schiavi, quando um acórdão contiver parte unânime e parte não unânime, esta última enseja a interposição de embargos infringentes, enquanto a primeira, recurso especial e/ou recurso extraordinário, simultaneamente, o que se revela uma exceção ao princípio em tela.3 Outra exceção a esse princípio é a oposição de embargos de declaração e a interposição de outro recurso qualquer.

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1.5. Princípio da intertemporalidade

Significa que a lei processual que rege o recurso é aquela vigente à época da publicação da decisão que se pretende recorrer (art. 1.211 do CPC), porque nesse momento nasce para a parte sucumbente o direito ao recurso. Portanto, ao entrar em vigor lei nova disciplinando determinada modalidade recursal, esta será a lei aplicável. No entanto, quando a mudança da lei aplicável ocorre no curso do prazo recursal, a lei aplicável é a antiga, todavia, sendo este recurso processado sob a égide da lei nova4.

1.6. Princípio da fungibilidade (instrumentalidade das formas)

Permite ao juiz receber determinado recurso, ainda que indicado com outra nomenclatura, desde que estejam presentes os pressupostos de admissibilidade objetivos e subjetivos do recurso que se queria interpor e não esteja caracterizada a hipótese de erro grosseiro; assim, salvo no caso de evidente má-fé e erro grosseiro, é aceita a interposição de um recurso em lugar de outro (art. 250 do CPC, OJ n. 69, da SBDI-2, do TST e Enunciado 421, II, do TST), dada a instrumentalidade do processo, do aproveitamento dos atos processuais praticados, da informalidade, da simplicidade e da efetividade do processo. Alguns pressupostos são exigidos para a aplicação de tal princípio: a) dúvida objetiva quanto ao recurso cabível; b) inexistência de erro grosseiro ou má-fé; c) interposição do recurso erroneamente denominado no prazo do recurso adequado.5

OJ 69, SDI-2, TST. FUNGIBILIDADE RECURSAL. INDEFERIMENTO LIMINAR DE AÇÃO RESCISÓRIA OU MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO PARA O TST. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL E DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRT.

Recurso ordinário interposto contra despacho monocrático indeferitório da petição inicial de ação rescisória ou de mandado de segurança pode, pelo princípio de fungibilidade recursal, ser recebido como agravo regimental. Hipótese de não conhecimento do recurso pelo TST e devolução dos autos ao TRT, para que aprecie o apelo como agravo regimental.

Enunciado 421, TST. EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR CALCADA NO ART. 557 DO CPC. CABIMENTO.

I – (...).

II - Postulando o embargante efeito modificativo, os embargos declaratórios deverão ser submetidos ao pronunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, em face dos princípios da fungibilidade e celeridade processual.

1.7. Princípio da não reformatio in pejus

No julgamento do recurso interposto, não poderá o órgão ad quem proferir decisão que piore o mérito da demanda para o recorrente; excetuam-se as questões de ordem pública conhecíveis de ofício (arts. 267, § 3º, 301 e 516 do CPC).

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1.8. Princípio da voluntariedade

Decorre do princípio dispositivo (art. 2º do CPC), ou seja, os tribunais não podem apreciar matérias que não foram levadas a sua cognição pelas partes por intermédio de recurso.

1.9. Princípio da adequação

O recurso deve ser próprio e adequado para impugnar determinado tipo de decisão.

1.10. Princípio da dialeticidade (recurso por simples petição)

Cabe ao recorrente indicar em seu recurso as razões com que impugna a decisão para que ela possa ser reapreciada pela instância superior (art. 899 da CLT). É peculiaridade do processo do trabalho, baseada no jus postulandi, a possibilidade de interposição de recurso por simples petição, isto é, os recursos trabalhistas não necessitam de fundamentação, bastando mero pedido de reexame; tal, contudo, somente é possível na instância ordinária, eis que perante o TST há necessidade de fundamentação, conforme Enunciado 422 do TST.

Enunciado 422, TST. RECURSO. APELO QUE NÃO ATACA OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. NÃO CONHECIMENTO. ART. 514, II, do CPC. Não se conhece de recurso perante o TST, pela ausência do requisito de admissibilidade inscrito no art. 514, II, do CPC, quando as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que fora proposta.

1.11. Remessa necessária (recurso ex officio)

Não se trata de recurso, em sua natureza, mas de uma condição de eficácia da sentença proferida contra a Fazenda Pública (art. 475 do CPC e DL 779/1979), excetuando-se as causas de valor inferior a 60 salários-mínimos e as decisões que estiverem em consonância com decisão plenária do STF ou com súmula ou orientação jurisprudencial do...

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