Estabilidade decenal ainda vigente

AutorEdilton Meireles
CargoDesembargador do Trabalho na Bahia
Páginas161-169

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1. Introdução

Tornou-se quase que um dogma, a partir do texto constitucional de 1988, a?rmar que as regras que asseguram a estabilidade decenal estabelecida na CLT teriam sido revogadas ou não recepcionadas.

Transcorridas mais de duas décadas, esse entendimento continua a viger.

Procuraremos, todavia, neste trabalho, apresentar fundamentos em contrário.

2. Evolução legislativa da proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa

Como é sabido, antes da Constituição de 5 de outubro de 1988, nossas cartas constitucionais não estabeleciam qualquer regra de proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.

Ainda que não protegido constitucionalmente o emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, ainda impedia da legislação infraconstitucional ordinária assim dispusesse. E foi diante dessa possibilidade que o legislador

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ordinário de 1943 estabeleceu, na CLT, em seus arts. 492 a 500, uma hipótese de proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa.

Assim é que, conforme o art. 492 da CLT, o empregado que conte com mais de dez anos de serviço na mesma empresa somente pode ser despedido por motivo de falta grave ou “circunstância de força maior”. Com tal dispositivo, procurou-se proteger o emprego, ainda que de forma parcial, criando a denominada estabilidade decenal.

Tal preceito ordinário, por sua vez, era plenamente constitucional à luz das Constituições de 1937, que, em seu art. 137, alínea f, estabelecia a possibilidade do legislador ordinário instituir a estabilidade no emprego. Da mesma forma, era compatível com a Constituição de 1946, pois ela também preceituava a possibilidade do legislador infraconstitucional estabelecer hipóteses de estabilidade “nos casos e nas condições que a lei estatuir” (inciso XII do art. 157).

Em 13 de setembro de 1966, ainda na vigência da CF de 1946, o legislador ordinário, porém, instituiu pela Lei n. 5.107 o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) estabelecendo a regra de que o trabalhador poderia optar por este regime de proteção ao tempo de serviço alternativamente à estabilidade decenal, ou seja, ou bem o trabalhador era protegido nos termos dispostos na CLT, inclusive com a aquisição da estabilidade depois de dez anos de serviço, ou ?cava submetido ao regime do FGTS. A escolha cabia ao empregado.

A vigência desses dois regimes, de modo alternativo, por sua vez, era plenamente compatível com a Constituição então vigente, já que, como dito acima, cabia ao legislador estabelecer as hipóteses de estabilidade “nos casos e nas condições que a lei estatuir” (inciso XII do art. 157). A não opção pelo regime do FGTS, assim, era uma condição para aquisição da estabilidade decenal.

Esta compatibilidade, por sua vez, continuou a existir à luz das Constituições de 1967 e 1969, já que ambas asseguravam a “estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente” (inciso XIII do art. 158 da CF/67 e inciso XIII do art. 165 da CF/69).

Vejam, então, que, nas vigências das Constituições de 1937, 1946, 1967 e 1969, ou era assegurada a possibilidade do legislador infraconstitucional estabelecer as hipóteses de estabilidade ou previa a possibilidade de se criar um regime alternativo (estabilidade ou fundo de garantia).

Tal panorama jurídico constitucional, no entanto, foi alterado radicalmente com a Constituição de 1988. Isso porque a atual Carta Magna, em seu art. 7º, incisos I e III, tanto assegura a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Observem bem. Antes, as Constituições de 1967 e 1969, asseguravam a estabilidade ou o fundo de garantia. A CF de 1988, no entanto, assegura, como direitos fundamentais dos trabalhadores, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. E um não exclui o outro.

Como tais direitos, um sem excluir o outro, passaram a ser protegidos constitucionalmente de forma cumulada, tem-se que a CF de 1988 revogou o disposto na Lei n. 5.107/66 no ponto que estabelecia que cabia ao trabalhador optar ou pelo regime da estabilidade da CLT ou pelo regime do fundo de garantia.

Não à toa, cerca de um ano depois, a Lei
n. 7.839/89, que passou a disciplinar o FGTS, revogando a Lei n. 5.107/66, nada dispôs sobre a opção a ser feita pelo trabalhador, salvo em relação ao tempo de serviço anterior à Constituição Federal de 1988.

É bem verdade que esta Lei (n. 5107/66), assim como sua sucedânea, a atual Lei n.
8.036/90, que atualmente regula o FGTS, aquela no art. 12, esta no art. 14, estabelecia e estabelece a regra de que “Fica ressalvado o direito adquirido dos trabalhadores que, à

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data da promulgação da Constituição Federal de 1988, já tinham o direito à estabilidade no emprego nos termos do Capítulo V do Título IV da CLT”.

Com tal regra se deu a entender que a estabilidade decenal somente estaria assegurada aos empregados que já estivessem completado dez anos de serviços na data da promulgação da atual Constituição.

Tais dispositivos, no entanto, devem ser interpretados apenas como rea?rmadores da estabilidade já adquirida por esses antigos empregados, sem prejuízo da aquisição da estabilidade por outros empregados a partir de então. Isso porque, à luz da CF de 1988, como dito acima, o regime do FGTS não exclui o da proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, ainda que seja mediante o estabelecimento da estabilidade decenal. Logo, os dois regimes passaram a conviver. Em outras palavras, o trabalhador tanto faz jus à estabilidade como ao FGTS.

A questão, porém, que se pode opor é que a atual Constituição Federal estabelece que essa proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa deve ser regulada por lei complementar e a CLT é uma simples lei ordinária.

Enfrentemos essa questão.

3. Natureza de lei complementar dos arts 492 a 500 da CLT

Conforme foi ressaltado acima, à luz das Constituições anteriores à de 1988, a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa e as consequentes hipóteses de instituição de estabilidade no emprego podiam ser disciplinadas mediante simples lei ordinária.

A Constituição Federal de 1988, no entanto, no inciso I do seu art. 7º, passou a exigir a edição de lei complementar para disciplinar essas hipóteses. Logo, a partir dessa novel regra, poder-se-ia argumentar que a CLT, em seus arts. 492 a 500, estariam prejudicados (revogados ou não recepcionados). Daí se teria que, atualmente, os empregados não adquiririam estabilidade depois de dez anos de serviço.

Tal entendimento, relacionado à revogação da lei anterior, todavia, não encontra agasalho na jurisprudência mansa, reiterada e pací?ca do STF. Isso porque, a Corte Constitucional brasileira já decidiu, por mais de uma vez, em situação semelhante, que quando determina matéria podia ser regulamentada por lei ordinária passando, todavia, a se impor sua disciplina mediante lei complementar quando instaurada uma nova ordem constitucional, a norma anterior é recepcionada com a natureza jurídica que se tornou exigível. Ou seja, o que era lei ordinária, é recepcionada formalmente como lei complementar. Ao invés da revogação, tem-se a recepção com o novo status legislativo.

E foi o que ocorreu com o Código Tributário Nacional que, à época de sua edição, de forma compatível com a Constituição de 1946, cuidava-se de uma lei ordinária disciplinadora do sistema tributário nacional. A Constituição de 1969, todavia, passou a exigir a edição de lei complementar para que fossem estabelecidas as regras gerais do sistema tributário, tal como a atual Carta Magna impõe.

O STF, porém, desde muito, seja à luz da CF de 1969, seja na vigência da atual Constituição, sempre decidiu que o CTN fosse recepcionado como lei complementar (mais recentemente, vide RE n. 559.943, RE n. 265.598, ADI n. 1.917 e RE n. 149.922).

Ora, se assim foi e é em relação ao CTN, por coerência, podemos ter os arts. 492 a 500 da CLT como tendo sido recepcionados pela atual Constituição Federal como dispositivos de lei complementar a regular, ainda que parcialmente, o disposto no inciso I do seu art. 7º.

Tais dispositivos, pois, foram recebidos pela Constituição de 1988 com o status de lei complementar, embora sejam formalmente uma lei ordinária. Isso porque, repetimos, os arts. 492 a 500 da CLT regulamentam, ainda que parcialmente, a proteção contra a despedida arbitrária sem justa causa.

E vejam que esses...

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