O debate sobre trabalho escravo, abolicionismo e trabalho livre no Sul de Minas (décadas de 1870-1880)

AutorMarcos Lobato Martins
CargoProfessor adjunto do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas.
Páginas208-235
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7976.2012v19n28p208
O DEBATE SOBRE TRABALHO ESCRAVO,
ABOLICIONISMO E TRABALHO LIVRE NO SUL DE
MINAS (DÉCADAS DE 1870-1880)
THE DEBATE ABOUT SLAVE WORK, ABOLITIONISM
AND FREE WORK IN SOUTH OF MINAS (DECADES
OF 1870-1880)
Marcos Lobato Martins*
Resumo: Este trabalho analisa os debates na imprensa do Sul de Minas sobre
trabalho escravo, abolicionismo e trabalho livre, ocorridos nas décadas de
1870 e 1880. Privilegiam-se periódicos que circularam nos centros urbanos
mais destacados da região – Campanha, Pouso Alegre e Itajubá –, de diferentes
orientações político-ideológicas. A intenção é examinar as visões do problema
da escravidão presentes na região e as propostas que os periódicos locais
delinearam para sua solução, apontando as semelhanças e diferenças entre elas
e os encaminhamentos tomados na vizinha província de São Paulo.
Palavras-chave: Trabalho escravo. Trabalho livre. Imigração. Imprensa. Sul
de Minas.
Abstract: This article analyses the debates in the press of the South of Minas
about slave work, abolitionism and free work, occurred in decades of 1870
and 1880. Are privileged the newspapers that circulated in the most detached
cities of the region – Campanha, Pouso Alegre and Itajubá – with different
politic and ideologic orientations. The intend is examine the visions of the
slavery problem presents in the region and the local newspapers’ propositions
delineated for his solution, indicating the similarities and diferences between
they and the directives taken by the neighbor province of São Paulo.
Keywords: Slave work. Free work. Immigration. Press. South of Minas.
* Professor adjunto do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de
Alfenas. E-mail: lobatohistoria@hotmail.com
209
Revista Esboços, Florianópolis, v. 19, n. 28, p. 208-235, dez. 2012.
INTRODUÇÃO
O século XIX foi marcado por transformações importantes. Na
Europa, experimentou-se o rápido avanço do capitalismo, da industrialização
e da urbanização, em meio a revoluções sociais e crises políticas. A época
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internacional, o Oitocentos assistiu aos movimentos de independência e
consolidação de estados nacionais no Novo Mundo, e, mais tarde, ao início da
corrida imperialista na África e na Ásia. Por todo o globo, estendeu-se nova rede
de relações comerciais e nova divisão internacional do trabalho nos quadros da
hegemonia europeia. No Brasil, a crise do sistema colonial e a Independência
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a manutenção da integridade territorial, a preservação do escravismo, a
construção de boas relações diplomáticas e comerciais com as potências
europeias, principalmente a Inglaterra, e a defesa dos interesses brasileiros na
conturbada região do Prata. Como ressaltaram muitos estudiosos, a monarquia
constitucional no Brasil ensaiou a convivência entre modernidade e escravidão,
razão pela qual o regime não poderia ter sobrevivido à Abolição.1
Internamente, o debate sobre a modernização do Brasil abarcou gama
ampla de temas e mobilizou as elites letradas. Tal debate concentrou-se nas
questões do laissez-faire, da escravatura e do comércio de escravos. José da
Silva Lisboa (1756-1835), Visconde de Cairu, ideólogo do livre comércio e
defensor do poder centralizado, acreditava que o Brasil não iria se desenvolver
sem a criação de uma força de trabalho livre, e sem a europeização ou
embranquecimento da população.2 José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-
1838), o “Patriarca da Independência”, pensava que o futuro de progresso do
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do regime de propriedade (subdivisão das terras improdutivas pelo Estado),
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reforma do governo, desenvolvimento do povoamento do interior e localização
adequada das novas vilas, tudo isso realizado sob a égide da racionalidade e
do emprego das técnicas modernas.3 Se havia vozes moderadas que defendiam
a gradual extinção do sistema servil, havia outras vozes que se aferraram ao
escravismo. Uma dessas vozes foi a de Carlos Augusto Taunay (1791-1867), que
julgava a instituição da escravidão necessária à economia brasileira, propunha
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escravarias. Na sua obra Manual do agricultor brasileiro, publicada em 1839,
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exportação e o aumento da produção de alimentos. Algo que coadunava com as
posições dos saquaremas, favoráveis à continuidade da escravidão, da estrutura
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riqueza e nas importâncias sociais.4

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