Sobre ética e corrupção

AutorLuiz Fernando Coelho
Páginas291-320
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– XII –
SOBRE ÉTICA E CORRUPÇÃO*
Luiz Fernando Coelho
Sumário: : 1. O mal-estar na civilização brasileira. 2. A doença
social da corrupção. 3. A virtude social da ética. 4. O novo
espírito do capitalismo. 5. Ética social e desobediência civil.
1. O mal-estar na civilização brasileira
Num momento especialmente tormentoso da vida política
brasileira, em face da divulgação de fatos extremamente graves que
evidenciam a corrupção generalizada nos três poderes da República, a
Associação Mineira do Ministério Público vem convocar professores
de filosofia do direito para um painel sobre ética e corrupção.
Desde logo é de indagar se é possível, no contexto da crítica
filosófica, dar alguma resposta à perplexidade e indignação que tomam
conta de todos, e que se revestem de verdadeira calamidade, quando
não somente se corrói a credibilidade das instituições, como também se
é levado a questionar a validade da democracia e do Estado de direito.
Lembre-se a estafada citação de Rui Barbosa: “(...) de tanto ver
triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver
* Reconstituição de palestra proferida no Seminário “Ética e Corrupção”, promovido pela Associação do
Ministério Público de Minas Gerais e Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito
(ABRAFI) em 28 de novembro de 2005, na cidade de Belo Horizonte.
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crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos
dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra
e a ter vergonha de ser honesto1. Nos dias de hoje temos a contundente
declaração de Denise Frossard: “(...) a corrupção leva o cidadão a perder
a fé nas suas instituições e quando isto acontece, ele se torna cínico ou
rebelde. E isto é um golpe de morte na democracia e na estabilidade
que ela significa2.
Se considerarmos que entre Rui e Frossard medeia um século,
somos levados a crer que a corrupção é doença política profundamente
arraigada em nosso país. Como então explicar a crise moral e o mal-
estar na cultura brasileira?
Para início proponho como ponto de partida a comparação que,
há quase um século, se fez entre o Brasil e o resto do mundo,
principalmente a Europa, e que impressionou tanto o senso comum do
brasileiro médio, a ponto de gerar um novo significante: ufanismo.
Refiro-me ao livro de Afonso Celso, Por que me ufano de meu país,
publicado no início do século XX, onde se lê: “Quando nos lançares
em rosto as grandezas alheias, consideremos as suas misérias. Têm
elles primores d’arte? Nós possuímos portentos naturaes, sem duvida
melhores. Apresentam cultura mais fina? Lá chegaremos, pois para isso
nos sobra capacidade. Pompeiam luxos esplendidos? Offerecemos
incomparáveis suavidades de existência. Vangloriam-se de rutilante
passado? Aguarda-nos deslumbrante porvir. Patenteiam maior força
armada? Vivemos mais tranqüillos, mais fraternalmente... O brazileiro,
em ultima analyse, passa dias mais felizes que o allemão, o francez, o
inglez, dias mais tranqüillos, mais risonhos, mais esperançosos. Há,
pois, em ser brazileiro o gozo de um beneficio, uma vantagem, uma
superioridade.3
1 BARBOSA, Rui. Obras Completas, Rui Barbosa. v. 41, t. 3. Rio de Janeiro: Senado Federal, 1914. p.
86.
2 Citado por BORGES, Luiz Otávio. Estado e corrupção, comentários dispersos. In: www.observatorio-
daimprensa.com.br. 2003.
3 CELSO, Affonso. Por que me ufano de meu País. (rigth or wrong, my country). 7. ed. Rio de Janeiro:
Livraria Garnier, 1915. p. 191ss. (Mantida a ortografia original)

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