A noção de esperança e suas implicações para a vida: análise comparativa entre dois grupos evangélicos no Brasil

AutorDra. Ana Keila Pinezi
CargoAntropóloga
Páginas1-6

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Diz a sabedoria popular que "a esperança é a última que morre". Esse dito, que subsiste há tanto tempo, tem sido evocado com bastante freqüência hoje em dia. A idéia de esperança ressurge na sociedade brasileira através de alguns sistemas culturais. Dois deles têm se destacado nos últimos tempos. Um é o da política institucionalizada. A palavra esperança foi o mote de um desejo intenso de mudança no cenário político brasileiro e impulsionou uma renovação política, pelo menos ideológica, surpreendente na última eleição presidencial realizada em 2001. Dizia-se, após a eleição, em todos os cantos do país, que "a esperança venceu o medo". O outro sistema cultural que demonstra sua força, através da história, como produtor e fornecedor de esperança é o religioso, que também experimentou uma grande renovação, nos últimos tempos, e um aumento substancial de adeptos em várias denominações religiosas. Este sistema é o que nos interessa neste trabalho.

Em pesquisa feita pelo instituto Vox Populi, cujo resultado foi publicado na edição 1.731 da Revista Veja de 19 de dezembro de 2001, a questão da religiosidade no Brasil mostra-se como um fenômeno social cada vez mais fortalecido e que merece a atenção dos pesquisadores dado seu dinamismo e efervescência. Dentre os dados obtidos, chama a atenção os que se referem à idéia de esperança de vida eterna após a morte. Segundo a pesquisa, quanto à crença na vida eterna no paraíso, os evangélicos aparecem na liderança com 96% de crédulos, os católicos com 84%, os espíritas e os adeptos do candomblé com 72% e os sem-religião com 68%. Ainda sobre isso, 34% dos entrevistados acreditam que irão direto para o céu ou paraíso após a morte, 15% supõem que irão reencarnar, 14% acreditam no fim da existência e 11% crêem que irão para o purgatório. Nenhum dos entrevistados acredita que irá para o inferno. Em termos de crença na vida após a morte, por escolaridade, a pesquisa constatou: 70% têm curso superior, 61% têm nível médio, 58% estão entre a 5ª e 8ª série do ensino fundamental e 58% são analfabetos ou fizeram até a 4ª série. Soma-se a tudo isso o crescimento constante do número de evangélicos no Brasil. O censo de 1980 apontou 8.085.846 de evangélicos para uma população total de 119.002.706 (IBGE, 1983). Em 1991, o censo mostrou que o número de evangélicos chegou a 13.189.284 para uma população total de 146.154.502 (IBGE, 1996). O censo de 2000 demonstra o considerável aumento dos evangélicos: para uma população total de 169.799.170, há 26.184.942 de evangélicos no Brasil (IBGE, 2001). Page 2

Esse panorama mostra-nos o reavivamento e o retorno, remodelado, da idéia de céu, como lugar imaginário em que todo sofrimento, toda injustiça social e a própria morte terão fim, idéia essa tão presente na tradição da doutrina evangélica dos protestantes históricos.

No entanto, a esperança de alcançar o "paraíso" não "engessou" a doutrina das novas denominações evangélicas que surgiram no Brasil, reunindo um número cada vez maior de adeptos. O universo evangélico é bastante heterogêneo, e fazem parte dele três vertentes principais: a dos protestantes históricos, a dos pentecostais e a dos chamados neopentecostais. Os protestantes históricos vinculam-se à Reforma Protestante ocorrida em 1517, na Alemanha. As denominações classificadas como parte do protestantismo histórico são: Luterana, Metodista, Presbiteriana, Batista, Congregacional. As outras vertentes surgiram no Brasil depois do estabelecimento das históricas. Fruto de ação missionária norte-americana no Brasil, no período de 1910 a 1950, as igrejas pentecostais instalaram-se no país. Assembléia de Deus, Congregação Cristã, Quadrangular, Brasil para Cristo e Deus é Amor são as denominações pentecostais mais conhecidas. No final dos anos 1970, nascem as igrejas neopentecostais. As de maior expressão são: Igreja Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo e Igreja Internacional da Graça de Deus. Outras denominações, no universo evangélico, surgem no Brasil constantemente, demonstrando as dissidências internas e a liberdade de formação de novas igrejas por parte de grupos de pessoas.

Desfrutar de parte das benesses do "paraíso" na Terra parece ser uma marca emblemática principalmente dos evangélicos neopentecostais. Prosperidade financeira, saúde e fim dos conflitos familiares encontram-se no centro das atenções dos cultos realizados por esses evangélicos. São essas algumas das questões que serão analisadas neste texto, com base na observação participante realizada nos cultos e nas entrevistas feitas com um grupo neopentecostal da Igreja Internacional da Graça de Deus e com um grupo presbiteriano, na cidade de Ribeirão Preto.

O crescimento do número de adeptos, que se amontoam nos antigos cinemas e supermercados transformados em templos pelas denominações neopentecostais, é, de fato, extraordinário. É exatamente a esperança de uma vida melhor que se mostra como o centro catalisador de tantos adeptos. A esperança...

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