Externalidades e custos de transação: a redistribuição de direitos no novo Código Civil

AutorRachel Sztajn
Páginas7-31

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  1. Externalidade, termo largamente empregado pelos economistas, ligado a benefícios ou custos nascidos e presos ao exercício de atividade que não são suportados pelo seu exercente, por quem lhes dá causa, mas recaem sobre terceiros "externos" à sua origem, pessoa, grupos de pessoas ou a sociedade. Extern ai idades são comuns na vida de relação e, muitas vezes, são desejadas e fomentadas.

    Os efeitos, positivos ou negativos, decorrentes da ação de algum agente económico, particular ou do Estado, podem recair ou afetar pessoas não acopladas a ela, atividade. Externalidade é, portanto, o efeito experimentado por alguém, mas que deriva de ato, fato ou ação de outrem.

    Exemplo clássico de externalidade é o benefício que alguém aufere de serviços de vigilância contratada por vizinhos, sem contribuir para seu pagamento. É, no caso, externalidade positiva porque a pessoa tem o imóvel vigiado sem, entretanto, ter de suportar qualquer parcela do preço desse serviço; aufere o benefício sem custo. Nesse sentido são extern ai idades os serviços de segurança prestados pelo Estado a todos os cidadãos, contribuintes, ou não. Note-sc que, quando alguém recebe serviços públicos de concessionárias sem ter de pagar por eles, notadamente quando fruto de decisões judiciais, o prestador acabará por transferir o custo resultante da decisão aos demais consumidores na medida em que, ou aumenta o preço unitário do serviço, ou haverá perda de qualidade. Em qualquer hipótese, transfere-se para os demais consumidores o ónus de arcar com essa benesse:

    Outro exemplo de externalidade aparece quando se analisa a emissão de poluentes, sobretudo se ligada ao exercício de ati-vidades económicas. É que o agente emissor de poluentes não tem, ordinariamente, incentivos para promover o tratamento de resíduos uma vez que fazê-lo implica aumento do custo de produção (claro que hã casos em que os resíduos, como subprodutos, servem para produzir outras utilidades, hipótese em que seu aproveitamento é efetivo).

    Entretanto, quem reside nas proximidades do local em que a atividade é exercida ou em que os poluentes são lançados sofre os efeitos danosos decorrentes do exercí-cio daquela atividade a par de ser onerado pelas despesas impostas por cuidados para evitar os efeitos (sejam eles pessoais ou materiais) causados pela emissão dos poluentes.

    Vale dizer, como o benefício (não incorrer em custos com o tratamento) é apropriado pelo exercente da atividade e a co-letividade sofre com os eventuais efeitos da poluição, suporta as despesas daí deriva-

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    das, tem-se uma externalidade negativa. Por isso que a imposição de normas relacionadas à preservação do meio ambiente, ao tratamento prévio de poluentes, deslocar os estabelecimentos em que a atividade c causa de poluição para outra área, c importante, mais do que desejável.

    Os danos ambiental e pessoal são evitados quando o legislador impõe ao exer-cente da atividade o custo de prevenir danos que recaem sobre terceiros, com o que a externalidade desaparece transformando-se em internalidade.

    Éessa uma forma de promover a inter-nalização da externalidade, em que se procura causar menos danos a terceiros. Também é lógico que o causador do perigo arque com as despesas necessárias para suprimi-lo ou minorá-lo já que se apropria dos benefícios (lucros) da atividade poluidora.

    Se residentes na região em que ocorrem emissões de poluentes sofrem prejuízos em virtude do dano ambiental, arcam com despesas destinadas a minorar os efeitos da poluição sobre si e seus bens, ao agente emissor, quando não tenha de suportar os custos com indenizaçoes, faltarão incentivos para deixar de poluir.

    Considerando, para efeito de clareza de pensamento, que as pessoas atingidas negativamente pela emissão de poluentes contribuem, ainda que de forma indireta, para o aumento de benefícios do exercente da atividade, que se apropria inteiramente dos seus resultados, fácii perceber que muitas decisões individuais ou contratos, podem ser causa de efeitos experimentados por terceiros.

    Muitas vezes se pensa o tema sob a perspectiva do risco de empresa, impondo-se ao exercente da atividade económica deveres que aumentam custos ou reduzem lucros, como se próprios da atividade económica organizada. Forma simplista de lidar com os fatos, mas há que agir com cautela porque a probabilidade de que tais custos, que vão além do que é, em termos estreitos, — risco de empresa —, acabem por ser repassados aos consumidores das utilidades postas no mercado com o que se leva a dispersão da internalização dos custos que termina por onerar a comunidade.

    Externalidades podem resultar de atos de disposição de bens, de exercício de ati-vidades, ou de normas. Como, em geral, o operador do direito considera que terceiros não são afetados por esses atos, que lhes são indiferentes, nem sempre é fácil explicar que as consequências de muitos deles, atos, sobre terceiros deve ser analisada, pensada, ponderada. Esta é área em que se expressa a solidariedade entre pessoas, porque o desconforto dos terceiros merece ser apreciado.

    O emprego do termo externalidade neste estudo é deliberado porque nem só as ações das pessoas, mas, também, normas de direito positivo podem favorecer ou inibir condutas causadoras de externalidades.

    Mister, portanto, avaliar em que medida uma norma, de direito positivo ou mesmo alguma norma institucional, pode levar alguém a agir de forma oportunista e beneficiar-se ou impor ónus a terceiros que se paute por aquela conduta facilitada ou não inibida pela norma.

    Projetar essa noção em termos jurídicos assemelhar-se-ia ao abandono do princípio da relatividade dos contratos, isto é, à hipótese de que dado contrato, entre duas partes pudesse trazer benefícios ou danos a terceiros a ele não vinculados.

    Identificar externalidades (ou possíveis indutores de externalidades) relevantes e encontrar os remédios para conter seus efeitos negativos cabe, também, aos operadores do direito.

    Para os economistas, muitas externalidades resultam de elevados custos de transação, custos esses que aparecem na organização das operações em mercados e que podem alterar mecanismos de alocação de recursos, aumentar custos sociais. Externalidades são uma das formas de análise de fenómeno mais geral, que resulta de entender que cada ato ou ação, mesmo individual,

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    pode ser inserido numa cadeia de causa e efeito e que é difícil determinar quando o ato seja inepto para produzir qualquer repercussão externa ao agente.

    Por isso que, frente a externalidades negativas deve-se impor ao agente o custo correspondente ao valor das utilidades ou recursos de terceiros que sejam por ele atingidos ou consumidos. A escolha dos meios de imposição do ónus deve ser determinada mediante critérios específicos de forma a não ampliar custos de transação que se transformem em custos sociais. Oportunidades de ganhos extraordinários em virtude da percepção de externalidades quando não afetam terceiros podem ser aceitas.

  2. Custo de transação é expressão que, também esta, vem da ciência económica e cuja relevância, na tomada de decisões pelos agentes económicos, demonstra-.se crescente. Transação, no jargão dos economistas, é qualquer operação económica, operação de circulação de riqueza entre agentes económicos. Custos de transação são aqueles custos em que se incorre que, de alguma forma, oneram a operação, mesmo quando não representados por dispêndios financeiros feitos pelos agentes, mas que decorrem do conjunto de medidas tomadas para realizar uma transação.

    Incluem-se nessa concepção de custo de transação o esforço com a procura de bens em mercados, a análise comparativa de preço e qualidade do bem desejado, a segurança do cumprimento das obrigações pela outra parte, isto é, do adimplemento certo, seguro e, a tempo, passa pelas garantias que o agente venha a requerer para caso de eventual inadimplemento ou adimplemento imperfeito, e abrange, até mesmo, o trabalho com a redação de instrumentos contratuais que reflitam todas essas tratativas, que desenhem com clareza os direitos, deveres e obrigações das partes; compreende, enfim, cuidados e o tempo despendido entre o início da busca pelo bem, a decisão de efetuar a operação ou transação — na linguagem dos economistas — e o cumprimento de todas as obrigações pelas partes contratantes.

    Pode ser considerado custo de transação qualquer movimento posterior à operação que uma das partes deva fazer para a completa satisfação de seu crédito. Medidas judiciais, quando se as consideram inevitáveis para a satisfação da pretensão, por conta do recurso ao Judiciário, do tempo e esforços despendidos, entram no cômputo e, portanto, na estratégia de qualquer agente económico, como fonte de custos de transação.

    Ciaro que incertezas criam, representam custos de transação. Quanto maiores forem tais incertezas no que diz respeito ao bom resultado da operação (transação) visada pelos agentes, maiores serão os custos de transação que as partes a ela — incerteza ou insegurança — imputarão. Daí sua importância na análise de cada operação, de cada contrato, de cada alteração da lei. Ao longo do tempo essa noção de custo de transação que permeia a linguagem coloquial vem ganhando foros de cidadania e se faz presente no jargão jurídico, ao menos naquele utilizado por alguns dos operadores do direito, quando da análise do instrumental que reveste certas operações económicas, noíadamente aquelas empresariais, entre empresas e naquelas de consumo.

    A aplicação dessa visão — da análise das operações sob a óptica dos custos de transação — explica vários fenómenos que vão da organização das empresas até negociações e alocação de riqueza entre particulares. A análise proposta por Coase começa com a discussão dos danos causados a um agricultor pelo gado pertencente a um criador quando ambos exerçam as respectivas atividades em áreas lindeiras.

    Se o gado invadir a área plantada, suponha-se que com milho, haverá perda para o agricultor e ganho para o...

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