O estabelecimento empresarial

AutorMarlon Tomazette
Páginas302-333

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1 – Do estabelecimento empresarial: noções gerais

A atividade (empresa) é exercida por um sujeito (o empresário) que, geralmente, viabiliza-a por meio de um complexo de bens que denominaremos estabelecimento empresarial e é o instrumento da atividade empresarial1. Pode-se dizer que, na maioria dos casos, a todo empresário corresponde um estabelecimento. Diz-se na maioria dos casos, porque é possível o exercício da empresa com a utilização exclusiva de meios financeiros2.

1. 1 - Conceito

Francesco Ferrara afirma que, economicamente, o estabelecimento pode ser entendido como qualquer forma de organização dos fatores da produção3. Segundo essa noção, o autor observa que o conceito jurídico é mais restrito, abrangendo apenas a organização que representa um meio para o exercício de atividade econômica4.

Para Carvalho de Mendonça, o estabelecimento “designa o complexo de meios idôneos materiais e imateriais pelos quais o comerciante explora determinada espécie de comércio”5. Fábio Ulhoa Coelho conceitua o estabelecimento empresarial como “o conjunto de bens que o empresário reúne para exploração de sua atividade econômica”6. Oscar Barreto Filho define o estabelecimento como o “complexo de bens, materiais e imateriais, que constituem o instrumento utilizado pelo comerciante para a exploração da atividade mercantil”7.

Estes conceitos guardam certa correspondência com o artigo 2.555 do Código Civil italiano e com o artigo 1.142 do Código Civil de 2002, o qual se inspirou no conceito italiano e declara que estabelecimento é “todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária”. Há que se atentar para o início do conceito que afirma ser o estabelecimento um complexo de bens.

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Ao contrário do que alega Láudio Fabretti8, o estabelecimento não pode ser entendido como o local onde se exerce a atividade. Apesar de usar-se corriqueiramente esse sentido, trata-se de equívoco do ponto vista jurídico. O estabelecimento é um complexo de bens organizados pelo empresário e não apenas o imóvel utilizado para o exercício da atividade. O estabelecimento não se confunde com a coisa comercial, com o local físico do exercício da atividade9. Esse complexo de bens não precisa, necessariamente, pertencer ao empresário, que pode locar bens. O essencial é que seja organizado pelo empresário para o exercício da empresa10. A organização do empresário para finalidade comum é que vai dar ao complexo de bens a natureza de estabelecimento.

1. 2 - Terminologia

É comum, na doutrina brasileira, a utilização da expressão “fundo de comércio”11 como sinônimo de estabelecimento. Carvalho de Mendonça cita as expressões “negócio comercial”, “fundos mercantis”, além de expressões estrangeiras12. Sérgio Campinho afirma não ver qualquer impropriedade na expressão “fundo de empresa” ou na “azienda”, trazida do direito italiano13. Oscar Barreto Filho cita as expressões “negócio comercial”, “casa de comércio”, “fundo mercantil” ou “fundo de comércio”14.

Fábio Ulhoa Coelho reconhece o uso da expressão “fundo de empresa”, mas como sinônimo do que trataremos como “aviamento” e não de “estabelecimento”15. Modesto Carvalhosa também afirma que tal expressão não é a que melhor representa o conceito16. Embora não vejamos problemas na terminologia que possa ser usada,Page 305 acreditamos que, com o advento do Código Civil de 2002, deve-se preferir a expressão “estabelecimento empresarial” como a que melhor retrata o conceito que pretendemos analisar.

1. 3 – Estabelecimento e patrimônio do empresário

O estabelecimento apresenta-se para o empresário como o instrumento hábil ao exercício da atividade empresarial. Entretanto, conforme já ressaltado, não é essencial que os bens componentes do estabelecimento pertençam ao empresário, que pode locá-los17. O essencial à formação do estabelecimento é que o empresário possua título jurídico que lhe assegure a legitimação ao uso do bem18.

O fato de o empresário não ser proprietário dos bens que compõem o estabelecimento demonstra a não-identificação com o patrimônio do empresário. Além disso, a unidade dos bens que integram o patrimônio de uma pessoa decorre da propriedade comum; no estabelecimento, o essencial é a destinação comum dos bens como instrumento para o exercício da atividade19.

O patrimônio deve ser entendido como “o complexo de relações jurídicas economicamente apreciáveis de uma pessoa”20 e não um complexo de bens, como é o estabelecimento. No patrimônio, estão reunidas todas as relações jurídicas economicamente apreciáveis de uma pessoa, ainda que não guardem relação entre si. No estabelecimento, o essencial é que o complexo de bens seja organizado pelo empresário para o exercício da empresa21. Para fins obrigacionais, a distinção entre o patrimônio e o estabelecimento empresarial não tem grande importância, na medida em que todo o patrimônio do empresário responde por suas obrigações22.

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2 – Natureza jurídica

A natureza jurídica do estabelecimento já foi muito controvertida na doutrina, havendo certa uniformidade nos dias atuais. Apesar disso, é interessante e oportuno apresentar as principais teorias que já foram levantadas sobre a natureza do estabelecimento.

2. 1 – O estabelecimento como pessoa jurídica

Alguns autores, entre os quais Endemann e Valery, qualificaram o estabelecimento como um sujeito de direitos autônomo em relação ao titular do estabelecimento. De acordo com essa idéia, o estabelecimento teria um nome, possuiria crédito e teria a direção dos negócios. Em suma, o estabelecimento seria uma pessoa jurídica nova.

Embora tenha o mérito de destacar a autonomia do estabelecimento em relação ao empresário23, é certo que tal teoria não se coaduna com a realidade moderna.

Em primeiro lugar, não há personalidade jurídica sem o reconhecimento pelo ordenamento jurídico, que é o fator constitutivo da pessoa jurídica24. Conquanto seja criticada, por ser considerada extremamente positivista, tal concepção de Francesco Ferrara é a mais acertada. Prova disso, vemos, no direito brasileiro, grupos de sociedades não possuírem personalidade jurídica, embora se enquadrem no substrato necessário, por faltar-lhes o reconhecimento estatal. O estabelecimento não se encontra no rol de pessoas jurídicas de que trata o Código Civil, logo não se concebe como pessoa jurídica25.

Além disso, o estabelecimento está à mercê de seu titular, o empresário pode transferir, reduzir ou destruir o estabelecimento26. Outrossim, as obrigações decorrentes do exercício da atividade são de responsabilidade do empresário, podendo atingir todo o seu patrimônio e não apenas os bens integrantes do estabelecimento.

Diante desses argumentos, não se pode atribuir ao estabelecimento a condição de sujeito de direitos. Ele é um mero instrumento para o exercício da atividade pelo empresário, que é quem assume os direitos e as obrigações.

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2. 2 – O estabelecimento como patrimônio autônomo

Em função dos problemas da teoria da personificação do estabelecimento, alguns autores, entre os quais Brinz, passaram a conceber o estabelecimento como patrimônio distinto, que seria responsável pelas obrigações decorrentes do exercício da atividade. Embora não seja fenômeno corriqueiro no direito brasileiro, é certo que, hoje, já se vêem os chamados patrimônios de afetação, como, por exemplo, na lei 10.931/04. Nesses casos, os bens continuam fazendo parte do patrimônio da pessoa, mas não estão sujeitos às vicissitudes do seu titular, vinculando-se a determinado fim27.

Tal teoria também não pode ser acolhida, na medida em que não é o estabelecimento que responde pelos atos decorrentes do exercício da atividade, mas, sim, todo o patrimônio do empresário. Ademais, não há restrições para a disposição dos bens integrantes do estabelecimento que deveria ocorrer se houvesse a afetação dos bens a determinado destino.

2. 3 – O estabelecimento como negócio jurídico

Carrara identifica o estabelecimento como um negócio jurídico, afastando as noções de sujeito e objeto de direito. Os sujeitos desse negócio jurídico seriam o titular, os empregados e os fornecedores, que, empregando as respectivas prestações, alcançariam os resultados produtivos almejados.

Tal concepção não pode ser adotada, na medida em que tornaria o estabelecimento mera abstração sem realidade concreta, sem a identificação com um conjunto de bens. Além disso, é certo que as vontades dos envolvidos não são aptas a formar negócio jurídico único, na medida em que não seriam voltadas à mesma finalidade28.

2. 4 – O estabelecimento como bem imaterial

De acordo com a idéia de que o estabelecimento envolve organização de coisas e direitos, sem individualidade jurídica, mas com individualidade econômica, ePage 308 que tal organização é fruto da atividade...

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