Estrutura da prova

AutorFrancesco Carnelutti
Ocupação do AutorAdvogado e jurista italiano
Páginas85-254

Page 85

11. Estrutura típica do processo probatório

Procurei demonstrar, nos parágrafos precedentes, como a disciplina jurídica do processo da pesquisa dos fatos con-

Page 86

trovertidos por parte do juiz altera profundamente a função do mesmo processo, o qual não serve mais para conhecer os fatos, isto é, para estabelecer a verdade, mas unicamente para conseguir uma função formal.

Convém, porém, agora lembrar que essa disciplina nunca foi conformada para o arbítrio e não é mais conformada para o prejuízo, mas, sim, constituída segundo o escopo (político) para obter o conhecimento dos fatos controvertidos pela via mais rápida e mais segura1. Que num número maior ou menor de casos esse escopo falhe e que, malgrado isto, os fatos resultantes do processo utilizado, sejam considerados como verdadeiros, ou, mais exatamente, sejam colocados na sentença mesmo não sendo verdadeiros, impede certamente de considerar a verdade (material) como o resultado constante do processo probatório e por isso como a sua nota essencial, mas não absolutamente como o escopo que aquele processo se propõe a alcançar e que, correlativamente, determina a sua estrutura2. A verdade formal é certamente uma não verdade, porque de verdade não pode haver somente uma; todavia, não se pode esquecer que a verdade formal é depois a verdade material na média dos casos3.

Page 87

Tudo isso explica como para a função o processo probatório difere profundamente do processo de pesquisa da ver-dade material, para que a estrutura não divirja, ao contrário, absolutamente, seja modelado sobre aquele: o processo probatório nada mais é, em suma, do que fato estrutural, que um processo típico ou médio de pesquisa da verdade dos fatos controvertidos, o qual parece apto a alcançar o escopo (a ver-dade) na maior parte dos casos.

12. Prova direta e prova indireta

O conhecimento de um fato por parte do juiz não se pode obter sem que ele perceba algo com os próprios sentidos; é inevitável o contato entre o juiz e a realidade sobre a qual deve julgar4.

Page 88

Ora, esse algo que o juiz percebe com os próprios sentidos pode ser o mesmo fato que se deve provar ou um fato diverso daquele.

O autor pede que sejam derrubadas árvores de alto fuste plantadas sobre o fundo do vizinho à distância inferior dos três metros do seu confim; aqui o fato a ser provado é a situação respectiva das árvores e do confim, por razão da qual a norma contida no art. 579 c.c. tutela o interesse de um e de outro dos proprietários limítrofes; agora esse fato jurídico pode ser conhecido pelo juiz percebendo-o diretamente com os próprios sentidos, isto é, indo no local mediante a inspeção judicial (art. 271 c.p.c.). Nesse caso se tem prova direta.

O autor pede a condenação do réu para o pagamento do preço do cavalo vendido: aqui o fato a ser provado é o contrato de venda-compra, do qual o art. 1.507 c.c. faz depender a obrigação do comprador de pagar o preço; agora esse fato jurídico, sendo transeunte e passado, não pode ser diretamente percebido pelo juiz. Mas deve ser por ele conhecido mediante a percepção de outro fato, do qual se possa deduzir sua existência com a ajuda da experiência: o autor exibirá o documento ou as testemunhas e o juiz pela visão daquela ou pela audição destas deduzirá o argumento para achar que o contrato tenha acontecido porque se não tivesse acontecido o documento não teria sido formado ou as testemunhas não o teriam narrado. Nesse caso se tem a prova indireta5.

A diferença entre os dois tipos de prova está na coincidência ou na divergência do fato a ser provado (objeto da

Page 89

prova) e do percebido pelo juiz (objeto da percepção); justamente a prova indireta apresenta a separação do objeto da prova do objeto da percepção: o fato submetido à percepção do juiz não serve senão como meio de conhecimento dele.

A excelência da prova direta sobre a indireta não precisa ser colocada em relevo; quanto mais próximo é o fato a ser provado pelos sentidos do juiz tanto mais a prova é certa6. Mas a aplicação deste tipo de prova tem limites claros de possibilidade e de conveniência; não é possível que o juiz conheça diretamente senão os fatos presentes e por isso os fatos permanentes (duradouros até o tempo do processo) e os fatos transeuntes que se desenvolvem em sua presença no curso do processo7; não é conveniente que o juiz conheça diretamente os fatos, que todavia poderia conhecer, quando a vantagem do conhecimento direto seja neutralizado pelo dano que a perda de tempo e as relativas despesas possam causar8.

Page 90

13. A percepção como meio de prova

Existe uma difundida resistência em assumir a prova direta, isto é, a mesma percepção do fato a ser provado, no conceito genérico da prova. Escritores dos quais é de se excluir que possam ter sofrido uma recíproca influência concordam em restringir a noção da prova naquela que chamei de a prova indireta. Merlin, por exemplo, define a prova como “consequência legítima que resulta de um fato, cuja certeza leva a concluir que outro fato, do qual se ignorava a verdade, é verdadeiro ou não é verdadeiro”9. Bentham acha que o significado mais largo que se pode dar à palavra prova seja aquele de “um suposto fato verdadeiro, que se considera porquanto deva servir de motivo de credibilidade da existência ou não existência de outro fato”, pelo que “toda prova compreende pelo menos dois fatos distintos: um, que se pode chamar de o fato principal, é aquele do qual se trata de provar que existe ou não existe; o outro, o fato probatório, aquele que serve para provar o sim ou o não do fato principal”10. Pescatore acha que os fatos que se percebem não são objeto de prova porque não se prova o que é já de per si visível e evidente11. Pelo mesmo motivo von Canstein se queixa que não venha convenientemente apreciada a diferença entre a inspeção judicial e a prova, e por isso a inspeção se confunda com a prova ao passo que na prova a verdade não é estabelecida imediatamente com a percepção do juiz, mas, sim, mediatamente com os argumentos de verdade (Wahrheitsargumente), isto é, com o testemunho de terceiros, os indícios e os argumentos12.

Page 91

Essa resistência se apoia, especialmente, no conceito da prova como ato de fornecer os meios de prova, sobre o que acenei nas páginas precedentes (supra, n. 9). Se é entendida por prova, não o controle do juiz, mas o ato da parte que lhe fornece os meios da pesquisa, aqui, na verdade, a prova falta porque quando o juiz percebe diretamente o fato a ser provado, não há a sua atividade; as partes, do seu lado, não provam nada. Heusler põe às claras esse motivo com toda sinceridade: aqui não há prova porque não há meio de prova13. Deveria bastar a retificação do conceito de prova, sobre a qual acredito ser inútil insistir (supra, loc. cit.), para tirar a pretexto esta restrição da sua definição e reconduzi-la nos seus justos confins; uma vez que prova é o processo de fixação dos fatos controvertidos por parte do juiz, e como a percepção do fato a ser provado é a forma mais eficaz e mais simples desse processo, também a prova direta é verdadeiramente prova14.

Deveria ser suficiente; mas na realidade não é: há ainda uma outra razão ou outro equívoco, que sustenta o conceito aqui examinado. Von Canstein, por exemplo, não identifica a prova com o actus probandi como Heusler15; todavia, insiste para excluir a inspeção do campo dos processos probatórios; é, segundo ele, a percepção que dá como resultado a certeza, ao passo que o resultado da prova é a persuasão causada por uma altíssima verossimilhança. Essa antítese não existe; não há diferença nenhuma, senão, quando muito, de grau entre o resultado da prova direta e aquele da prova indireta: aqui e ali o resultado nada mais é do que a persuasão do juiz, mais ou me-

Page 92

nos intensa, isto é, a verossimilhança mais ou menos acentuada; ao contrário, se há uma causa de falácia da prova histórica em confrontação da prova lógica (infra, n. 14), esta é própria da falibilidade da percepção!16Mas, mesmo que existisse, que razão haveria para excluir a certeza do campo dos resultados da prova? Então, observa argutamente Wach, “seria prova somente o que não dá nenhuma prova, porque não dá nenhuma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT