O estresse no meio ambiente de trabalho

AutorMaria José Giannella Cataldi
Ocupação do AutorAdvogada. Professora universitária, com pós doutoramento em Direitos Fundamentais pelo Ius Gentium Conimbrigae (IGC/CDH) da Faculdade de Direito de Coimbra.
Páginas58-76

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No corpo de cada ser humano, estão marcas de sua história, os seus esforços, as suas vitórias, as suas emoções etc. Por meio de estímulos, os impactos biopsicossociais desencadeiam reações no corpo. Diante de cada reação desencadeada pelos diferentes estímulos a que está submetido, tende o corpo humano a voltar ao equilíbrio. Todavia, esses impactos e essas emoções deixam marcas, modificam as pessoas, inclusive seus corpos. O empregado que, por exemplo, sofreu um acidente de trabalho e perdeu sua perna, carregará a marca dessa perda para o resto da vida.

1. O conceito de estresse

A palavra stress é bem antiga e de origem inglesa, que veio adquirindo ao longo do tempo diversas acepções, cuja datação histórica encontra-se detalhada no Oxford English Dictionary. Algumas definições mais importantes da palavra stress: em 1440, stress significava força ou pressão exercida sobre um objeto; em 1655, passou a ser força ou pressão exercida sobre uma pessoa com o fim de compelir ou extorquir; em 1690, significava exercício extenuante, grande esforço; em 1704, era sofrimento, adversidade, aflição; em 1756, era insistência excepcional, ênfase; em 1843, já significava a solicitação excessiva de um órgão corporal ou da mente.

Já o Webster’s International Dictionary dá a seguinte etimologia: stress - do inglês medieval stresse, derivado por aférese, de distresse, oriundo do latim districtus, particípio passado do verbo distringo, ere, através do latim vulgar districtia. Districtus tem o significado de "puxado para um e outro lado, esticado aqui e ali". Distresse, por apócope (perda da letra final), evoluiu para distress em inglês. Assim, tanto stress como distress teriam a mesma origem em inglês.

O dicionário médico Churchill’s Medical Dictionary ocupa-se da etimologia da palavra stress e segue integralmente a linha adotada no Webster’s.33

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O significado do termo stress pode ser entendido como o processo de tensão diante de uma situação de desafio por ameaça ou conquista. Assim sendo, pode-se afirmar que o processo de tensão diante de uma situação-desafio, seja em razão de ameaça, seja de conquista, acarreta o stress.

Nesse sentido, vale dizer que os fenômenos estressores advêm tanto do meio externo, como frio, calor, condições de insalubridade, quanto do ambiente social, como trabalho, e do mundo interno, aquele vasto mundo que erá dentro das pessoas, como os pensamentos e as emoções, a angústia, o medo, a alegria, a tristeza. Todos esses fatores denominados estressores são capazes de disparar no organismo uma série imensa de reações, via sistema nervoso.

É importante observar que a Organização Mundial de Saúde define a saúde do ser humano como "o completo bem-estar biológico, psicológico e social, e não apenas como ausência de doença".

O prof. Hans Selye34, diretor do Instituto de Medicina Experimental e Cirurgia da Universidade de Montreal, Canadá, utilizou o termo stress para denominar "o conjunto de reações que um organismo desenvolve ao ser submetido a uma situação que exige esforço de adaptação".

O médico e professor canadense percebeu, ao estudar um organismo, que se há estímulos que ameaçam sua homeostase (seu equilíbrio orgânico), ocorre uma reação por meio de respostas específicas, que constituem uma síndrome, desencadeada independente da natureza do estímulo. A esse fenômeno definiu como stress da empresa, ou pelo exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que causem a morte, a perda ou a redução da capacidade para o trabalho permanente ou temporário.

2. O estrago do estresse

Quando retornou ao Brasil, em 1981, depois de estudar nos Estados Unidos, a psicóloga Marilda Emmanuel Novaes Lipp35 parecia pregar no deserto quando alertava para os sintomas de um mal que se alastrava pelas grandes cidades - o stress, tema de seu doutorado na Universidade George Washington, na capital americana. "Naquela época, as pessoas achavam que o stress era frescura de grã- -fino", lembra ela, pioneira e uma das principais autoridades do nosso país no assunto. Duas décadas depois, o cenário mudou muito. A psicóloga acredita que a legislação brasileira já possa admitir o stress como doença ocupacional, uma situação na qual os empregados passariam a ter direito a afastamento temporário do trabalho para cuidar da saúde, à semelhança do que já se discutem em países como EUA, Japão, Inglaterra e Suécia.

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Atualmente, há empresas que adotam programas de prevenção com a consultoria da psicóloga, que se especializou em medir o nível de stress dos empregados no local de trabalho. Cada um é avaliado individualmente, de acordo com critérios científicos, recebendo uma classificação em quatro estágios: de alerta, de resistência, de quase exaustão e de exaustão. Há profissionais que conseguem lidar melhor com a constante sobrecarga de trabalho, enquanto outros se revelam mais vulneráveis. Em casos de maior gravidade, a psicóloga Marilda Lipp recomenda um "período de folga para aliviar a barra. Antes existia grande resistência a seguir esse conselho, mas os diretores começaram a entender que os trabalhadores não são obrigados a suportar a sobrecarga".

Avalia a psicóloga, autora de oito livros sobre o tema e orientadora de três dezenas de alunos de pós-graduação na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, onde fundou o Laboratório de Estudos Psicofisiológicos do Stress.

3. O eustresse e o distresse

É importante notar que existem dois tipos de estresse: o eustresse, que consiste na existência de tensão com equilíbrio entre esforço, tempo, realização e resultados, e o distresse, que pode ser definido como a tensão com rompimento do equilíbrio biopsicossocial por excesso ou falta de esforço incompatível com tempo, resultados e realizações. Assim sendo, pode-se dizer que, quando é realizado algo agradável e a pessoa se sente valorizada pelo esforço realizado, ocorre o eustresse. Nesse caso, depois da tensão ou do esforço de adaptação, a pessoa apresenta a sensação de realização pessoal, bem-estar e satisfação; trata-se, pois, de um esforço sadio na garantia de sobrevivência. No caso de ocorrência do distresse, a sobrecarga é tão grande que passam a ocorrer manifestações e sintomas da doença.

4. O estresse profissional - síndrome de burnout ou síndrome do esgotamento profissional

Atualmente, a grande maioria das doenças do trabalho tem íntima correlação com o stress. O desgaste a que as pessoas são submetidas nos ambientes e nas relações de trabalho é um dos fatores determinantes nas doenças adquiridas pelos trabalhadores, pois manter a vida, enquanto se luta para ganhar a vida, nem sempre é fácil.

O Burnout surgiu em 1974, com o psicólogo Fregenbauer, que constatou esta Síndrome em um paciente que trazia consigo energias negativas, impotência relacionada ao desgaste profissional.

O termo Burnout é uma composição de burn (queimar) e out (fora), ou seja, traduzindo para o português significa "perda de energia" ou "queimar" para fora, fazendo a pessoa que adquiriu esse tipo de estresse, tendo reações físicas e emocionais, passando a apresentar um tipo de comportamento agressivo.

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O conceito de Burnout36 é reconhecidamente o mais importante do stress profissional e tem o sentido do preço que um profissional paga por sua dedicação, ao cuidar de outras pessoas ou de sua luta para alcançar uma grande realização. Os psicólogos americanos na década de 1980 colocaram o Burnout como fruto de situações de trabalho, em situações de stress crônico entre profissionais que apresentaram grandes expectativas em relação ao seu desenvolvimento profissional e à dedicação à profissão.

Nesse sentido, entende-se que Burnout é uma síndrome caracterizada por três aspectos básicos;

  1. a exaustão emocional, quando o profissional está diante de uma intensa carga emocional. O profissional sente-se esgotado, com pouca energia para fazer frente ao dia seguinte de trabalho, e a impressão que ele tem é que não terá como recuperar (reabastecer) as suas energias. Os profissionais passam a ser pessoas pouco tolerantes, facilmente irritáveis, e as suas relações com o trabalho e com a vida ficam insatisfatórias e pessimistas;

  2. a despersonalização também está presente. É o desenvolvimento do distanciamento emocional que se exacerba. Manifesta-se por meio da frieza, da insensibilidade e da postura desumanizada. Nessa fase, o profissional perde a capacidade de identificação e empatia com as outras pessoas, passando a ver cada questão relacionada ao trabalho como um transtorno;

  3. a redução das realizações pessoal e profissional fica extremamente comprometida. Entende-se que surgiu outro tipo de pessoa, diferente, bem mais fria e descuidada, podendo acarretar a queda da autoestima, que, às vezes, chega à depressão.

    Um profissional que entra em Burnout assume um comportamento de frieza com as pessoas com quem trabalha, inclusive em relação aos seus clientes. Dessa forma, as relações pessoais são suprimidas, passando a agir como se estivessem em contato com objetos; também ocorre a perda da sensibilidade afetiva, deixando de se responsabilizar pelos problemas e pelas dificuldades das pessoas das quais cuidam.

    Análise feita mostra que a violência, a falta de segurança no emprego, a burocracia no processo de trabalho, a falta de autonomia, os baixos salários, a tendência a se isolar das pessoas que trabalham, a falta de apoio, também, são fatores que estão relacionados ao Burnout.

    A ausência de perspectiva com relação à ascensão na carreira profissional também pode gerar sentimentos de ansiedade e frustração constantes no cotidiano do trabalho. Quando o profissional está afetado pela Síndrome, as ideias pessimistas, o medo, predominam com...

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