A política externa brasileira na era FHC: um exercício de autonomia pela integração

AutorTullo Vigevani - Marcelo Fernandes de Oliveira
Páginas1-44
R E V I S T A I N T E R N A C I O N A L I N T E R D I S C I P L I N A R I N T E R T H E S I S - PPGICH UFSC
A POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA NA ERA FHC: UM EXERCÍCIO DE AUTONOMIA
PELA INTEGRAÇÃO
THE BRAZILIAN FOREIGN POLITICS IN THE CARDOSO GOVERNMENT: AN
EXERCISE OF AUTONOMY FOR THE INTEGRATION.
Tullo Vigevani
Marcelo Fernandes de Oliveira
∗∗
Resumo:
As mudanças na política externa brasileira na década de 90 foram importantes. Durante
os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, buscou-se substituir a
agenda reativa, da política externa brasileira, dominada pela lógica da autonomia pela
distância, por uma nova agenda internacional pró-ativa, determinada pela lógica da
autonomia pela integração. Segundo ela, o país deve ampliar o poder de controle sobre o
seu destino e enfrentar seus problemas através da adesão ativa à elaboração das normas
e das pautas de conduta da gestão da ordem mundial, colaborando na formulação e
funcionamento dos regimes internacionais. O trabalho analisa o período dos dois
mandatos do presidente Cardoso, com extensão para o período anterior, Sarney, Collor
de Mello, Itamar Franco, e posterior, Lula da Silva. Busca-se fazer um balanço de custos
e benefícios, insistindo sobre os constrangimentos estruturais, que acabam por influenciar
a ação internacional do país. Nesse quadro, o esforço desenvolvido não se mostra
suficiente para alterar um quadro desfavorável. As negociações no tocante à ALCA,
buscando equilibrar realismo com defesa de interesses específicos, mostram as
dificuldades desse quadro, que permanecem além de uma gestão presidencial.
Palavras-chaves: Governo Fernando Henrique Cardoso; Política externa do Brasil;
Autonomia pela integração; Multilateralismo.
Abstract:
The changes in the Brazilian foreign politics in the nineties were important. During the
two terms of the president Fernando Henrique Cardoso, they tried to substitute the
reactive agenda of the Brazilian foreign politics dominated by the logic of distance
autonomy with a new pro-active international agenda, determined by the logic of
integration autonomy. According to it, the country must broaden the power of control over
Este artigo foi publicado inicialmente na revista “Tempo Social”, São Paulo: Revista de Sociologia da USP,
Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo, Volume 15, n. 2, novembro 2003 (2004), pp. 31-61
Professor da UNESP e pesquisador do CEDEC
∗∗ Pesquisador do CEDEC e professor da Faculdade Ibero-americana
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its destiny and face its problems through the active adherence to the elaboration of the
rules and behavior policies of the worldwide management, cooperating in the formulation
and functioning of the international regimes. The paper analyzes the period of the two
terms of the President Cardoso, with an extension backwards to the previous period,
Sarney, Collor de Mello, Itamar Franco, and forward, to Lula da Silva. We have tried to
balance costs and benefits, insisting on the structural embarrassments that wind up
influencing the international action of the country. In this context, the effort developed
does not seem to be enough to alter an unfavorable situation. The negotiations concerning
ALCA, trying to balance realism with the defense of particular interests, show the
difficulties of this picture, which remain beyond a presidential management.
Keywords: Fernando Henrique Cardoso Government; Brazilian foreign politics;
Integration autonomy; Multilateralism.
Introdução
Nosso objetivo é analisar o processo de adequação da Política Externa do Brasil
nos anos dos governos FHC (1995 – 1998 e 1999 - 2002) aos interesses nacionais, tais
como emergem no contexto mundial do pós-Guerra Fria. A hipótese central é que um
determinado tipo de adequação teve início no governo Collor de Mello, sofreu breve
retrocesso no governo Itamar Franco e foi retomado e aprofundado durante os dois
mandatos de FHC. Ao longo dos oito anos buscou-se substituir a agenda reativa da
política externa brasileira, dominada pela lógica da autonomia pela distância, que
prevaleceu na maior parte dos anos em que durou a Guerra Fria, por uma nova agenda
internacional pró-ativa, determinada pela lógica da autonomia pela integração. De acordo
com essa perspectiva, o país deve ampliar o poder de controle sobre o seu destino e a
resolução de seus problemas internos é melhor viabilizada pela participação ativa na
elaboração das normas e das pautas de conduta da ordem mundial (Fonseca Jr., 1998, p.
363-374). Assim, a “contribuição afirmativa, engajada, para a estabilidade e a paz”
(Lampreia, 1997, p. 14) no Pós-Guerra Fria serviria para afirmar o próprio poder nacional.
É por meio da participação ativa na organização e na regulamentação das relações
internacionais, nas mais diversas áreas, que a diplomacia brasileira poderá contribuir para
o estabelecimento de um environment de convívio favorável à realização do principal
objetivo do país, ou seja, garantir o seu desenvolvimento econômico. Objetivo esse que
permaneceu como estruturador da ação externa do Brasil durante a maior parte do século
XX.
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A percepção que prevaleceu no governo FHC é a da necessidade crescente,
devido às grandes transformações do mundo no pós-Guerra Fria, de ajustar os interesses
específicos brasileiros às grandes tendências do mundo contemporâneo, da
modernidade, num entorno onde prevaleciam concepções liberais. Estas pareciam
associadas ao fortalecimento de valores considerados universais, como democracia,
direitos humanos, proteção ambiental, direitos sociais. Assim, o interesse nacional é o de
captar as tendências profundas, buscando ajustar-se às dinâmicas da ordem mundial que
podem ser úteis à legitimação e à concretização dos próprios objetivos. Segundo Lafer
(2000), a diplomacia brasileira deveria aprofundar nos foros multilaterais a linha de política
externa inaugurada por Rui Barbosa, em Haia, em 1907. Para ele, essa política na
atualidade “se traduz em obter no eixo assimétrico das relações internacionais do Brasil
um papel na elaboração e aplicação das normas e das pautas de conduta que regem os
grandes problemas mundiais, que tradicionalmente as grandes potências buscam avocar
e, na medida do possível, exercer com exclusividade” (Lafer, 2000, p. 263).
Na percepção dos formuladores da política externa ao longo do governo FHC, dos
seus chanceleres, Lampreia e Lafer, dos diplomatas-intelectuais, a diplomacia brasileira
teria alcançado legitimidade internacional para exercer este papel graças ao seu legado
histórico-diplomatico e à boa adequação de suas ações às forças profundas no decorrer
do século XX. Tudo isso teria embasado a atuação do país na cena internacional,
buscando estabelecer consensos em torno de uma atuação e inserção pautada no
pacifismo, no respeito ao direito internacional, na defesa dos princípios de auto-
determinação e não-intervenção e, por fim, no pragmatismo como instrumentos
necessários e eficazes à legitimação dos interesses do país no mundo.
Essa forma de inserção internacional foi melhor elaborada e efetivamente
executada a partir do início dos anos noventa e aprofundada nos dois mandatos de FHC.
Buscou-se efetivá-la através de uma participação que o governo definia como construtiva
e propositiva no que tange aos assuntos da nova agenda internacional: meio ambiente,
direitos humanos, não proliferação nuclear, integração regional na América do Sul,
respeito à democracia. Isso teve conseqüências concretas, por exemplo nas atuações
concertadas contra diferentes tentativas de rompimento institucional no Paraguai e
também na Venezuela; na procura, também concertada, que alcançou êxito, de resolução
do conflito entre Equador e Peru. A defesa do multilateralismo no âmbito da OMC

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