O estabelecimento comercial

AutorPaula Castello Miguel
Páginas7-61

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Introdução

O comércio, na Antiguidade, caracterizava-se pelo nomadismo. Os comerciantes lançavam-se em viagens para obter mercadorias diferentes das que existiam em sua região para revender, Os mercadores adquiriam em um lugar o que faltava em outro, e, assim, faziam o intercâmbio de mercadorias entre as diferentes regiões.

O surgimento das feiras dá-se quando as rotas dos mercadores nómades coincidem com os santuários. A concentração de devotos era propícia para o desenvolvimento do comércio. Os mercadores, diante da aglomeração de pessoas, estabeleciam-se em feiras para agilizar a venda de suas mercadorias. Como tempo, as feiras passaram a ser esperadas em determinadas festividades religiosas. Ainda na Antiguidade elas adquiriram regularidade, deixando de ser acidentais, tornando-se, posteriormente, independentes das festividades.

O comércio da Antiguidade, ainda pouco desenvolvido, foi praticamente abolido com o sistema feudal.

"Com o fim do isolamento do sistema feudal, a população voltou a grupar-se em povoados que se transformaram em cidades, desenvolvidas pelo incentivo comercial. Os servos, vilões e nobres que sé haviam transformado em aventureiros ou assaltantes de estrada foram trocando as ati-vidades ilegais pelo comércio legal. Compravam aqui e iam vender adiante. No inverno abrigavam-se nos castelos e palácios episcopais. Os locais passaram a funcionar como pólos de comércio. Com o tempo, estabelecimentos surgiram fora dos muros

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dos castelos. (...) O desenvolvimento comercial formava novas cidades, e estas intensificavam o comércio."1

Com o desenvolvimento das cidades, os comerciantes sentiram a necessidade de se estabelecerem em construções próprias. Os comerciantes deixam de ser nómades e feirantes para montar o seu estabelecimento comercial em ponto fixo, em imóvel. A fixação do comerciante em ponto determinado fê-lo desenvolver melhor sua ativida-de. O comerciante passa a organizar uma estrutura que atenda às suas necessidades no trabalho.

A reunião de elementos diversos pelo comerciante para o exercício do comércio surge da sua necessidade de viabilizar essa atividade. A atitude do comerciante não se limita à reunião de bens; ele também os organiza para que atinjam sua finalidade. O estabelecimento, que é a reunião de bens promovida pelo comerciante para o desenvolvimento de sua atividade, surge juntamente com o desenvolvimento do comércio, quando este deixa de ser praticado apenas por viajantes para ser praticado por aqueles que se estabelecem montando uma estrutura para o seu exercício. "A organização de um conjunto de bens, como meio instrumental para o desempenho de atividade produtora, é um fato que data de séculos, se não de milénios. Surgiu por mera intuição empírica; se impôs e generalizou por sua comprovada eficiência".2

Num primeiro momento, o estabelecimento comercial não suscitou conflitos que provocassem a manifestação do direito. Até a metade do século XIX, predominava o pequeno comércio, não havendo muita concorrência. Os comerciantes estabeleciam-se em prédios próprios ou locados, que, por serem encontrados em abundância, não davam origem a conflitos. A fartura de espaços não permitia que o comerciante sofresse grandes prejuízos com a troca de local. A mudança era fácil, mesmo para local próximo.

A Revolução Industrial mudou esse quadro, ou, mais precisamente, o que os historiadores chamam de "Segunda Revolução Industrial". "A Segunda Revolução Industrial, iniciada em meados do século XIX, corresponde às inovações técnicas e económicas que acabaram por modificar a estrutura de produção capitalista".3 "Com o desenvolvimento da grande indústria, o aperfeiçoamento das máquinas, a concentração dos capitais e o aumento vertiginoso da produção, houve necessidade premente de colocar as mercadorias, o que intensificou o comércio, agravou a concorrência e tornou mais raros os lugares destinados à atividade mercantil".4 "Com a aceleração do processo produtivo, o mercado consumidor não conseguia mais absorver o volume de produtos ofertados".5 Coube, então, ao comerciante desenvolver mecanismos para a atração da clientela. O incremento do estabelecimento comercial foi um destes mecanismos.

É com a intensificação do comércio e o surgimento da concorrência que a importância do estabelecimento comercial é destacada. A crescente concorrência faz que o comerciante aprimore os mecanismos para atrair a clientela. O reconhecimento da importância do estabelecimento comercial é verificado quando os comerciantes começam a utilizá-lo como objeto de alienação. Os bens que compõem o estabelecimento comercial passam a ser vendidos conjunta-mente, adquirindo um sobrevalor. O sobre-valor pago por esse conjunto de bens chama a atenção do fisco francês. Surge na França o primeiro regramento relativo ao estabelecimento comercial.

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Embora a eclosão do estabelecimento comercial como fato económico relevante seja quase simultâneo à eclosão do comércio, o nascimento jurídico tardou. O estabelecimento comercial teve sua importância reconhecida pelo direito em 1872, na França. A Lei Fiscal de 28 de fevereiro de 1872, editada na França, determinava que as transferências de propriedade a título oneroso do estabelecimento ou da clientela eram tributáveis na base de 2% (dois por cento) sobre o valor da operação. Para Rubens Requião o surgimento do estabelecimento comercial como categoria jurídica dá-se com a Lei Fiscal francesa.6

Em. 1909, outra lei francesa dirige-se ao estabelecimento comercial. "A lei de 17 de março de 1909 proclamou o direito de propriedade do comerciante sobre todos os elementos do fundo, notadamente sobre o direito à locação, à clientela, à freguesia; ela permitiu que se dispusesse desse direito, vendéndo-o; de fazer dele um instrumento de crédito, dando-o em penhor".7

É também nesse momento de intensificação das atividades comerciais que o local onde é desenvolvida a atividade comercial, o ponto comercial, passa a ter maior atenção do comerciante. A concentração populacional nas cidades torna mais escassos os espaços urbanos. O fim do contrato de locação e a possibilidade de perda do ponto geravam preocupação para o locatário. A perda do local e a consequente mudança de endereço causavam prejuízos ao comerciante.

A proteção ao ponto comercial surge na França em 1926. Trata-se da ação reno-vatória, que permite ao locador renovar o contrato de locação, quando estiverem presentes certos pressupostos, mesmo sem a vontade do locador.

À importância do estabelecimento comercial na história do comércio não pára aqui. A busca de métodos eficientes para atender o consumidor prossegue assimilando as evoluções sociais e tecnológicas. Após a Segunda Guerra Mundial, a intensa urbanização faz surgir regiões residenciais à margem das cidades. Surge, assim, a necessidade de criação de centros de atividade comercial nesses locais para atender aos moradores dessas regiões.

As concentrações de lojas, nesses subúrbios, organizam-se de maneira racional para oferecer maior conforto ao consumidor. Dentro de um contexto de urbanização, em que há necessidade de racionalização do tempo na compra e se possível sua associação ao lazer, escasso nas grandes cidades, surge o shopping center.

A organização do estabelecimento comercial, as mercadorias nele vendidas, o treinamento do pessoal, com o desenvolvimento de técnicas de administração e de técnicas de marketing, passam a adquirir maior importância no comércio: A capacidade de atração de clientela pela organização dos elementos do estabelecimento é uma realidade em uma sociedade de consumo de massa, onde o marketing tem grande força.

Diante dessa nova visão, surge um novo tipo de negócio em torno do estabelecimento comercial. São empresas que vendem o know how para a instalação de um estabelecimento. Pode-se dizer que se oferece uma "receita de sucesso" àquele que deseja estabelecer-se em uma atividade. Por meio do contrato de franquia, o franqueador oferece ao franquiado um "pacote" no qual existem, em regra, uma marca a ser comercializada, um padrão de loja, a escolha do ponto comercial, treinamento dos funcionários, e, também, mecanismos de administração, como sistemas de controle de estoque, sistema de caixa e outros elementos importantes para a atividade.

Na franquia, o franquiado recebe um modelo de estabelecimento a ser seguido. Esse modelo foi estudado previamente a fim de alcançar o sucesso desejado pelo comerciante. A organização do estabelecimento, que surgiu de uma forma intuitiva, agora

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pode ser encontrada pronta e testada. Antes, o empresário, caminhando entre erros e acertos...

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