Execução da medida de acolhimento institucional

AutorJadir Cirqueira De Souza
Ocupação do AutorMaestría en Derecho Público de la Universidad de Franca - SP , especialista en Procedimiento Civil de la Universidad Federal de Uberlândia - MG y Licenciado en Derecho por la Universidad Gama Filho , Rio de Janeiro
Páginas227-290

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1 A natureza jurídica da medida de colhimento familiar

Antes1 de estudar a medida e os aspectos relativos à aplicação e a execução do acolhimento institucional, torna-se importante relembrar

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que restou evidenciada a necessidade de políticas públicas mais eficientes no sentido de proteger o direito à convivência familiar e comunitária, ou seja, antes da restrita opção pelo acolhimento institucional deve-se investir nas políticas globais, setoriais e nas demais medidas de proteção, inclusive na medida de acolhimento familiar.2A lembrança é importante, pois, na prática diária de milhares de comarcas brasileiras, pela falta de políticas públicas específicas, a medida de acolhimento institucional, muitas vezes, traduz a única solução possível, usada muitas vezes para punir, tão-somente as crianças e adolescentes.

Para evitar a progressão por saltos, dada a ausência das políticas públicas, existe a medida de acolhimento familiar, que significa a possibilidade de que por determinação judicial, de acordo com o programa criado pela municipalidade, crianças e adolescentes sejam colocados em famílias acolhedoras, regidas sob a guarda legal, durante tempo suficiente para a cessação da situação de risco originária.

Enfim, o acolhimento familiar traduz a real possibilidade prática de que famílias previamente cadastradas e preparadas, em qualquer hora do dia ou da noite, mediante planejamento, recebam crianças e adolescentes em suas respectivas residências, sob a fiscalização do Poder Judiciário, do Ministério Público, Conselho Municipal de Direitos, etc. e de acordo com a programação municipal específica.

A implantação da medida de acolhimento familiar, normalmente aplicada em substituição e/ou antes do acolhimento institucional, não requer estrutura administrativa específica, nos moldes da medida mais gravosa e com maior carga restritiva, porém precisa de excelente equipe

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técnica, adequadas condições de trabalho e famílias acolhedoras preparadas para o exercício das novas atividades familiares.

Da mesma forma que a defesa do ECA e da CF, no sentido de mostrar que as legislações são sustentáculos da cidadania, a efetivação da famílias acolhedoras exige conhecimento técnico e notável esforço da rede de proteção integral, sob pena de continuarem sendo praticados os abusos e equívocos judiciais e administrativos na determinação do acolhimento institucional, dada a inexistência do acolhimento familiar em milhares de comarcas brasileiras.

A implantação da medida de acolhimento familiar encontra-se com o atraso mínimo de 3 anos, pois, apesar da Lei n. 12.010/09 destacar que se trata de medida de proteção obrigatória e imediata, antes do acolhimento institucional, somente alguns municípios cuidaram de adotar as ações legislativas, administrativas e políticas para sua exitosa execução na rede de proteção integral e, mais grave ainda, sem nenhuma cobrança por parte de vários órgãos do Ministério Público, das Defensorias Públicas, Advocacia, etc.

De outro lado, foi visto que as medidas de acolhimento institucional funcionam nos mesmos moldes do século XIX, ao passo que as medidas relativas à implantação das famílias acolhedoras dependem, em grande parte, do rompimento dos mitos que cercam a força dos abrigos, que permanecem intocáveis em muitas cidades. Na realidade, é mais uma das contradições do sistema de justiça infantojuvenil que se perpetua ao longo da história. A implantação das famílias acolhedoras trará significativa economia de recursos públicos, pois são mais baratas, ágeis, flexíveis e práticas, porém mantêm-se as pesadas estruturas dos abrigos, como se fossem a única salvação dos direitos infantojuvenis.

No plano funcional, além da exclusiva responsabilidade administrativa e operacional dos municípios brasileiros, o ingresso de crianças e adolescentes no acolhimento familiar, também exige prévia e fundamentada decisão jurisdicional, que determinará a específica medida. Vale dizer: caberá ao juiz da infância e da juventude – sempre – decidir se acolhe o pedido jurisdicional formulado pelo Ministério Público e os

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demais interessados, de acordo com as regras procedimentais em vigor e a demonstração probatória da necessidade do acolhimento familiar.

No plano prático, observa-se que a utilização do acolhimento familiar, conforme delineado pelo legislador estatutário, requer adequada sintonia entre as ações do Poder Judiciário, do Município e da sociedade civil, sobretudo para que não seja desvirtuada em suas finalidades essenciais, posto que não funciona apenas como substituto da medida de acolhimento institucional e muito menos pode ser uma carta de alforria para melhorar a renda financeira de famílias de baixo poder aquisitivo.

Outra característica reside no fato de que da mesma forma que o acolhimento institucional, possui natureza jurídica de medida de proteção marcada pela transitoriedade, excepcionalidade e instrumentalidade, sendo que – em tese – corresponde às etapas posteriores e/ou anteriores ao acolhimento institucional.3Muito embora não seja obrigatória em todos os casos, constitui dever do Município colocá-la à disposição da sociedade, das crianças e adolescentes e do Poder Judiciário de forma contínua e ininterrupta.

Caberá à autoridade judiciária, depois de ouvido o Ministério Público, sopesar as razões favoráveis e desfavoráveis da medida de acolhimento familiar em cada caso concreto, sendo lógico que somente será utilizada depois de esgotadas as anteriores medidas de proteção, não sendo vedada, entretanto, a cumulatividade de medidas, exceto em relação ao acolhimento institucional, dada a incompatibilidade lógica entre ambas.

Aliás, é obrigatório, necessário e mesmo imprescindível, que ao lado da utilização temporária do acolhimento familiar, sejam adotadas as demais medidas paralelas por parte do poder público municipal no sentido da reintegração familiar ou nos casos limítrofes, a possível colocação direta em família substituta, pois é irrefutável a hipótese de que crianças e adolescentes devem ser colocados em famílias substitutas ou reintegrados à família natural, extensa ou ampliada, sem passar – obrigatoriamente – pelo acolhimento institucional.

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Em essência, a operacionalização da medida de acolhimento familiar – de obrigatória funcionalidade – pelos municípios brasileiros exige a obediência a alguns aspectos estatutários e constitucionais, além das regras e princípios delimitados na Lei n. 12.010/09, devidamente cumulativos com o conhecimento doutrinário existente, segundo Irene Rizzini.4É curioso observar que trata-se de medida antiga e de prática recorrente na sociedade, independentemente da manifestação do Poder Público. As famílias acolhedoras no Brasil sobrevivem na informalidade, bastando-se uma pesquisa quantitativa para se verificar o ilimitado caso de crianças e adolescentes que foram abandonados pelas famílias e vivem com terceiros, inclusive sem vínculos biológicos.

De outro lado, Estados Unidos, Inglaterra, França e Argentina utilizam-na como alternativa aos orfanatos, muito embora ainda existam abrigos em várias partes do ocidente, segundo Irene Rizzini.5Nos termos da Lei n. 12.010/09, a legislação municipal deverá definir os requisitos mínimos para que as famílias acolhedoras participem dos programas municipais específicos. Trata-se de providência obrigatória, necessária e, caso não exista a força política local necessária, caberão as ações constitucionais específicas para corrigir a omissão legislativa municipal, sobretudo o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, além da responsabilidade pessoal dos administradores públicos, cumulada com a ação civil pública.

Aspectos comportamentais e sociais adequados deverão ser aferidos pela própria equipe técnica do programa, utilizando-se – analogicamente – dos mesmos requisitos e condições para a inscrição na lista nacional de casais pretendentes à adoção, muito embora um dos maiores cuidados seja no sentido de evitar que casais inscritos à adoção não utilizem

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a condição de família acolhedora para “experimentar” a filiação socioafetiva temporária.

O custeio mensal das atividades das famílias acolhedoras, bem como das equipes e demais instituições participantes, deverá ser contemplado no orçamento público municipal, uma vez que embora louvável e prestigiado o voluntariado e a atuação da iniciativa privada, a legislação estatutária fixou a responsabilidade patrimonial do Município pelo custo integral das atividades inerentes às famílias acolhedoras.

Ora, adotando-se o paradigma federal de que gasta-se para manter um preso no sistema penitenciário, cerca de R$ 1.400,00 (hum mil e quatrocentos reais), naturalmente o gasto acima poderá servir para nortear os valores mínimos que deverão ser utilizados com as crianças ou adolescentes acolhidos, levando-se em consideração a alimentação, vestuário, transporte, medicamentos, plano de saúde, cuidados pessoais etc.

O programa deverá possuir qualificada equipe técnica, sempre submetida à formação continuada de seus integrantes, composta de acordo com as regras federais pertinentes, sendo no mínimo, um(a) psicólogo(a), um(a) assistente social, um(a)...

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