A Exceção de Pré-Executividade no Sistema Processual Brasileiro

AutorLuiz Henrique Sormani Barbugiani - Paula Schmitz de Schmitz
CargoProcurador do Estado do Paraná - Procuradora do Estado do Paraná
Páginas16-29

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1. Introdução

Apesar de plenamente difundida em nosso sistema processual, a exceção de pré-executividade não se encontra expressamente prevista em dispositivo legal algum, situação que favoreceu o seu amplo desenvolvimento na doutrina e na jurisprudência, ao mesmo tempo em que legitima a realização de estudos como este que se desenrola. Assim, nesta pesquisa buscou-se, ainda que sucintamente, discorrer acerca da origem da exceção de pré-executividade, da matéria impugnável por meio dela, da possibilidade ou não de acarretar a suspensão da execução, das modificações recentes do Código de Processo Civil, dos recursos cabíveis contra decisão que apreciar tal defesa e do arbitramento de honorários advocatícios, a fim de possibilitar uma visão ampla desse instituto que, diante de seu constante desenvolvimento, não apresenta contornos bem delimitados.

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2. Origem e matéria impugnável

A exceção de pré-executividade foi uma forma de defesa do executado concebida como solução para possibilitar a alegação de matérias de ordem pública ou que não demandariam a dilação probatória própria dos embargos à execução e, ao mesmo tempo, dispensar a garantia do juízo pela penhora, que, anteriormente às recentes alterações na legislação processual, era requisito de admissibilidade da interposição dos embargos1.

Nesse sentido, o processualis-ta João Paulo Fontoura de Medeiros apresenta suas impressões acerca de tal instrumento de impugnação:

"No que concerne à natureza de tal instituto, pode-se dizer que consiste a exceção de pré-executividade no meio de defesa por intermédio do qual o executado, sem precisar tornar seguro o juízo através da penhora, pode provocar o órgão jurisdicional, a fim de que esse de pronuncie acerca de questões referentes a matérias que, a despeito de serem de ordem pública, não tenham sido apreciadas de ofício."2

O mesmo doutrinador relata que a eficiência e a oportunidade dessa defesa evidencia-se quando, não sendo encontrados bens penhoráveis e se apresentando alguma causa de extinção da execução, seria contraproducente manter a execução suspensa indefinidamente, como preconiza o artigo 791, III, do CPC3:

"É que se afigura manifestamente desnecessário suspender indefinidamente o processo de execução em razão da inexistência de bens penhoráveis, nos termos do inc. III do art. 791 do CPC, protelando a discussão a respeito de matérias que, ainda que não sejam apreciáveis de ofício, possuem o condão de aniquilar a pretensão à concessão da tutela jurisdicional executiva. Por óbvias razões de economia processual, é inconcebível que tais matérias não possam ser apreciadas desde logo, ao invés de examinadas tão somente se vierem a surgir bens penhoráveis do devedor que sejam suficientes para deixar seguro o juízo e, assim, tornar admissíveis os embargos à execução. Não se pode desconsiderar, aliás, a hipótese bastante plausível de um processo de execução que, suspenso em razão da inexistência de bens penhoráveis, jamais retorne à sua marcha, justamente pela ausência de patrimônio susce-tível de penhora. Em tal circunstância, o Poder Judiciário ficaria à mercê de uma situação que já poderia haver sido resolvida em definitivo mediante a apreciação de questões que, suscitadas pela exceção de pré-executividade, teriam fulminado a pretensão à concessão da tutela jurisdicional executiva."4

Tal defesa é oposta no bojo da própria execução, constituindo uma espécie de incidente processual, mais precisamente uma defesa endoprocessual, pois não enseja a instauração de procedimento à parte, como ocorre com os embargos do devedor.

O professor Sandro Gilbert Martins utiliza-se da supracitada classificação:

"A exceção de pré-executividade é incidente que se resolve no próprio processo de execução, não exigindo, como os embargos, a formação de um procedimento lateral (infra 3.7). Daí, mesmo reconhecida a identidade de natureza jurídica (incidental) de ambas as referidas formas de defesa de que dispõe o executado, ter-se optado por sistematizar a classificação denominando a exceção de pré-executividade como defesa endoprocessual."5

O instituto não foi criado e regulamentado por legislação editada e aprovada pelo Congresso Nacional, mas decorre de construção doutrinária e jurisprudencial, calcada inicialmente na possibilidade de alegação de matérias de ordem pública e, portanto, conhecíveis de ofício a qualquer momento pelo juízo.

Essa deficiência de normatiza-ção é a principal causa da inexistência de posicionamento uniforme na doutrina e na jurisprudência a respeito do rol de matérias susce-tíveis de alegação por intermédio desse meio de defesa.

Nesse diapasão encontra-se o magistério de Eduardo Arruda Alvim:

"O fato de se tratar de um instrumento que não está regulamentado pelo Código de Processo Civil também contribui para aumentar as discussões e especulações em torno da sua aplicabilidade, extensão e hipóteses de cabimento. De forma alguma, a carência de regulamentação legal pode ser vista como óbice intransponível à sua utilização.,,6

Inobstante a dificuldade encontrada para delimitar a amplitude das matérias que em tese podem ser alegadas em sede dessa defesa endoprocessual, decorrente da inexistência de regulamentação, a doutrina identifica alguns critérios para estabelecer tal definição, conforme se depreende dos ensinamentos de Sandro Gilbert Martins:

"A ausência de regulamentação dessa forma de defesa suscita divergências doutrinárias e oscilações nas decisões judiciais.

No entanto, é possível identificar dois critérios que encontram respaldo na maioria da doutrina e da jurisprudência: (I) o primeiro critério o qual autoriza que matéria seja deduzida por meio de exceção de pré-executividade é o de que se trate de matéria ligada à admissibilidade da execução, e seja, portanto, conhecível de ofício e a qualquer tempo; (II) o segundo critério é relativo à perceptibilidade do vício apontado, que deve ser in continenti - ou identificável/?rz/wa_/ã-cie, ipso ictu oculi, de forma macroscópica ou flagrante, isto é, que seja de fácil constatação ou que não envolva aspecto(s) de alta indagação."7

As matérias alegáveis por meio da exceção de pré-executividade, aceitas com certa unanimidade na

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doutrina, restringem-se às questões reputadas de ordem pública.

Considera-se matéria de ordem pública aquela que diz respeito a condições da ação, pressupostos de existência e de validade do processo e outros que podem ser alegados em qualquer tempo e grau de jurisdição.

Essas matérias que podem ser conhecidas de ofício8 pelos magistrados não admitem preclusão9, nem se submetem a prazo específico10 para indicação nos autos11.

Eduardo Arruda Alvim confirma essas considerações, externando, de maneira abalizada, o caráter essencial do referido instituto processual, que surgiu originalmente para impugnar especialmente as matérias de ordem pública:

"Na realidade, a 'exceção' de pré-executividade foi idealizada principalmente para tratar de matérias cognos-cíveis de ofício. Por isso, parece mais apropriado denominá-la de objeção de pré-executividade, sempre que por meio dela se pretender levantar matéria cognoscível de ofício. Esta afirmação leva-nos a uma outra importante conclusão, qual seja, a de que se, não há preclusão para alegar estas matérias, não há prazo fatal para o ingresso de objeção de pré-executividade, conforme já reconhecido pela jurisprudência."12

E este mesmo autor preconiza que às vezes mesmo matérias de ordem pública13, que são conhe-cíveis de ofício, devem ser objeto de embargos à execução, quando demandem dilação probatória14, impedindo a análise de pronto pelo Poder Judiciário:

"Desde que a matéria possa ser conhecida sem necessidade de dilação probatória, pode, em princípio, ser levantada por meio de objeção de pré-executividade. Por outro lado, mesmo algumas questões de ordem pública podem não ser conhecidas pela via da exceção de pré-executividade se, para sua demonstração, necessitarem de instrução probatória, sendo este o grande divisor, se é que assim podemos dizer, tendo em vista a informalidade do instrumento, entre o cabimento da exceção de pré-executividade e os embargos à execução."15

Com o desenvolvimento dos estudos doutrinários, passou-se a admitir que tal espécie de defesa, que se restringia às matérias de ordem pública, fosse ampliada para permitir que o executado suscitasse qualquer questão de fato ou de direito que dispensasse produção de provas ou que pudesse ser verificada de pronto16, embasando-se em prova documental pré-constitu-ída17.

Mais uma vez Eduardo Arruda Alvim, acerca do tema, expressa-se nos seguintes termos:

"Sem prejuízo disso, é de se ressaltar que a objeção de pré-executividade tem campo fértil não apenas nos casos em que a execução se revele patentemente nula (hipóteses do art. 618, I e III, do CPC), mas também em outros casos em que, independentemente de qualquer espécie de dilação probatória (para o que a sede própria seriam inelutavelmente os embargos), percebe-se que a execução não pode prosseguir. Nessas últimas hipóteses, a denominação casual - exceção de pré-executividade - se nos afigura mais adequada."18

José Alonso Beltrame corrobora o entendimento externado pelo citado processualista, asseverando a necessidade de demonstração plena e cabal dos fatos, de maneira imediata, sem a exigência de produção probatória de maior envergadura, admitindo apenas a prova documental pré-constituída para viabilizar a apreciação do juízo:

"Contudo, movimento liberal vem admitindo que, dentro da execução, mesmo antes da sua garantia, seja possível trazer ao conhecimento do juiz fatos que, apesar de não serem de ordem pública, inviabilizam-na. Fundamentos...

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