Exemplos de processos arbitrais

AutorAntonio Sodré
Páginas119-565

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Os três exemplos a seguir são casos reais. No entanto, considerando o caráter de sigilo da arbitragem, substituímos os nomes das partes, dos árbitros, das Câmaras de Arbitragem, dos advogados da parte contrária à que atuamos, além das testemunhas.

Esclarecemos, ainda, que todos os envolvidos nas arbitragens exemplificadas autorizaram a publicação do inteiro teor, neste livro, dos respectivos processos, respeitadas as substituições e extrações acima mencionadas.

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8.1. Primeiro exemplo

Arbitragem 001

Neste primeiro exemplo, verificamos um desentendimento entre irmãos, decorrente de uma promessa de compra e venda de um imóvel de grande valor (shopping mais um depósito).

O desgaste existente em um litígio familiar costuma ser ainda maior, devido à carga emocional que é envolvida.

O procedimento arbitral possibilitou a rápida solução do problema, trazendo uma grande vitória a ambas as partes, independentemente do resultado obtido. O conflito foi resolvido em apenas seis meses, contados da data de instauração da arbitragem (celebração do Termo de Arbitragem).

Conforme se verá adiante, os Requerentes foram surpreendidos imediatamente após a conclusão do negócio por uma nova lei Municipal, criada após a celebração da promessa de compra e venda, a qual modificou as regras de recuo dos imóveis urbanos existentes naquele Município.

A promessa de compra e venda teria que ser precedida pelo desdobramento do imóvel em questão. O desdobramento realizado na forma pretendida pelos Requeridos deixaria o imóvel irregular, visto que o prédio ficaria sem nenhum recuo nas laterais e nos fundos. Entretanto, com o advento da nova lei municipal, aquele mesmo desdobramento exigido pelos Requeridos passou a ser regular, visto que os imóveis comerciais daquele Município não mais precisariam ter recuos laterais e de fundo.

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FÊNIX ADVOGADOS

São Paulo, 06 de abril de 2005

À
Câmara de Mediação e Arbitragem (Endereço)

At.: Sra. ROSA

Ref.: Pedido de instauração de arbitragem

REQUERENTES:
AÇUCENA LTDA., (qualificação e endereço) (Contrato Social - doc. 01); e ORQUÍDEA, (qualificação e endereço) (RG e CPF – docs. 02/03);

REQUERIDOS:
JATOBÁ, (qualificação e endereço); EUCALIPTO, (qualificação e endereço); JEQUITIBÁ S/A, (qualificação e endereço); e PAINEIRA S/A, (qualificação e endereço).

Prezados Senhores:

Em 23 de dezembro de 2004, foi celebrado o “Termo de Transação e outras avenças” (doc. 04) entre Requerentes e Requeridos, tendo sido negociadas e prometidas diversas permutas de bens entre as Partes.

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Uma das permutas envolvidas abrangeu o imóvel localizado na (endereço), onde funcionam: (i) um depósito fechado, atualmente locado à PAINEIRA S/A, controlada pelos Srs. JATOBÁ e EUCALIPTO e pela JEQUITIBÁ S/A (Requeridos); e (ii) o SHOPPING GIRASSOL com o seu respectivo estacionamento. Ambas as construções fazem parte de um só bloco, e, portanto, de um único imóvel matriculado no RI (Registro de Imóveis) sob a mesma matrícula, com área total de 15.500m2 (quinze mil e quinhentos metros quadrados). Esse imóvel passou ao domínio das Requerentes por meio da “Escritura de Permuta sem reposição”, firmada em 19 de janeiro de 2005, sendo certo que esse é o principal bem adquirido pelas Requerentes na Transação para assegurar uma renda mensal regular que garanta a sua manutenção e de seus filhos.

O SHOPPING GIRASSOL e seu respectivo estacionamento têm acesso independente pela avenida (...), enquanto que o depósito tem acesso por uma rua interna dentro do terreno de matricula, objeto da venda, o qual circunda o imóvel, sendo que as mercadorias entram e saem unicamente por duas portas que dão para esta rua interna.

Posteriormente a toda negociação e à celebração do Termo de Transação, os Requeridos alegaram que a matrícula do imóvel em questão abrangia uma área maior do que o imaginado, condicionando a assinatura da Escritura de Permuta à celebração do “Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de Imóvel e outras avenças” (Promessa de Compra e Venda - doc. 05). Esse Instrumento Particular obriga as Requerentes a devolver parte do terreno aos Srs. JATOBÁ e EUCALIPTO e baseou-se em um croqui feito pelo engenheiro dos Requeridos e apresentado praticamente no ato da assinatura da Escritura.

Na época, a Requerida aceitou a devolução da área remanescente, mas de forma condicional, pois o croqui foi apresentado pelos Requeridos sem tempo de uma revisão por um engenheiro de sua confiança. Assim sendo, fez constar a previsão, na Cláusula 2.3 do “Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de Imóvel e outras avenças”, de que a planta do imóvel apresentada pelos Requeridos, anexa ao Contrato, ainda estaria sujeita à confirmação pelas Requerentes, naquele instrumento denominadas PROMITENTES VENDEDORAS. Isso ocorreu tendo em vista que no momento da escritura era impossível constatar quais efeitos práticos teriam as alterações do perímetro do imóvel constantes do croqui.

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A vontade das Partes a este respeito é clara e insofismável, como prevê a referida Cláusula:

2.3. As medidas contidas nos anexos I e II estão sujeitas à confirmação das promitentes vendedoras. Na hipótese de haver qualquer controvérsia com relação às mencionadas medidas, será realizada pelas partes, conjuntamente, uma terceira medição no local, a fim de que sejam encontradas medidas incontroversas.

Os termos da Cláusula 2.3. deixam claro que:

  1. ) o croqui apresentado estava sujeito à confirmação por parte das Requerentes, denominadas PROMITENTES VENDEDORAS no instrumento, e, portanto, não era croqui definitivo;

  2. ) havia a possibilidade de controvérsia e, para tanto, as Partes deveriam realizar uma nova medição para encontrar as “medidas incontroversas”.

Após a análise do expert indicado pelas Requerentes e visita ao local, consultada a Prefeitura e o Corpo de Bombeiros, foi verificado que os perímetros destacados pelos Requeridos no croqui apresentado inviabilizaria totalmente o imóvel das Requerentes. Em outras palavras, o imóvel que foi transacionado para proporcionar renda às Requerentes a longo prazo ficaria sensivelmente prejudicado e desvalorizado. O prejuízo e a desvalorização decorrem, primeiramente, do aspecto econômico, por criar uma condição inferior ao objeto do negócio, já que o depósito com o perímetro apresentado no croqui elaborado pelo engenheiro dos Requeridos perderia o acesso pela rua interna. Ademais, existe o aspecto jurídico, por ser ilegal a divisão proposta na medida em que esta não observa as Posturas Municipais de recuo mínimo, como ficará ampla e oportunamente demonstrado.

Houve inúmeras tentativas de se obter uma nova medição para encontrar as “medidas incontroversas”, bem como inúmeras tentativas de conciliação por meio dos advogados das Partes, tendo estado estes, inclusive, acompanhados

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dos respectivos engenheiros em visita ao local. No entanto, todas resultaram infrutíferas, pois permanecem os Requeridos em uma posição olímpica, de intransigência, não aceitando fazer uma nova medição, ou seja, encontrar um novo perímetro legalmente viável e que não desvalorize o imóvel das Requerentes.

Ressalte-se que as Requerentes não estão se negando a cumprir com sua obrigação de devolver parte do imóvel adquirido por meio da Escritura de Permuta, conforme compromisso assumido no instrumento particular. Entretanto, as Requerentes discordam do perímetro que está sendo imposto pelos Requeridos, por razões fundamentais ao negócio celebrado no Termo de Transação, o que será mais bem demonstrado em suas alegações iniciais.

Para agravar a situação, no imóvel vizinho funciona a PAINEIRA S/A, controlada pelos Srs. JATOBÁ e EUCALIPTO e pela JEQUITIBÁ S/A (Requeridos). Antes da transferência do imóvel às Requerentes, este era abastecido de água e gás pela PAINEIRA S/A, sem quaisquer problemas, muito embora o SHOPPING GIRASSOL e o depósito pertencessem a pessoas distintas. Entretanto, com as discordâncias ocorridas com relação à área remanescente do SHOPPING GIRASSOL, os Requeridos têm ameaçado as Requerentes com o corte no fornecimento de água e gás, conforme correspondências de 02/02/2005, 21/03/2005, 23/03/2005, 29/03/2005 e 31/03/2005 (Cartas – docs. 06/11).

Ocorre que, como será mais bem abordado posteriormente, não é possível estabelecer uma ligação de gás autônoma porque a COMGÁS não dispõe de rede na rua em que o SHOPPING GIRASSOL tem frente e a ligação de água depende de altos investimentos que não foram programados pelas Requerentes. Acima de tudo, é importante frisar que as Requerentes sequer têm definido qual será o perímetro do seu imóvel para efetuar a construção de uma caixa d´água e a instalação de botijões de gás no imóvel, o que demandará o ajuizamento de Medida Cautelar pelo Juízo Arbitral a ser formado assim que a arbitragem for instaurada, caso os Requeridos insistam em deixar de abastecer o galpão industrial, o SHOPPING GIRASSOL e seu respectivo estacionamento com gás e água. Ressalte-se que o consumo de gás e água fornecido há anos pela PAINEIRA S/A é reembolsado pelo SHOPPING GIRASSOL mês a mês, com base no registro dos hidrômetros existentes, portanto, não traz nenhum inconveniente aos Requeridos.

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Assim, há uma controvérsia entre as Partes que envolve direitos disponíveis decorrentes da celebração do “Termo de Transação” e do “Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de Imóveis e outras avenças”, estando, portanto, de acordo com o disposto no art. 1° da Lei n° 9.307/96, e, assim, as Requerentes pedem a instauração de arbitragem a ser conduzida por esta Câmara, no idioma português, na forma prevista na Cláusula 4.3 do “Termo de Transação” e na Cláusula Nona do “Instrumento Particular de Promessa de Compra e Venda de Imóveis e outras avenças”, visando:

(i) liminarmente, seja determinada a continuidade no fornecimento de gás e água até decisão arbitral final, quando...

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